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O Riso e o Homem Feliz da Contemporaneidade

Particularmente, considero muito difícil escrever sobre desdobramentos que, estejam relacionados ao tempo presente. Provavelmente, a dificuldade se concentra no preceito de distanciamento que paira no âmbito da pesquisa histórica, para com o objeto de suas reflexões. A distância, considero-a como algo importante, principalmente para aplacar os ânimos, e possibilitar maiores e melhores condições de compreender as várias nuances que envolvem a temática que determinado pesquisador se propõe a estabelecer considerações. Em suma, afastar-se temporalmente, contribui para dar ênfase a pretensão de imparcialidade, mesmo sabendo que essa não existe.



Porém, mesmo tendo começado esse diálogo que parece querer caminhar para uma reflexão de cunho metodológico da história, me valendo de Prost (2012), essa não é a minha intenção. Deixemos a metodologia histórica para um outro momento. Gostaria de estabelecer um diálogo envolvendo a temática do riso, e o conceito de homem feliz na e da contemporaneidade. O riso como objeto de estudo, tem possibilitado uma série de interpretações ao longo do processo, envolvendo importantes pesquisadores, desde a antiguidade, como Aristóteles, e o seu clássico A Poética (2014), até discussões do tempo presente, como o importante livro História do Riso e do Escárnio (2003), do historiador francês Georges Minois.


O que praticamente todos os trabalhos que estudam a temática do riso tem em comum, é o fato da compreensão que o riso se constitui como um elemento eminentemente humano. A partir dessa premissa, há um deslocamento amplo de análise, quando além do riso, esses pesquisadores percebem o ser humano sorrindo. A percepção em torno do sujeito, possibilita com que as análises se voltem para o âmbito social. Assim, as relações contextuais, se constituem como evidências importantes sobre as formas e maneiras com que as sociedades riem ao longo do processo histórico.


Por exemplo, Minois (2003) afirma que o século XX demonstra ser o contexto em que ri se de tudo, porém, ao mesmo tempo é o século que demarca a morte do riso, por que o riso se torna superficial, sem autenticidade, deixando de ter sentido. As reflexões do mencionado historiador, podem ser facilmente encontradas em nosso dia a dia, por meio das mais diferentes formas de diálogo que estabelecemos. É muito comum, principalmente nas conversas virtuais, os já famosos (rsrsrsrsrsrsrsr), ou (kkkkkkkkkk).


Em sã consciência, será praticamente uma raridade encontrar alguém que, em suas conversas não tenha utilizado os mencionados dizeres do dicionário virtual. Parece, ou melhor dizendo, pressupõe-se que, nas conversas virtuais, não utilizar (rsrsrsrs), ou (kkkkkk), se constitui como forte indício de um sujeito com um péssimo humor, alguém careta que, independentemente da situação, não consegue desdramatizar os problemas sociais. Utilizar os conceitos virtuais, parece ser um mantra, uma forma de dizer ao outro que você é um sujeito legal, amável, brincalhão, com disposição para o diálogo. Tenho a impressão que, no século XXI haverá uma forte tendência para o desaparecimento do indivíduo mal-humorado. Penso que as redes sociais contribuirão significativamente para essa tendência.


Particularmente, em praticamente todas as minhas conversas, os já mencionados dizeres aparecem, algo recíproco se comparado com quem diálogo. No entanto, inserir (rssrsrsrsrs), em meus diálogos não significa que me encontro em um estado de pura felicidade, em algumas situações sim, em outras utilizo para não deixar a pessoa com quem converso sem jeito diante de algo que ela considera engraçada, ou mesmo, utilizo como uma forma de ansiedade, para que o diálogo se encerre rápido e, para não parecer um cara chato. Provavelmente, essa recíproca aconteça com o outro/a que conversa comigo também. Assim, o estado de alegria que procuramos transparecer, não passa de aparência, não é algo autêntico, oriundo do ser, mas, um elemento um tanto quanto artificial.


Se corroborarmos com essa vertente de análise esboçada acima, ressaltando todas e as importantes exceções, caminharemos de forma parecida com a perspectiva levantada por Minois (2003), quando afirma que o século XX decreta a morte do riso ao torná-lo elementar. Desse modo, parafraseando o historiador, acredito que, a sociedade ocidental do século XXI, parece compreender que, o riso autêntico, natural, não permeia mais no imaginário e na prática social, e diante dessa compreensão, procura enganar-se a si mesmo, implementando o riso em tudo, mesmo que seja somente por aparência.

Assim, penso que não seja necessariamente o tempo presente que decreta cotidianamente o desaparecimento do sujeito mal-humorado, esse indivíduo, como representante, se encontra ativo, porém, como forma de inserção social, procura relativizar o seu mau humor, por meio dos (rsrsrsrsrsrsr) ou dos (kkkkkkkk), seja nas relações pessoais, ou virtuais. Acredito que a sociedade feliz ‘facebookiana’, não passa de uma mera ilusão, um autoengano dela para com ela mesma, e para aqueles que curtem a sua felicidade. Muitos estão tristes, no entanto, não podem transparecer.


Boa semana para vocês!

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