A existência humana, afirma a brilhante cientista política e judia alemã Annah Arendt, não é um processo pelo qual você se concebe enquanto “ser”. Ao contrário, é justamente quando você se percebe “inútil” ao mundo a aos outros, que sua existência possui sentido. Ser inútil aqui, não é ser incapacitado de algo ou alguma atividade em meio ao grupo social. O sentido de “inútil”, na acepção de Arendt, é se perceber ignorante frente à existência humana.
Em se tratando da existência humana, alvo das ciências e da filosofia em especial, é inteiramente notável a fragilidade das visões de mundo que se postulam acerca da inconstante percepção de que somos seres sociais, dotados de capacidades laborais que subsistem mediante necessidades básicas da vida humana. É genuinamente perceptível que somos seres sociais que vivem em grupos estabelecidos no mundo que é, em suma, “mundano”.
As teorias sociais, que são muitas, comprovam com farta documentação a proposição. É dito corriqueiramente que somos “seres” racionais interligados por laços afetivos, de trabalho, culturais, religiosos e etc. Dizem que somos o que somos, porque utilizamos de um sistema de linguagem que faz da comunicação, um vetor da condição humana de existência em meio a um grupo social.
O indivíduo, a sociedade e o mundo estão inteiramente interligados de tal modo que isto se torna banal. A vida humana pressupõe a coexistência. O depender do outro é um fardo pesado que somos obrigados a carregar. A individualidade, numa sociedade globalizada como a nossa, é condenada no sentido da condição de sermos seres sociais, logo, taxativos de obrigação de vivermos em “grupos”.
A individualidade aqui pensada, é pensada no viés da condição de ser humano que se vê ameaçado pelo grupo social. Que realiza uma escolha perscruta e se isola do mundo. Ora, nada mais compreensível do que o isolamento como forma de se precaver dos equívocos e da inconstante variação da vida em grupo. Isto não significa dizer, que quem se isola está isento de erros; ao contrário, pode cometê-los porque é um ser (animal) humano. Digo, pois, que a chance de isto ocorrer, cai consideravelmente.
Ao se apaixonar por uma bela mulher, Nietzsche se deixa levar pelos mais obscuros sentimentos. No momento em que sua amada o decepciona amorosamente, ele se depara com o maior enigma da vida humana, a existência. Existiríamos, pois, para sermos enganados pelos sentidos? Seríamos, de modo tão corriqueiro e diurno, enganados pelas emoções que insistem em nos atormentar? Nossa existência se basearia na condição de dependência de outra pessoa? Nietzsche se isola do mundo. Vive constantemente atormentado – não pelo fato de ter sido magoado por quem mais amava, mas justamente por ter sido provocado pela sua existência. Morre louco.
O enclausuramento, ou seja, o “isolar-se”, vértice que norteia o pensamento do indivíduo a refletir sobre si e a partir de si, é alvejado de críticas ácidas por aqueles que se dizem notáveis no mundo. Este indivíduo “enclausurado”, está, segundo o meio social em que vive, “fora dos padrões”. A sociedade não o interpreta, não o compreende. Diz que fulano necessita de uma ajuda psicológica ou do “divino”. Ao saber do isolamento de fulano, que não quer dizer que ele está só, mas só consigo mesmo, ou seja, ele é um-em-dois, os “outros” percebem-se “espantados”, por vezes “resignados”.
Estes, porém, nunca compreenderão que quem escolhe se isolar, adquire um conhecimento profundo sobre sua própria existência. Entende seus limites pois compreende que sua existência é pífia. Interpela a si mesmo sobre sua ignorância. Identifica que seu isolamento é necessário, mas seu convívio com os outros uma obrigação imposta.
Enclausurar-se não é deixar de viver, é viver.
Boa semana para todos vocês!