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A ignorância não é uma benção

Há um velho ditado popular que diz: “A ignorância é uma benção”. Em um mundo de interpretações rasas, reality shows, youtubers, telenovelas, briga de torcidas, exploradores da fé alheia, chavões repetitivos em programas de humor, me parece que a ignorância é uma imposição, uma regra, o aceito como “NORMAL”, tanto que os que desentoam deste padrão e buscam conhecimento são tachados imediatamente pelo senso comum como loucos, esquisitões, estranhos. Como dizia o poeta inglês Thomas Gray “Onde a ignorância é uma benção é loucura ser sábio”.


Não é de hoje que o conhecimento é sinônimo de poder, e seu oposto, a ignorância é sinônimo de submissão, desde as primeiras civilizações aqueles que possuíam um maior conhecimento ocupavam funções elevadas nas diversos sociedades, muitos se auto-proclamaram Reis, Imperadores ou mensageiros dos deuses, e em muitas vezes escravizaram ou justificaram a escravização daqueles que não possuíam compreensão suficiente para duvidar ou se rebelar.


Por centenas de anos novos saberes foram sufocados ou perseguidos pois desmentiam saberes anteriores e que beneficiavam os grupos que detinham o poder, Galileu Galilei foi perseguido e aprisionado por afirmar que a Terra era redonda e que a mesma não era o centro do universo, Giordano Bruno foi cruelmente assassinado pelo “Santo Ofício” por afirmar que o universo era infinito, conhecimentos estes que hoje tão óbvios para todos nós e que custou a vida de muitos. Para ser aceito e se popularizar o conhecimento passa por um conflituoso processo, Artur Schopenhauer (Filósofo alemão do século XIX) afirma que: Toda verdade passa por três estágios, no primeiro, ela é ridicularizada, no segundo, é rejeitada com violência, no terceiro, é aceita como evidente por si própria.”


Os tempos são outros, não vivemos mais a Inquisição, mas ainda hoje o conhecimento é um privilegio de poucos, e negado a população das classes mais pobres, pois pode significar uma ascensão na piramide social, simbolizando uma ameaça aos que historicamente se mantiveram em posição de privilégio. O que outrora fora inibido em nome da religião hoje é inibido em nome do dinheiro, nas palavras de Nietzsche “O que outrora se fazia “por amor a Deus”, hoje se faz por amor do dinheiro, isto é, daquilo que hoje confere o sentimento de poder mais elevado.”


A proposta romana dos tempos de Império, de uma política do “Pão e Circo”, que apazígua os ânimos de uma povo que vive na miséria ainda é praticada nos dias atuais, a população de classe baixa é entupida por futilidades travestidas de entretenimento e enquanto a população se preocupa com o último capítulo da novela, o último eliminado do reality show, com o novo ídolo pop ou com o título do time do coração, questões fundamentais como política e novas descobertas científicas são deixadas de lado.


A sociedade do Século XXI é a sociedade da informação e da pseudo-ciência, os veículos de comunicação como a tv, rádio e as redes sociais disseminam informações fragmentadas e superficiais e são as responsáveis pela formação da opinião da grande maioria da população, que aceitam sem questionar as explicações mais simplistas, fantasiosas e por muitas vezes errôneas a respeito dos mais diversos temas sem questionar. Em outras palavas estes mecanismos cumprem a função de anestesiar a população para que esta não perceba situações mais complexas.


Os valores pregados por esses meios de comunicação refletem a sociedade (A arte imita a vida ou a vida imita a arte?). O Astrônomo americano Carl Sagan nos apresenta o seguinte questionamento: “Um extraterrestre, recém-chegado à Terra examinando o que em geral apresentamos às nossas crianças na televisão, no rádio, no cinema, nos jornais, nas revistas, nas histórias em quadrinhos e em muitos livros, poderia facilmente concluir que fazemos questão de lhes ensinar assassinatos, estupros, crueldades, superstições, credulidade e consumismo. Continuamos a seguir esse padrão e, pelas constantes repetições, muitas das crianças acabam aprendendo essas coisas. Que tipo de sociedade não poderíamos criar se, em vez disso, lhes incutíssemos a ciência e um sentimento de esperança?”


Por que não pensar em uma sociedade que seja capaz de se livrar dos mitos, dos dogmas, das ilusões, e do conformismo? Por que não imaginar uma sociedade que seja capaz de propor soluções, de buscar respostas, de buscar novas perguntas, de buscar a razão ao invés de aceitar tudo como pronto e acabado? É da nossa natureza a curiosidade e a vontade entender o mundo e a nossa existência, qualquer criança passa por uma fase onde pergunta de tudo aos pais e aos professores, mesmo que sejam dúvidas inocentes e talvez você pode até achá-las meio bobas (e não são), mas elas sentem o desejo de saber, em algum momento estas crianças perdem o interesse de continuar perguntando pois as respostas deixam de ser convincentes e passam a ser simplesmente acatadas.


Diante de uma sede por respostas não saciadas, muitos se perdem nas explicações mais simplistas, se rendem aos mitos e acabam sendo explorados por charlatões e oportunistas, que se aproveitam da fragilidade de um povo faminto e desamparado, que aceitarão facilmente promessas infundadas.


Se desvencilhar de tudo isso não é nada fácil, exige que abdiquemos de nosso próprio ego, das nossas mais sólidas certezas. É comum aos mais agarrados as suas convicções negar as evidências quando estas vão de encontro as suas certezas pré estabelecidas. Precisamos nos libertar do que Sagan chamou de “Prisão do Engando” para ele “Se formos enganados por muito tempo, a nossa tendência é rejeitar qualquer evidência do logro. Já não nos interessamos em descobrir a verdade. O engano nos aprisionou”, atitude esta muito bem representada pelo personagem Cypher, interpretado por Joe Pantoliano no filme “Matrix”, onde o mesmo decide fazer um acordo com os “Agentes” para voltar a ilusão da Matrix pois a realidade não lhe agradava (Espero não ter dado Spoiler, imagino que todos já tenham assistido).


A ciência pode não possuir todas as respostas, e talvez nem consiga responder a tudo diante da imensidão de nosso universo, mas a simples busca da compreensão a respeito daquilo que podemos conhecer e aprender ao longo da vida é uma experiência maravilhosa e libertadora, ter acesso a essa possibilidade não pode ser um privilégio de poucos mas sim um direito absoluto para todos, por fim recorro novamente a Sagan pra dizer “A História está repleta de pessoas que, como resultado do medo, ou por ignorância, ou por cobiça de poder, destruíram conhecimentos de imensurável valor que em verdade pertenciam a todos nós. Nós não podemos deixar isso acontecer de novo.”

Boa semana a todos!

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