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Nietzsche e a Moral

Ao leitor desenganado, o título que precede estas palavras pode soar um tanto quanto abstrato e distante da realidade; meio longínquo e apartado da totalidade do constructo social. Em minha defesa, admito que o interesse das digressões que seguem não confere a tal objetivo tamanha importância. De todo contrário, pretendo versar sobre a Moral, no que toca aos mais variados sentidos que o conceito possa abarcar, aos moldes do pensamento nietzschiano e suas nuances, deixando margem para uma compreensão crítica e honesta a respeito da influência dos valores morais ou da Moral em si, na sociedade.


Ao leitor justifico a escolha de Nietzsche. Para mim, o filósofo alemão do século XIX, autor de grandes obras, as quais, Assim Falou Zaratustra (1891), Para Além do Bem e do Mal (1896), O Anticristo (1895), A Genealogia da Moral (1887), A Gaia Ciência (1882) Ecce Homo (1908), etc., consegue, de modo particular, destrinchar a essência da Moral. Afirmo, pois, que a escolha de Nietzsche se deve, antes de tudo, por entender que ele procura, como demonstra muito bem em A Genealogia da Moral (1887), compreender a origem e ao mesmo tempo as transmutações operadas no decurso da história dos homens no que concerne à Moral.


Ainda na vez das justificativas, acredito que a reflexão sobre a Moral no conjunto de abordagens da realidade que vivenciamos, seja de grande valia para entendermos de fato a essência das terminologias e dos discursos que imperam nos meandros da sociedade contemporânea. Discursos estes que qualificam costumes, hábitos, sentimentos, ações, crenças e comportamentos diversos como sendo ‘errados’, ‘desviados’ e ‘vazios’ de conteúdo. Ressalto que a proposta em tela não toma o caráter de mera descrição dos eventos ocorridos sistematicamente na área ou no campo político-econômico, mas, e sobretudo, na generalização de toda estrutura social.


Acredito, como já devo ter deixado subtendido, que a Moral é o artificio que nos adestra, nos cerceia e aliena. A Moral é a senhora de todos nós. Quando afirmo ser a Moral o epitáfio que circunscreve nossas vidas e nossa conduta cotidiana, não precisamos divagar muito no campo das ideias para entender sua força e influência. Isto é, que a Moral está presente no mundo do trabalho – “o trabalho edifica o homem”-, no campo das superstições e da crença – “o homem virtuoso é aquele que crê e logo prospera - , no limbo das relações sociais e da vida.


Assim, Nietzsche procura compreender como os homens se constituíram em sociedade a partir da Moral. Não obstante, a Moral, para Nietzsche, surge quando o homem abandona sua vida nômade e se sedentariza. Ora, uma vida em sociedade implica uma Moral que sirva às regulações das emoções, das paixões e instintos primitivos. A Moral consubstancia a supressão das vontades individuais face ao aprimoramento da vontade coletiva. Ademais, o passo primeiro dado pela Moral, segundo Nietzsche, ocorreu no momento preciso de uma “consciência dominadora”, que prolongou as distâncias que se acentuaram entre os homens. Foi um “sentimento geral” e fundamental de uma “raça superior e dominante” oposta à “raça inferior e submissa” que fundou a Moral; a Moral resultante do Bem e do Mal.


Emana, de acordo com Nietzsche, das gradações do convívio social, do constructo social, os valores morais que configuram a sociedade, os homens. Dessa estratificação social; dessa oposição crucial dos homens em castas ou classes; da divisão operada e circunstanciada entre homens superiores e inferiores; entre Patrícios e Plebeus, que decorre a moral do castigo, a moral do medo e do temor, a moral do credor e do devedor, etc. Decorre também, já no plano das ideologias e das representações, diz Nietzsche, a Moral Religiosa ou Divina, a Moral do Trabalho, a Moral do Pudor e do Poder, a Moral da Consciência Ressentida ou do remorso.


A ponto de grande ressalva, Nietzsche chega a afirmar que a própria Justiça e o Direito resultam senão da Moral aplicada aos homens. São categorias que por meio das convenções, instituições e leis gerais, alienam o homem de sua total liberdade primeira: o primitivismo. Na esteira desse raciocínio existe em Nietzsche um sentimento de repulsa pelo niilismo que impera na sociedade contemporânea. Esse niilismo desconhece a história dos costumes, dos hábitos, da linguagem e por fim, do “humano, demasiado humano”. Toda História em Nietzsche é a História da “moralização dos costumes”.


Quando penso na Moral; quando rumino sobre este assunto tão sério e importante, imagino logo a funesta ideia de liberdade sem o adágio da Moral. Imagino uma vida sem os valores morais que nos limitam e nos encerram nas paixões. Doce Utopia. Nietzsche não suportou a sociedade niilista do oitocentos. A razão, que parecia escusar e espantar os dogmas, se tornou uma verdade a ser seguida e adorada. Ora, a própria ideia de “deus” é advento mais que circunscrito da Moral. Tendo se ressentido do que praticara até então, do estado de natureza e barbárie em que se encontrara, o homem se interiorizou, num movimento endógeno. Optou por condenar eternamente seus instintos primitivos, seus desejos mais puros, suas paixões mais animalescas; condenou sua essência a uma contingência. Desse miasma surge a figura potente de “deus”. Um “regulador moral” útil à ideologia que se faz prevalecer. Sua função consiste em instituir a supressão, o medo e o ressentimento; uma “má-consciência”. “Seja sempre um servo do Senhor”, exclama o sacerdote.


A Moral em toda sua história, se é que exista uma História da Moral, mais correto seria dizer que exista uma Genealogia da Moral¸ afastou o homem de si mesmo e inventariou um homem genérico, sintético. Ela engendrou nos costumes, nos hábitos, enfim, na cultura humana, uma contingência reguladora. Pensar de forma reflexiva sobre a Moral é pensar sobre a própria sociedade. Que possamos repensar valores, costumes, hábitos, comportamentos, atitudes, ações, etc., na construção de uma sociedade mais respeitosa, igualitária e humana.


Boa semana para todos vocês!

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