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‘FARPLAY’

No último dia 16/04 (domingo) aconteceu o jogo de ida pelas semifinais do Campeonato Paulista entre São Paulo e Corinthians. Além de ser um clássico do futebol brasileiro e mundial, o jogo reservou um momento particular e de raríssima oportunidade de aprendizado. Entretanto, nem todos, eu diria que a maioria, entenderam dessa forma. Para que o leitor se inteire sobre o acontecido no jogo e que por consequência causou tanta repercussão, não apenas no seio da mídia esportiva, mas na mídia em geral, descreveremos o lance em seus pormenores no parágrafo seguinte.


Numa disputa de bola entre o zagueiro do São Paulo, Rodrigo Caio, o goleiro de seu time, Renan Ribeiro e o atacante do Corinthians, Jô, o árbitro da partida Luís Flávio de Oliveira paralisou o jogo marcando falta do atacante corintiano em cima do goleiro são-paulino. De acordo com a interpretação do árbitro, Jô agiu de má fé e ‘pisou’ no goleiro do São Paulo, recebendo por isso, cartão amarelo. Todavia, o que mais chamou a atenção não foi a falta em si, que aliás não fora tão violenta, nem mesmo o cartão amarelo de Jô, que o tiraria, por efeito de suspensão automática, do jogo de volta na Arena Corinthians. A atitude de Rodrigo Caio vendo que o árbitro já decidirá sobre o lance, resolvendo, por si mesmo, de corrigir o ato e indicar que ele próprio teria efetuado o pisoteio no próprio companheiro de equipe, de forma não intencional, é claro, reservou um certo ‘espanto’ a quem acompanhava a partida. Pronto. Estava lançada a rede de interpretações variadas sobre a atitude do zagueiro.


A atitude de Rodrigo Caio, para alguns, significou uma aula de ética, para outros, uma inocente e ‘cândida’ falta de experiência e malandragem, principalmente por se tratar de um jogo de futebol, em que se digladiavam dois clubes rivais. O que mais me chamou a atenção foi a grandiosa repercussão que a atitude do zagueiro recebeu. Um ato como o de Rodrigo Caio que deveria ser considerado comum no cotidiano e no dia a dia, não poderia ter sido alvo de tamanha surpresa. Infelizmente hoje nós nos surpreendemos com atitudes que primam pelo respeito, pela boa educação, pelo altruísmo, pela caridade, pela ética.


A atitude louvável de Rodrigo Caio e o futebol em si, representam como que um ‘microcosmo social’. Os jogadores são a sociedade, o árbitro e as regras do jogo a jurisprudência e a moral. Talvez o espanto maior no pragmatismo do zagueiro são-paulino se deva em particular pela perca do respeito, da alteridade, da humanidade e do bom senso. Nossa sociedade é o reflexo de uma história marcada por privações e ausências de atitudes como a de Rodrigo Caio e de tantos outros.


Sérgio Buarque de Holanda aduz belissimamente sobre o ‘jeitinho brasileiro’, aquele capaz de tomar proveito da bem-aventurança alheia mediante ato ilícito. Em Raízes do Brasil (1956) o historiador apreende que a sociedade que se formou entorno de Tipos Ideais – o aventureiro e o trabalhador – também é a mesma que se esgana e se mata pelo mérito a contragosto alheio. Tal perspectiva entremeada no conjunto da sociedade acaba sendo reproduzida no cotidiano, na escola, no trabalho, no lazer, no esporte, etc. Nem mesmo os próprios companheiros de equipe apoiaram a atitude de Rodrigo Caio. Em entrevista, Maicon, também zagueiro e colega de Rodrigo Caio na defesa, dissera que “...é melhor a mãe deles chorar do que a minha”. Rogério Ceni, treinador do time, não foi tão incisivo quanto Maicon, porém, evitou de comentar o lance.


A inexistência de respaldo dos próprios companheiros de clube e de alguns comentaristas esportivos ou jornalistas, evidencia o lapso moral e ético que persiste na nossa sociedade. A meritocracia se revela como valor maior que o respeito e a alteridade. Praticar o bem e o altruísmo é uma raridade como que de um diamante. A bem da verdade, sabemos que as generalizações são perigosas, mas que possamos acreditar que mais ‘Rodrigos Caios’ possam aparecer e dar o exemplo.


Boa semana para todos vocês!

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