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Saberes

Já a algum tempo venho redarguindo com colegas e amigos a capacidade de reconhecimento de diversos segmentos sociais apresentarem, cada qual ao seu modo, saberes diversificados. A afirmação parecerá um tanto quanto vazia se não damos à ela uma noção clarividente de que “saberes” estamos nos referindo. Isto é, devemos nos propor à seguinte pergunta: de que “saberes” se pretende tratar neste texto? Para responder a questão e com a devida e respeitosa licença concedida do leitor, gostaria de discorrer sobre uma experiencia muito válida para a pretensão deste escrito.


Meses atrás iniciei a leitura de textos e escritos relacionados a uma hermenêutica social fundada sob bases do materialismo histórico dialético. Tal experiencia sobreveio-me mediante conteúdo de disciplina que cursei no mestrado no ano de 2016. Confesso ao leitor que o conteúdo e o contato com textos de Karl Marx e de autores consagrados que o interpretaram – ou pelo menos tentaram – me agradou enormemente. Confesso ainda que tenho forte influência teórica e metodológica do modo de pensar e interpretar ‘marxista’, se é que se pode dizer tal.


A questão que se coloca é que no auge das leituras acima descritas deixei-me levar pelo espírito de uma Intelligentsia (proposta retórica que afirma ser o conhecimento cientifico e os saberes que dele resulta, decorrência apenas e tão somente do espaço e do campo acadêmico e universitário). Para tanto, passei a negar outras possibilidades de produção e reprodução dos saberes/conhecimentos para além da esfera da ciência e da academia/universidade.


Neste período, em que estava sendo “contaminado” pelo aporte marxista, uma pessoa, em especial, foi decisiva para que a forte influência do pensamento de Marx não me encobrisse por completo por sua “capa” estruturalista e, logo, desconsiderasse outros possíveis elementos de entendimentos e de interpretação do constructo social. A pessoa a que me refiro, acredito que possa mencionar, é o professor Lucas Pires Ribeiro, também colunista do Além dos Muros. Lucas, além de ter sido meu mestre, se tornara um grande amigo. Nossas reflexões e discussões, ora convergentes, ora divergentes, o que é aspecto fundamental do debate de ideias, propiciava um rico manancial de aprendizados.


Dentre as discussões/debates que protagonizávamos a questão do campo de atuação do conhecimento e dos “saberes” era uma constante. Em virtude de suas pesquisas, ouvia recorrentemente de Lucas que o conhecimento e os saberes não estavam apenas na hinterlândia da universidade, ou nos circunscritos círculos da intelectualidade. Ao longo de profícuos momentos de reflexão, entendi que a universidade e a academia são, sem qualquer sombra de dúvidas, espaços preponderantes para o desenvolvimento do conhecimento/saberes. Porém, compreendi melhor ainda que tais espaços não comportam ou não na sua inteireza, a magnitude e ampliação dos saberes. Hoje, afirmo que o conhecimento e os saberes se dão de diferentes formas, ocupam os mais variados espaços e possibilidades de interpretações sociais.


A questão que defendo neste texto é que os ambientes acadêmicos e universitários são, em grande parte, eivados de soberba e egoísmos. O mais das vezes, são campos ou espaços que sequer aceitam as possibilidades de entendimento social por outros segmentos exógenos para além de suas linhas fronteiriças. Defendo que o espaço do conhecimento e da propagação dos saberes diversos escapa aos determinismos, delineando formas e construções sociais, políticas, culturais, ideológicas, simbólicas etc., nos seus respectivos modos de se erigirem. A sociedade e seus “construtores” edificam cotidianamente os campos dos saberes. Desde o cientista, o médico e o professor; até o camponês, pedreiro e gari, os saberes pululam.


Outra questão de caráter fundamental é entender que tais saberes e/ou conhecimentos são produzidos/reproduzidos de formas diferenciadas, definindo assim, modos e estruturas de pensamentos heterogêneos. O conhecimento pode ser obtido em diversos espaços, sem qualquer restrição. Este é o elemento primordial para que se compreenda a essência das relações sociais na contemporaneidade. Evidente que o marxismo é uma proposta de pensamento importantíssima para analisarmos a conjuntura social que vivenciamos, diria até que obrigatória. Destarte, é importante relativizar e considerar outros espaços e sujeitos na produção do conhecimento e dos saberes.


Os “saberes” que estamos a muito tratando neste opúsculo é o conteúdo dos conhecimentos sociais e históricos que diariamente nos deparamos na lida cotidiana. Trata-se das experiências e do saber das massas, dos segmentos da sociedade marginalizados e subalternizados. Talvez possamos afirmar que muito mais se ‘aprende’ com o saber, ou os “saberes” populares, das massas, do que propriamente dito da academia, da universidade, enfim, da ciência.

Boa semana para todos vocês!

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