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O caos no sistema penitenciário brasileiro e a injusta política de encarceramento

O debate sobre o sistema prisional brasileiro têm crescido nas últimas décadas e os estudos vêm demonstrando significativamente que o Estado se tem utilizado do sistema punitivo para encarcerar pessoas a pretexto de uma irreal manutenção da ordem social.


Os índices de criminalidade crescem constantemente no Brasil, bem como na mesma proporção cresce o sentimento de insegurança que aflige os brasileiros, principalmente num cenário em que vemos o dinheiro público ser utilizado para beneficiar poucos, enquanto deveria ser gasto em políticas públicas como educação e saúde, direitos sociais estes constitucionalmente “garantidos”, pelo menos previstos no artigo 6º da Constituição de 1988, e que influenciam diretamente nesses índices. Ao tratar do sistema carcerário no país deparamos com o maior dos problemas, qual seja, o aprisionamento em massa como medida de redução da criminalidade.


Sabe-se que o nosso país tem a terceira maior população carcerária do mundo e esse crescimento se deu num curto espaço de tempo. Para exemplificar, dados do Ministério da Justiça, registrados em 2014, mostram que o número de pessoas presas no Brasil aumentou mais de 400% em 20 anos (Portal do Conselho Nacional de Justiça). No entanto, as pesquisas sobre o assunto não demostram relação alguma entre excesso de aprisionamento e redução de crimes no Brasil, pelo contrário, a criminalidade aumentou nos últimos anos. A causa desse aumento é notório, não se gasta o suficiente com educação e saúde como se deveria gastar, pois esses direitos, sem falar de outros quase tão importantes, constituem a base de uma nação menos violenta e mais igualitária. A discrepância entre os brasileiros ricos e as classes menos favorecidas, maior parcela da população, é significativa para evidenciar que o nosso país está entre os mais desiguais, de modo que essa desigualdade social está intimamente relacionada com o aumento das práticas criminosas e reflete nas péssimas condições a que são submetidos os presos brasileiros, provisórios ou não.


A propósito, a Constituição Federal destaca vários direitos fundamentais dos presos, os quais têm por base a dignidade da pessoa humana caracterizada como o respeito absoluto ao tratamento diferenciado a ser dado a todo ser humano e é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. No entanto, dentro dos presídios, a realidade é outra, o desrespeito contínuo a essa condição humana dos presos prevalece diante dos mandamentos constitucionais. O que vemos são pessoas sobrevivendo em lugares sub-humanos, superlotados e em péssimas condições de saúde e higiene. Além disso, os detentos convivem com a violência física e moral fomentada pela guerra entre facções criminosas, que disputam o comando de atividades ilícitas, sobretudo do narcotráfico, de dentro dos presídios.


Com efeito, as rebeliões e chacinas ocorridas em janeiro desse ano, nas cidades de Manaus (AM), Porto Velho (RR) e Nísia Floresta (RN), cujo número de detentos mortos nessas tragédias chegou a mais de 100, representam o reflexo de um sistema penitenciário condenado e insustentável. Alguns o consideram como falido, no entanto, o termo “falido” deve ser pensado não como sinônimo de ausência de recursos, porque as investigações sobre a corrupção demonstram que verba pública não falta nesse país. Contudo, a “falência” das prisões deve ser analisada no sentido de descaso estatal, de ausência de interesse político na resolução dos problemas e de esquecimento social, porque eventuais propostas que busquem condições humanas para os detentos não proporcionará, de maneira satisfatória, votos nas urnas, porque nossa sociedade ainda pensa que “bandido bom é bandido morto”.


Nesse contexto, tem-se que o estado caótico do sistema penitenciário nacional é o resultado da falta de investimentos, que não acompanham esse encarceramento excessivo, seja na infraestrutura dos estabelecimentos prisionais, se é que assim podem ser chamados, ou na saúde e educação dos presos e melhoria das condições de trabalho dos agentes prisionais.


Dessa forma, ao analisar a relação entre crescimento da população carcerária e investimentos no sistema prisional, deve-se questionar em quais condições estão inseridos os presos nos cárceres brasileiros, onde, como já mencionado, são violados os mais variados direitos fundamentais. Verifica-se que medidas urgentes devem ser tomadas com objetivo de melhorar as condições dos apenados e provisórios, o que não quer dizer que investir na construção e reformas de presídios seja a solução para o problema, no entanto, é primordial que se estabeleçam mudanças, como o aumento do número de agentes prisionais que deve ser proporcional ao quantitativo de presos em cada estabelecimento, a melhoria da educação e do trabalho para propiciar a reinserção do apenado (que não existe hoje) e o combate às condições péssimas de saúde e de higiene, com objetivo de reduzir a proliferação das diversas doenças no cárcere, como tuberculose, pneumonia, doenças venéreas, sem falar na AIDS.


Assim, mais do que investir na construção e reformas de estabelecimentos prisionais, ações necessárias para suprir o déficit de vagas, é preciso rever o modelo de encarceramento no Brasil, dando ênfase à prevenção ao crime.


Indubitavelmente, mitigar a prática do crime só é possível proporcionando uma educação justa e igualitária, a qual seja disponibilizada não somente às classes média e alta, mas também às classes pobres. Nesse sentido, a educação pública de qualidade deve ser viabilizada às populações com menor poder aquisitivo, com objetivo claro de se reduzir os índices de violência e de criminalidade. De acordo com pesquisa de doutorado realizada na USP, por Kalinca Léia Becker, cada investimento de 1% na educação, 0,1% do índice de criminalidade é reduzido, demonstrando o papel importantíssimo que tem a escola no comportamento dos alunos e na redução da violência (JACINTO, 2013). Afinal, convivemos com um modelo de aprisionamento injusto, que prende o pobre, pardo ou negro, de baixa escolaridade, configurando-se este o perfil do detento brasileiro. Sabe-se que a maioria dos infratores não possuem nem o ensino fundamental completo, sendo estes pertencentes à classe baixa, que não tiveram os incentivos educacionais capazes de mantê-los longe do crime.


Assim, fundamental é pensar numa educação humana, capaz de alcançar os marginalizados, responsabilizando-se o Estado a propiciar um ambiente favorável ao desenvolvimento de crianças, adolescentes e jovens através do ensino, dando a eles oportunidades de participação na sociedade e no mercado de trabalho.


Portanto, está na educação, na saúde, enfim, nos direitos sociais previstos na Constituição Cidadã de 1988, a solução a LONGO PRAZO para reduzir não somente a criminalidade como também o índice populacional dos presídios. No entanto, cabe frisar que para isso ocorrer, os recursos públicos devem ser reservados para os fins a que foram destinados, o que num país como o nosso é raro de se ver e é por isso que a problemática do sistema prisional é só a ponta do iceberg. A questão não pode ser resolvida a curto prazo, mesmo que medidas devam ser tomadas “pra ontem”, pois os resultados da humanização dos cárceres e, principalmente, da prevenção ao crime (consequência de investimentos SUFICIENTES em educação e saúde), só serão vistos décadas depois. Por isso, cabe ao Estado mudar sua postura e efetivar verdadeiramente os direitos sociais, buscando a redução da desigualdade e, consequentemente, da violência.

*Romário Pires de Camargo

(Advogado OAB/GO nº 41.972)

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