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Conservadorismo: Um Fenômeno Sociocultural

As pessoas possuidoras de uma sensibilidade para acompanhar os desdobramentos sociais, indubitavelmente devem ter percebido a onda de um caldo cultural conservador crescente em nosso país no decorrer das últimas décadas. Esse caldo cultural, me valendo do termo defendido pela filósofa, Marilena Chauí, se manifesta sem receio, sem um mínimo de pudor no transcorrer dos últimos anos, muito em virtude da integralização promovida pelas redes sociais.


O conservadorismo escancarado à moda brasileira, se configura como fenômeno social e cultural que, merece ser estudado com a devida atenção necessária, não partindo de um pressuposto para destruí-lo, mas, com o intuito de compreendê-lo. De forma gradativa, à medida que a compreensão supere a perspectiva da destruição, se tem melhores e maiores condições de implementar na prática o sentido de diminuir o caldo cultural conservador que, nos assola.


Vários fatores explicam o conservadorismo social brasileiro tangível, perceptível e “pegavel” mais facilmente no transcorrer dos últimos anos. Na minha concepção, o primeiro fator e consequentemente o mais importante, se encontra no distanciamento da esquerda “progressista” das camadas populares, quando essa conjuntura que, historicamente se comportou por atuar muito próximo das bases, se aprisionou no conforto do lar, das academias, entre outros espaços, deixando de compartilhar as dores e os sofrimentos das pessoas pobres desse país.


O sentido de compartilhar às dores, se refere principalmente ao diálogo construtivo, quando a interação da esquerda “progressista” com as bases sociais, poderiam proporcionar no cotidiano das camadas populares uma perspectiva de transformação social, se valendo das lutas e labutas coletivas. Assim, um passo importante para a desconstrução da onda conservadora, passa no primeiro momento pela retirada do caráter burguês que, assolou a esquerda brasileira nos últimos anos, quando essa parece ter tido medo, ou vergonha de sujar os seus pés para conversar com o povo em diferentes espaços, preferindo o conforto, sofrendo atualmente as consequências dessa escolha, quando se declarar de esquerda, parece ser uma afronta aos ditos “cidadãos de bem”.


A ausência de contato da esquerda com o povo, fez com que, grupos conservadores percebessem essa lacuna e, se aproveitassem de acordo com os seus interesses, se valendo satisfatoriamente dessa ausência de ocupação de espaço. Por exemplo, se observamos os espaços longínquos das grandes, medias e pequenas cidades, o que mais perceberemos são igrejas neopentecostais se apropriando desse vácuo de demarcação de território. A proliferação de Igrejas desse seguimento, em tese conservadoras, guardadas as exceções, não pode ser encarado por aqueles que procuram compreender o fenômeno do conservadorismo, como uma mera coincidência mercadológica da fé, pelo contrário, o rápido surgimento das igrejas neopentecostais que parecem brotar literalmente da terra, faz parte diretamente de uma demarcação de território que, tardiamente fora percebido pelas camadas pertencentes à esquerda nacional.


O distanciamento desse último grupo, possibilitou o avivamento das igrejas e seus profetas que, em síntese não possuem muito estudo bíblico, tampouco de cunho social, porém, com um poder de persuasão e de convencimento impressionante. Podemos partir do seguinte pressuposto provocativo, o que essas Igrejas encontraram nos lugares longínquos das cidades e também em alguns espaços do meio rural? Em forma de síntese, encontraram camadas sociais distantes dos olhares do poder público, sem muitas perspectivas de transformação social e, vulneráveis em todos os sentidos, tanto no campo da vivência prática, quanto no âmbito emocional, desejando e idealizando palavras de estímulo.


Por exemplo, essas palavras de estímulo poderiam se constituir em decorrência da participação ativa da esquerda, possibilitando horizontes de modificação do status quo da conjuntura nacional, fazendo com que, as camadas sociais desassistidas do poder público se organizassem para reivindicar seus direitos e, como consequência uma participação ativa das camadas populares no âmbito das decisões políticas, seja por meio de associação de moradores, sindicatos, conselhos públicos, entre inúmeras outras formas de organização e participação social.


No entanto, como já evidenciado, em decorrência do distanciamento da esquerda, essas palavras de estímulo se voltaram para o campo espiritual conservador, principalmente por meio de líderes religiosos que, em sua grande maioria estão distantes dos problemas enfrentados pelos sujeitos, preocupados muito mais em arregimentar fiéis, obtendo dividendos econômicos mais lucrativos no final do mês, do que possibilitar com que, os encontros possam ser momentos de fé, mas, também oportunidades de diálogos sobre as dificuldades cotidianas, quando poderiam possibilitar reflexões que, influenciassem a participação ativa da comunidade, como meio e forma para aplacar os transtornos.


O foco nas igrejas neopentecostais, não exclui das críticas o catolicismo, assim como as igrejas evangélicas tradicionais que, de forma direta contribuíram historicamente para o caldo cultural conservador crescente e presente nos dias atuais. O reflexo desse caldo cultural, se explica por meio da prática, materializado na essência do preconceito nacional, quando podemos destacar a homofobia, misoginia, xenofobia, preconceito com as populações negras, com as comunidades indígenas, camadas pobres, nordestinos, entre outros seguimentos sociais.


Se por um lado existe a prática do preconceito, por outro não menos impactante, temos a defesa de um estado autoritário por partes desses grupos preconceituosos, no qual, esse estado tem “bandeira branca” para reprimir com violência as manifestações sociais que contrariam os interesses daqueles que estão no poder. Vemos em cada eleição a perpetuação de “representantes sociais” vinculados a bancada da bala, da Bíblia ou, mesmo a bancada evangélica, sendo um reflexo evidente da intervenção desse conservadorismo social, se fazendo presente nas diretrizes políticas do país.


O momento é grave, requer reflexão. No entanto, se não houver ação prática, no sentido do enfrentamento de ideias e, como consequência, ocupação de espaços por parte da esquerda nacional, no qual, demonstra ser fundamental a retomada do contato com o povo, ouvindo-o, dialogando e, construindo alternativas para a idealizada e necessária transformação social. Enquanto isso não acontecer, veremos a perpetuação de igrejas neopentecostais proliferando gradativamente em cada espaço possível, trazendo consigo, guardadas as proporções, um ódio cultural enorme, sendo um impeditivo para diminuir os impactos do preconceito e também do conservadorismo no cotidiano dos sujeitos.


Abraço, boa semana para vocês!.

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