A sociedade brasileira no tempo presente, se encontra mergulhada nos mesmos problemas sociais que à aflige durante séculos e mais séculos. A desigualdade social, podendo ser compreendida como um síntese das dificuldades de transformação, se torna perceptível até para aqueles que, relutam em não perceber uma disparidade socioeconômica na situação nacional. A concentração de riquezas se intensifica gradativamente, culminando em um maior poderio estrutural de poucos, em detrimento da pauperização de muitos.
O apregoado conceito de capitalismo sustentável ou, mesmo capitalismo humanitário como é apregoado por alguns, como por exemplo, a historiadora e ex-candidata à presidência da República, Marina Silva, está muito distante de ser implementado na prática dentro do território nacional. Assim, o que percebemos é uma feição institucionalizada de um capitalismo voraz, avesso a perspectiva do diálogo e, se utilizando de métodos violentos para conduzir as diretrizes institucionais que possibilite o seu benefício. A violência não está apenas no campo físico, mas, se manifesta em outros horizontes, como no espaço simbólico, se tornando perceptível à medida em que, há uma desqualificação do sujeito que se levanta contra a opressão do grande capital.
A desqualificação está muita das vezes concentrada em dizeres como; vândalos, bandidos, baderneiros, manipulados por sindicatos, ou por docentes de esquerda, recebedores de dinheiro para participar de manifestações, entre outros mecanismos utilizados para retirar a legitimidade e também a autonomia daqueles que se levantam e dizem: “Eu estou aqui, eu existo como povo e como sociedade e quero participar diretamente das decisões políticas e socioeconômicas que, interessam diretamente à “mim” e, ao meu escopo social”.
Não há nada mais legítimo do que, a sociedade ter anseio para participar ativamente das diretrizes sociopolíticas do país, porém, no Brasil contemporâneo, aqueles que se dizem democratas, não aceitam a participação popular. A rejeição para com o envolvimento social, por parte de uma parcela de representantes políticos e, também de uma camada de “intelectuais” que, conduzem as diretrizes macro do país, representa a meu ver, duas questões para compreendermos a ojeriza desses sujeitos para com o povo brasileiro.
A primeira delas, e provavelmente sem recorrer a um velho clichê explicativo, Karl Marx (1818-1883) nos ajuda a compreender, ou seja, se desqualifica a participação popular com receio de uma conscientização cada vez mais significativa da sociedade. À medida que, existe a conscientização de que o contrato social fora construído de forma desigual entre os sujeitos, me valendo de Rousseau (1712-1778), há uma forte tendência para o rompimento definitivo desse injusto contrato social. Assim, a desqualificação para com a participação popular, faz parte de uma estratégia dos privilegiados e beneficiados historicamente, no qual, possuem como intuito manter intacto as estruturas de poder, do qual, se beneficiam e sempre se beneficiaram.
A outra possível explicação para a desqualificação relacionada a participação popular, acredito ser um fenômeno mais perceptível no tempo presente, quando a elite política e intelectual não consegue reconhecer os saberes oriundos do povo. O ato de participação e atividade social por parte das classes subalternas, conceito defendido por, Antonio Gramsci, é compreendido por parte do poder elitizado como uma manipulação de alguns indivíduos que, se aproveitam da “fragilidade das massas” para conduzi-los como, sem ser redundante, massa de manobra.
Em síntese, essa forma de discurso, tão bem materializado pelo inacreditável conceito de “escola sem partido”, defendido por alguns, se concentra nessa perspectiva de não reconhecer os saberes que, circulam no meio do povo, retirando assim a autonomia de pensamento por parte das camadas populares. O não reconhecimento dos saberes, culminando no discurso histórico da manipulação, significa de forma muito evidente um pensamento preconceituoso por parte de uma parcela da elite intelectual do país, no qual, acredita convictamente que: “O papel do povo não é pensar, mas, trabalhar”.
Enfim, nos últimos meses, tenho certeza que, os leitores e as leitoras desse espaço, se depararam muitas vezes com a seguinte frase: “Não pense, trabalhe!”. Essa frase, eivada de desconhecimento da realidade social e, de preconceito pelos motivos já explicitados, não pode ser compreendida como algo fortuito, sem intencionalidades por parte daqueles que à pronunciam. Pelo contrário, tanto a frase em si, quanto o ato de desqualificar e denigrir a participação popular, se enquadra dentro de uma estratégia de manutenção de poder, que não é nova, porém, de forma oportunista aparece nos momentos de revolta e insubordinação social.
A principal faceta do grande capital brasileiro, no qual, englobo o capital financeiro, institucional e midiático, se concentra principalmente no campo teórico ou, mais precisamente, se apropria e se sustenta no âmbito dos discursos e nos efeitos que esses discursos ocasionam, seja para denegrir ou, para defender velhos conceitos com roupagens novas, como o fatídico conceito da modernização endereçada as relações de trabalho.
Estamos dentro de um contexto social que requer no mínimo um enfrentamento de ideias e, consequentemente de ocupação de espaços no campo do discurso. Porém, o principal ponto a ser observado demonstra ser o ser seguinte, a preocupação não pode estar centrada na construção de novos dizeres, mas, principalmente na desconstrução de velhos dizeres. Em síntese, o principal papel da esquerda nacional no tempo presente não está no fato de construir conceitos, mas, no ato de desconstruir preconceitos. A medida que, conseguirmos compreender esse ponto essencial da história do país, teremos condições de avançar, caso contrário, nos depararemos com uma luta no mínimo inglória e desigual.