Naquela terra quase esquecida vivia João da Silva, seus familiares e alguns amigos. Todos tinham uma vida difícil, numa rotina exaustiva de pouco reconhecimento e cheia de pedras no caminho, que ao contrário do que pensavam os especuladores, apenas estimulava e dava a João da Silva e a seu povo uma força vista como inexistente naquele cenário pós ditadura.
Era duro passar o dia queimando e derramando suor devido aquele calor itinerante, era duro perceber que o dia chegava ao fim e notar que a mão era abrigo de mais um calo, era duro ligar o noticiário a noite e escutar que mais um assentado havia sido assassinado por um fazendeiro perverso e egoísta; enfim, era duro suportar aquela resistência opressora... era duro...
Dureza que João da Silva e seu povo já sabiam lidar, pois sabiam que aquilo que buscavam, que aparentava ser tão simples, sempre era inaceitável pelos tais latifundiários, famílias destes com “tão muito” que nada faziam para aquelas que tinham tão pouco. Mas o mais importante sempre esteve lá: a esperança de um dia bater a enxada no chão e saber que todo o suor de João da Silva e seus povo tinha sido válido, eles conseguiriam um pedaço de terra e demonstrariam que a luta por uma sociedade mais justa sairia do papel e consolidaria na vida campesina.
A questão era, em que terra bater? João da Silva e seu povo não sabiam mais como fazer de seu sonho uma realidade. Já eram tantas discussões com autoridades e fazendeiros, já eram tantas perseguições sofridas por estes que se achavam seres superiores, a ponto de vitimar alguns, foram tantas tentativas em vão... mas uma coisa era nítida: cada humilhação alimentava a inabalável esperança de João da Silva e de seus companheiros.
Havia passado 11 anos de luta, desde o surgimento do movimento MST. Para alguns, 11 anos perdidos, mas para os lutadores que estavam no “ring” da esperança, foi um tempo de superação e suor derramado com orgulho, pois tinham em mente que não seria em vão, haveria ainda uma virada de jogo nesta disputa desigual de classe e conquistariam os direitos, de trabalhar a terra, por meio da participação popular. Em meio a essas metáforas e palavras bonitas, João da Silva deixava seu próprio sangue ali no chão, era árdua aquela rotina. Porém, gota de sangue alguma se comparava ao sofrimento de escutar a notícia transmitida pelo radialista: “mais um defensor dos direitos sociais foi assassinado”. Isso sim, fazia com que a mão calejada de João da Silva deslizasse sob seu rosto para limpar a lágrima que escorria, pois não queria que seus filhos notassem a verdadeira dor de seu pai.
Essa mesma dor dava mais forças à João da Silva para levantar cedo no outro dia e começar a formação de mais um calo em sua mão. Calos que eram motivo de orgulho para aquele lutador, pois era prova de que o nome de seus companheiros lutadores mortos estavam sendo honrados por ele e seu povo, que não mediam esforços para serem exceção em meio a tanta opressão e perseguição.
Dois dias se passaram daquela que foi a última lágrima de tristeza de João da Silva. Com o chapéu de palha na cabeça, ele rumou à cidade e lá escutou dos ditos “superiores” o que por exatos 11 anos, 3 meses e 17 dias era tão aguardado: “a terra é sua João da Silva”. Sem reação, com o mundo paralisado em sua volta, ele relembrou os inúmeros momentos de dificuldade que passou, as várias reuniões lideradas por ele, e as lágrimas escorreram em seu rosto, mas agora, nada de mão calejada para limpar. Pelo contrário, João da Silva fez questão de mostrar para seus filhos aquela lágrima da vitória.
Radiante, cantarolou um trecho do hino nacional: “de um povo heroico o brado retumbante”. Ele, João da Silva, e seu povo mostraram-se verdadeiros exemplos de que tudo é possível para quem não tem medo de lutar. O juiz batia três vezes no chão e decretava vitória aos destemidos João da Silva e companheiros.
Ainda sem acostumar com a vitória, com apenas dois meses de alegria, aquele ditado “a esperança é a última que morre” foi tristemente contrariado. O último a morrer neste contexto não foi a esperança, mas sim João da Silva, que foi vítima de um ataque covarde, na calada da noite, por um fazendeiro prepotente e impiedoso que não aceita a alegria alheia.
Esta luta não tem fim. De agora em diante é o povo de João da Silva que irá provar sua força e honrar o nome e a vida de seu líder. E honraram. João da Silva está bem representado por seu povo, que leva nas costas uma rotina árdua também, onde notam, ou melhor, sentem na pele a notícia divulgada pelo radialista: “Joãos da Silva morrem diariamente na luta pela igualdade”.
*Pedro Augusto Caixeta Silva é aluno do 2º ano do Colégio Monteiro Lobato em Itapuranga.