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Construção de Uma Nova Identidade Para o Tempo Presente

Na terceira década do século XIX, os primeiros historiadores institucionais, representados principalmente pela figura, de Adolfo de Varnhagen (1816-1878) se depararam com uma grande “missão” governamental, a saber, a construção de uma identidade nacional para salvaguardar as raízes históricas da corte imperial no território brasileiro. O resultado desse trabalho hercúleo realizado pelos pensadores, foi indubitavelmente importante, no entanto, propiciou a construção de estereótipos que, passaram a representar a sociedade no transcorrer do processo, desembocando até os dias atuais.


No limiar da construção desses estereótipos que passaram a ser representativos, podemos destacar, o conceito de passividade social, a “preguiça” dos indígenas, culminando assim, na necessidade do trabalho escravo e, a defesa de uma harmonia entre os povos no período colonial, no sentido de procurarem negar a violência dos portugueses para com os indígenas e, também com os negros. Como mencionado, essa construção de identidade, reflete muito dos nossos dizeres no tempo presente, por exemplo, é muito comum nos depararmos com pessoas dizendo que, no Brasil não existe preconceito ou, indivíduos questionando as diferentes maneiras das relações de trabalho dentro das comunidades indígenas, entre outros equívocos de interpretação oriundos dessa construção oitocentista.


A sociedade brasileira de uma forma em geral, não valoriza muito o seu passado histórico, não há uma memória coletiva, me valendo do termo defendido pelo sociólogo francês, Maurice Halbwachs (1877-1945), culminando em um desconhecimento enorme para as inúmeras vertentes de construção do que somos hoje, por que, por mais que haja uma desvalorização ou, mesmo um desconhecimento, somos muito parecidos com os nossos antepassados e, em decorrência de não conhecermos o que fomos e somos, cometemos basicamente os mesmos erros que, nossos representantes históricos cometeram.


Parecer com os antepassados não pode ser compreendido como algo danoso, pelo contrário, o sentido da afirmação não é a negação do passado, mas, “os males de origem” de não conhecer as inúmeras facetas do pretérito, o que nos deixa suscetíveis a velhos discursos travestidos de novas ideologias. Se torna cada vez mais evidente que, estamos vivenciando um período sociocultural e político caracterizado e representado pelas hostes do conservadorismo. Procurar mensurar exatamente a origem dessa característica cultural do tempo presente, se torna complexo e seria muita presunção para um artigo fazê-lo.


No entanto, como ofício de historiador, podemos levantar algumas hipóteses, entre essas, penso que, as manifestações de junho e julho de 2013, por meio das suas reivindicações e, não reivindicações, possibilita perceber um novo direcionamento de identidade construída para o Brasil, principalmente no tocante a rejeição da camada política. Em sã consciência, não reconhecer a legitimidade de atos contrários aos direcionamentos da mencionada camada representativa, seria de uma insensibilidade e de uma inércia social considerável, por que em um país, no qual, a corrupção é compreendida como um processo natural, o posicionamento no sentido da desnaturalização sempre é salutar.


Entretanto, os grandes equívocos das manifestações de junho e julho, se encontra no ato da não relativização, caminhando para a homogeneização de todas as representações políticas, como se tudo e todos fossem iguais. Essa forma de posicionamento, possibilitou o reavivar de feridas abertas da nossa sociedade, entre essas destaco o carcomido, porém, vivo discurso do moralismo. Quando saímos gritando que, não queremos mais corrupção, nos colocamos no patamar de que, não somos corruptos, pertencemos a uma casta de pureza social.


Essa forma de posicionamento, abre e abriu brechas para indivíduos e representantes de grupos sociais que se vangloriam de serem honestos, como se esse fosse apenas o único preceito que, importa dentro de toda uma gama de relações e complexidades que, envolve a sociedade e as suas representações. O ato da honestidade deve ser um preceito “sine qua non”, não pode ser compreendido como uma virtude, mas, como algo natural, uma obviedade, não podendo ser diferente, independentemente das relações estabelecidas, seja na esfera privada ou, pública.


Por exemplo, a recusa sem distinção da camada política nas já mencionadas manifestações, possibilitou a ascensão de oportunistas que, se vangloriam de não serem políticos. Há evidentemente um grande equívoco nessa afirmação e quem à diz sabe muito bem disso. Não existe indivíduo que não seja político, todos os nossos atos são políticos, seja participando ativamente ou, se recusando a participar do que compreendemos por política. O não posicionamento, segundo as perspectivas defendidas pelo educador, Paulo Freire (1921-1977) já é um posicionamento. Como forma de provocação: “Não há nada mais partidário do que a escola sem partido”. (Grifo meu).


A nova configuração da sociedade por meio de uma tentativa de construção de identidade a partir de 2013, se caracterizou por uma essência moralista de combate à corrupção, totalmente oposta a identidade construída por Varnhagen, Martius e, outros historiadores do século XIX, representada por uma tentativa de transparecer uma sociedade passiva, sem grandes conflitos em seu passado histórico. Nessa última abordagem do século oitocentista, não há quebra de contrato, nas manifestações recentes, à quebra de contrato fica visível, no sentido de nós e eles ou, sociedade e políticos.


A construção de identidade produzida no século XIX não se sustentou por muito tempo, em virtude da prática desmascará-la, em decorrência da violência e preconceito para com os negros e, indígenas, culminando em uma enorme desigualdade social. A recente tentativa de construção de uma nova identidade, embora não ainda desconstruída, já nasceu ferida de morte, por ter se estabelecido em limiares distantes de serem sólidos e, por trazer consigo um discurso moralista que, provavelmente não se sustentara por muito tempo, por que gradativamente o discurso da moral, mostra a sua verdadeira face, a meu ver, a face da violência.


As duas grandes tentativas de estabelecer um parâmetro de identidade para o país, se demonstraram totalmente equivocadas e muito distantes de compreender as várias realidades existentes nos diferentes rincões desse imenso território sociocultural. Em virtude do seu e provável fracasso, há a possibilidade de uma reconstrução de uma identidade aos moldes humanitários. Segundo o historiador, Benedict Anderson, em seu livro, Comunidades Imaginadas (2008), o conceito de identidade não se sustenta, sendo uma invenção de alguns para conduzir os rumos de tantos outros. Porém, o que chamo nesse espaço de reconstrução de identidade, pode ser compreendido também, como projeto de reconstrução social.


Ou seja, qual Brasil gostaríamos de construir no e para o século XXI? A resposta é evidentemente difícil, se é que há uma resposta. Entretanto, está na hora da sociedade brasileira se desenvencilhar do conceito de harmonia social, reconhecendo a existência histórica e, contemporânea do conflito de classes, representada principalmente pela desigualdade, ao mesmo tempo que, se distancia do moralismo, para caminhar em direção à construção de uma nova conjuntura, baseada em sua essência por meio dos preceitos éticos. Uma sociedade ética se “civiliza”, diferentemente de uma sociedade moralista, que tem à tendência natural para o embrutecimento dos sujeitos. Infelizmente nos encontramos nesse último limiar.


Abraço, boa semana para vocês!.

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