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Futebol Brasileiro: Reflexo do Que Somos

Há alguns anos atrás, tive à oportunidade de orientar um trabalho de conclusão de curso, voltado para se pensar os primeiros passos do futebol brasileiro. Lembro-me que, alguns(mas) colegas brincavam que falaríamos somente sobre grandes jogadas, belíssimas defesas, gols inesquecíveis e tantos outros assuntos relacionados a prática futebolística em si. Mesmo as perspectivas dos colegas soando em tom de brincadeira, me chamava atenção seus posicionamentos, quando esses diziam muito sobre como as pessoas de uma forma em geral, pensam o futebol, compreendendo-o somente por meio de um esporte, deslocando-o da realidade social.


A pesquisa em questão, procurava observar o preconceito endereçado ao negro no início do século XX, quando, a maioria da sociedade constituída por negros não poderia se quer acompanhar uma partida de futebol. O ludopédio brasileiro nasce com um caráter classista, racista, praticado por poucos indivíduos, sendo em grande proporção homens brancos, filhos de grandes industriais e, alguns sortudos operários que, tinham o “privilégio” de jogarem com os seus patrões, desde que fossem brancos, evidentemente. Quem se interessar pelo debate e, quiser acompanhar um pouco da trajetória do negro no futebol, recomendo o que considero o mais importante trabalho da área, o livro do jornalista, Mario Filho, intitulado, O Negro no Futebol Brasileiro (2010).

Entre as inúmeras entrevistas realizadas pelo jornalista, uma em especial me chama à atenção. Me refiro a uma frase emblemática do ex-jogador Robson que, em seus diálogos com Mario Filho disse: “Eu já fui preto e sei o que é isso”. Não tenho a pretensão de entrar no mérito da frase em si, procurando pensar por exemplo, nos fatores que fizeram com que, Robson não se reconhecesse mais como negro. Particularmente o que me interessa é sua reflexão sobre as dificuldades de ser negro no Brasil nas primeiras décadas do século anterior. Dificuldades essas que, perpassam o tempo e, desnuda à nossa frente.


Na perspectiva do historiador, Marcelo Freixo: “O Brasil do século XXI continua a construir senzalas para os negros”. A reflexão do historiador, demonstra o quanto estamos distantes de dirimir os impactos do preconceito racial no país. O espaço ocupado pelo negro, evidentemente não é o mesmo espaço ocupado pelo branco. Para esse, os seus espaços se caracterizam muito mais pelo viés do privilégio histórico do que qualquer outra coisa, para os negros, os seus espaços somente se constituem depois de muita luta e labuta, rompendo todas as barreirais ainda muito bem alicerçadas.


Assim, diante de alguns problemas socioculturais, o futebol poderia ser um importante meio para a construção de um diálogo que possa verdadeiramente adentrar nas entranhas da sociedade brasileira. O futebol é um espetáculo das massas, parafraseando o filósofo, Mário Sérgio Cortella, envolvendo e comovendo milhões. No entanto, alguns setores da sociedade que se dizem preocupados com os nossos problemas, não conseguem se valer do esporte mais popular do país para estabelecer uma reflexão propositiva. Há uma dificuldade para se compreender o futebol como um sintoma social e, que justamente por esse fator, poderia propiciar um entremear em diferentes tipos de camadas, levantando no sentido mais amplo do termo, bandeiras.


Penso ser uma utopia imaginar que um coletivo de jogadores possam tocar em questões sensíveis do país, como desigualdade social, preconceito de diferentes matizes, e, outros problemas, muito em decorrência dos atletas estarem envolvidos com outros interesses e, também estarem alicerçados em um sistema que, guardadas as proporções, não permite posicionamentos mais críticos. No entanto, mesmo assim, alguns se destacam, como o atual zagueiro do Atlético Paranaense, Paulo André que, traz em suas falas um posicionamento mais incisivo e toca em questões importantes para o país. No entanto, a sua forma de pensar e tecer críticas à sociedade dirigente, já lhe trouxe problemas, como por exemplo, sua saída do Corinthians para o futebol chinês, no qual, a mesma fora em muito motivada em decorrência de seu posicionamento incisivo contra os mandos e desmandos da CBF.


No tocante ao racismo, esse continua sendo um problema muito presente no futebol brasileiro. Muitas das vezes, passa desapercebido a não presença de técnicos negros nos comandos das equipes da Série A. Essa constatação poderia possibilitar uma reflexão mais sistemática sobre o espaço social ocupado, ou melhor, não ocupado pelo negro dentro dessa conjuntura em construção. Em suma, essa não presença, diz muito a respeito da nossa sociedade que, continua delegando ao negro os locais subalternos.


Outro problema representado pelo futebol no tempo presente, se apresenta por meio da homofobia. Quem tem acompanhando a partir dos últimos dois anos as partidas futebolísticas, deve ter percebido os gritos homofóbicos de torcedores(as) ao goleiro adversário. No entanto, essa forma de preconceito que se popularizou, ainda não mereceu uma atenção mais sistemática dos formadores de opinião, pensando por exemplo, o impacto prático desse em uma sociedade caracterizada pelo conservadorismo. Em síntese, o grito de “bicha” escancara o preconceito “a moda brasileira”, no qual, se encontra velado por meio da brincadeira e, à medida em que, a compreendemos por meio desse tom jocoso, não debatendo mais enfaticamente sobre isso, de forma indireta possibilitamos a sua continuidade.


Se deliciar com as grandes defesas, com as belas jogadas, se irritar com marcações equivocadas dos árbitros, ficar com o ouvido colado no rádio, cantar o hino do clube e, outras paixões faz parte do espetáculo, principalmente para uma parcela considerável das pessoas, no qual, o futebol ainda continua sendo o único espaço de diversão. Se divertir com o futebol não pode ser encarado como um problema, mas, encará-lo apenas como diversão, demonstra ser um equívoco de grandes consequências para uma conjuntura que ainda não conseguiu se encontrar no transcorrer do tempo.


Muitos(as) adoram dizer que: “O Futebol não é só futebol”. Se não é somente um esporte, trazendo consigo uma série de nuances, seria de fundamental importância, como já mencionado, compreendermos a sua capacidade de penetração em diferentes espaços e, por meio desse entremear, tocarmos em questões sensíveis como procuramos apresentar nesse texto.


De forma direta, talvez o futebol seja o fenômeno cultural que ainda consiga ser um espelho do que somos.


Abraço, boa semana para vocês!.

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