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Camadas Populares: anseio de participação política

“Hoje em dia a coisa está feia”. É muito comum ao estabelecer um diálogo com as pessoas do dia a dia nos depararmos com essa afirmação. O sentido de coisa no universo popular se remete a uma série de questões, tais como, rejeição a um determinado objeto, ou sujeito, a tentativa em vão de se lembrar de algo, o receio de dizer o nome de alguém e sofrer consequências, no sentido da crença, quando se remete à uma alusão a seres do “outro mundo” e evitam pronunciar os seus respectivos nomes dizendo: “Aquela coisa que você sabe o que é”.


Em suma, no universo de vivência e convivência da cultura popular o conceito de coisa está diretamente ligado aos meandros do cotidiano, se tornando uma palavra de domínio público, não tendo uma definição específica, servindo de sustentáculo para solucionar alguns embaraços que aparecem no dia a dia. Assim, quando dizem que: “A coisa está feia”, em tese, estão lamentando sobre as dificuldades da vida.


Dificuldades essas que se intensificaram ao longo desses últimos anos em virtude do aumento do desemprego, precarização no trabalho, acarretando em medo de demissão e diminuição dos salários, receios com relação aos direitos trabalhistas conquistados, congelamento nos investimentos em saúde e educação pública, intensificando as filas nos hospitais, redução da perspectiva de uma escola que agregue e forme para a humanidade, receio para com a idealizada e esperada aposentadoria, sendo um desejo de milhões de brasileiros(as) que desde a tenra idade trabalham para levar o sustento para a casa, mas que veem seu desejo/conquista sofrer com as ameaças do capital. E por último, a diminuição do poder de compra, acarretando em uma precarização das relações, aumentando com isso a desigualdade social.


As pessoas do universo popular que geralmente pertencem as camadas mais pobres desse país, percebem que o Brasil de hoje, e o vindouro não está sendo construído para elas. Essa leitura não parte apenas dos percalços enfrentados no cotidiano, mas também pelos discursos que chegam a seus ouvidos. As falas prontas caracterizadas em três níveis encontram uma resistência junto ao seio popular. A primeira delas está relacionada diretamente com o projeto de governo que apresenta como caminho o sentido da conciliação e também do consumo, culminando em políticas públicas que remediam minimante as desigualdades sociais, porém distante de intervir seriamente nas origens da desigualdade brasileira.


Esse projeto está mais presente nas principais representatividades da esquerda em nível nacional, principalmente por meio do ex-presidente Lula que, infelizmente, parece não ter conseguido compreender que o golpe parlamentar de 2016 se deu em decorrência de um não enfrentamento sistemático por parte da esquerda a elite conservadora desse país.


O outro projeto de governo se apresenta como ô novo, mas traz em suas hostes os donos históricos do poder, para me valer do termo defendido por Raymundo Faoro. “Ô novo apresenta como solução, a política governamental que está presente no país desde a década de 1990, a saber, o neoliberalismo, ora mais intensamente, ora menos. Apresenta como pauta o conceito de gestão, e a redução do estado, para, segundo eles, intervir em questões que consideram essenciais. Porém, o essencial para o neoliberalismo, a moda brasileira, tem resultado em uma precarização da sociedade e o beneficiamento de grupos específicos, que reduzem o estado para sociedade, mas amplia esse mesmo estado para atender aos seus interesses escusos.


E por último, temos como projeto de governo a solução autoritária. Não há dúvida que no campo cognitivo essa alternativa é a que se apresenta mais deficitária, porque acredita que todos os problemas serão solucionados pela moral religiosa, pelo encarceramento, pelo homicídio estatal, pelo enriquecimento da indústria da bala e pelo autoritarismo como meio de governabilidade. Essas são as alternativas mais em evidência que se apresentam para “as eleições de 2018”.


Não é difícil presumir porque as camadas populares, entenda pobres, não consegue se sentir atraída por esses projetos de governabilidade. A recusa está no fato de compreenderem que as alternativas são sempre as mesmas inseridas ao longo da historicidade da República, entendo que não há grandes novidades. Nesse sentido, o que seria essa possível novidade capaz de ativar as camadas populares? Em tese, um projeto de governo que vise a participação popular nas diretrizes políticas do país.


Os projetos mencionados não ousam em ouvir e estabelecer um diálogo constante com as camadas populares. Guardadas as proporções, em alguns momentos se colocam como representantes desses setores. Porém, o sentido de representação atribui ao sujeito uma incapacidade coletiva de auto representação, negando os preceitos da sabedoria popular. Um projeto de governo que mobilize as massas passa impreterivelmente pelo reconhecimento das camadas populares como sujeitos e não como coisas.


Sujeitos que sofrem, choram, mas que também compartilham um farto e contagiante sorriso, que anseiam por dias melhores, que sonham com uma vida menos sofrível, mas que acima de tudo desejam participar ativamente desse processo de transformação. Assim, quando dizem: “A Coisa está feia”, estão muito mais preocupados com o futuro que possivelmente se apresentará como continuidade histórica, do que com as agruras do tempo presente.


Um dos passos significativos das camadas progressistas na contemporaneidade não pode estar centrado no conceito de representação dos meios populares, mas passa indubitavelmente pelo reconhecimento de que as camadas populares tem totais condições de produzir suas próprias propostas de políticas públicas. Para isso acontecer, o reconhecimento da circularidade do saber é imprescindível.


Abraço e boa semana para vocês!

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