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Jean Carlos

Crítica à Religião

Polêmico? Certamente. O escrutínio de uma significativa parcela dos leitores do presente texto tenderá para o prelúdio de um assunto ao largo da discussão crítica e analítica, portanto temática de vulgo polêmico. Entendemos por “polêmico” (ou polêmica) temas de relativa e considerável problemática no jugo social. Em certa medida, são assuntos aniquilados, cerrados e limitados por interesses ideológicos, passando à dista de uma certeira e coerente proposição apreciada da literatura crítico-analítica. Em se tratando das intenções deste opúsculo, correntemente se diz (enfaticamente) que o tema e o ambiente religioso (crença, doutrina, valores, etc.) não se dilui com a discussão e o corpus político (grupos, interesses, agentes, instituições, burocracia, Estado). Ademais, os agentes da crença e da superstição negariam (e negam), enfadonhamente, a oposição, contraposição e indistinta negação de qualquer abordagem sobre os temas política e religião. De nossa parte, tratamos possíveis constatações como ledo engano. Seguem as justificativas.



Antes de nos determos cuidadosamente ao exame das prenhes justificativas da defesa de uma crítica à religião (o que não deixa de ser uma opinião pessoal deste que vos escreve, e toda opinião é política) é importante circunscrever alguns pontos sobre as digressões levantadas neste texto. Não se trata, portanto, de novidade alguma que a religião, indistintamente de seu caráter ou viés (dizemos de suas determinações e denominações) possui e exerce mais do que relevante e significativo papel na estrutura social que vivemos. Sua funcionalidade e utilidade como aparelho ideológico (que legitima o aparelho repressivo), como trata o tema Louis Althusser, é desde os primórdios humanos de intensa atividade e influência no conjunto da organização e desenvolvimento das sociedades humanas. É por essa razão que a grande predominância de força e inigualável derivação e influência que possui nos acontecimentos passados e atuais é de notável percepção. Diante dessa constatação, como ir a contragosto a um edifício tão bem alicerçado e construído? Alguns dirão, com certa razão: És um louco! Para além disso, indagarão: quais as razões para tamanho radicalismo? Não tens medo do que o aguarda? Não teme os agentes de quem critica? Certamente são algumas de outras inumeráveis questões a serem pontuadas. Deixemos de lado tais questões (ao menos momentaneamente) e partamos para nossa vênia análise.


Afirmamos, pois: a religião é um câncer! Por analogia, um câncer é um típico patológico que cresceu vertiginosamente nas últimas décadas e assola milhões pelo mundo. As causas são muitas. Não iremos nos deter sobre elas no momento. Certa vez afirmou-se que a “crítica à toda religião é toda crítica” (Karl Marx – ver a Ideologia Alemã). Isto é, a presunção analítica sobre os meandros do aparelho religioso constitui-se como baluarte de deslindamento da alienação pura e constante. A crítica ao edifício religioso é a crítica à falaciosa ideia ou noção de ideologia, conforme Marx. Em tal perspectiva, a religião é um elemento, diríamos mais, uma doença, um câncer que corrói por dento, mitiga os órgãos, dilacera o organismo e consome lenta e dolorosamente o corpo. Ela (a religião) é o câncer que transporta consigo o nódulo da alienação.


Se nos apoiamos à história das religiões certamente concluiremos que a constituição da sociedade, ou seja, das formas de organizações humanas ao longo dos séculos, teve (e ainda têm), participação e influência incomparável. Estudar o homem e as formas com que se organizou (e se organiza) no tempo e no espaço perpassa ao perscruto cauteloso da identificação da crença. Certamente o leitor encontra aqui uma certa contradição. Acompanhemos o raciocínio. Publicado em 1887, A Genealogia da Moral de Friedrich Nietzsche – continuação de outra obra prima do filósofo (Para Além do Bem e do Mal – 1886) – realiza uma análise crítica sobre a religião e sua transvaloração. Significa que Nietzsche nos esclarece que a religião, antes mesmo de ser “religião”, não passava de uma crença, um mito qualquer. À medida em que o homem se organiza em sociedade, a crença, o mito, passam a apoiar-se no Estado, nas instituições, na política, na economia, etc. Nesse sentido, a crença e/ou o mito se transformam em religião, pois se transfiguram em um valor, mas um valor moral.


A moral religiosa que Nietzsche denominou primeiramente de “moral do sacerdote” (ou ascetismo) se consolida como uma moral que entremeia a estrutura social. Assim, a moral religiosa passa a definir meios e modos de vida, interferir no cotidiano, no comportamento, nas ideias e mentalidades. Ela (a moral religiosa) sobrepõe-se ao homem na medida em que impõe a ele o autoritarismo do medo, na medida em que imputa cerceamento da liberdade, dos prazeres, dos desejos, das vontades humanas. Para Nietzsche o homem se torna escravo da moral religiosa. Não obstante, “a morte de deus” é um sinal que existe uma luz no fim do túnel. Se o homem é capaz de alcançar a autonomia e indistinta autonomia em relação a deus, ele (deus) se esgota, morre. Nietzsche não nega a importância da religião para a compreensão da formação da cultura e das sociedades humanas. Sua crítica está no aparelho moral religioso consolidado.


Não raras vezes observamos que a moral religiosa implica numa determinação de situações cotidianas em todos os níveis e segmentos da vida em sociedade. Em grande parte, tais determinações provenientes da moral religiosa bitola o homem e o condiciona e ser um indivíduo alienado. É como se ele (o homem) se tornasse um escravo, subserviente aos valores morais da religião. O raciocínio apresentado até aqui oferece clareza de considerar a religião uma ideologia, que nos termos de Marx não passa de uma falsa consciência, que por sua vez domina e põe a ferros todos os homens. Por vezes a radicalização é possível, dentro do aparato de qualquer crítica, para se almejar um termo conscientemente mais coerente com as pretensões de qualquer construção argumentativa-construtiva.


Existem alguns tabus que insistem em permanecer como verdades absolutas na sociedade. Um deles diz enfaticamente que religião e política não se discute. Esse é um prato cheio para conservadores inseridos no meio político que provém de alguma denominação religiosa. Ora, se religião e política são questões inerentes ao debate e a reflexão, qual a razão para haver um segmento evangélico tão poderoso e hegemônico assente no Congresso Nacional que a Constituição de 1988 afirma ser a Casa do Povo onde, em tese, se preservaria o direito à diversidade e diferenças, inclusive religiosas. Isso sem contar a falaciosa premissa de um Estado laico. De todo modo, e apesar de não concordar com essa ideia absurda, de que religião e política não se discutem, há uma significativa parcela da sociedade que não aceita o debate sobre o tema, por achar o mesmo polêmico e indutor de rivalidades extremadas. Na verdade, não se abre o debate mais ampliado sobre o tema porque os líderes religiosos são muito competentes no que fazem e isso devemos admitir.


Michel Foucault diz que tudo está permeado por um discurso. Todo discurso evidencia uma intencionalidade política e/ou ideológica e revela relações de poder. Relações de poder pressupõem dominação e exploração entre dominantes e dominados. Numa coletividade, os grupos hegemônicos e dominantes são aqueles que exercem, mediante um discurso, o poder controlador sobre outros grupos (dominados). Essa é uma constatação evidente no nosso cotidiano. Em casa, na escola, no trabalho, nos momentos de lazer, etc., estamos sendo condicionados por discursos hegemônicos, o que Foucault denomina de Microfísica do Poder. A intencionalidade do discurso de um pastor quando “prega” a palavra de deus ou usa do sermão para isto, não é, em sua totalidade e conteúdo, algo verdadeiramente relacionado com o texto bíblico ou ao que Jesus possivelmente disse. Trata-se de um discurso, de uma ideologia. Trata-se de política.


Não sejamos hipócritas. Grande parte dos discursos provenientes da moral religiosa apregoam o ódio, a intolerância e o preconceito. Além disso, o discurso religioso propala a Teologia da Prosperidade, da meritocracia, ou seja, do sujeito que se faz por si mesmo, vence na vida e conquista bens materiais. O discurso de ódio contra homossexuais é um mote estratégico utilizado pelo grupo. O pior de tudo é que elementos como Jair Bolsonaro, Marco Feliciano e Silas Malafaia tem seus discursos muito bem quistos por uma significativa parcela da nossa sociedade. São discursos que negam a diversidade e a diferença e promovem a desigualdade.


O mais emblemático é que o discurso desse grupo não se restringe apenas à apologia à intolerância e o ódio. Tal discurso ideológico e político também é moralizante. Não é prática rara no segmento religioso o uso da repressão ideológica e discursiva de atos considerados “imorais” e “pecaminosos”. O uso do discurso para implicar no modo de se vestir, de se comportar, de se pronunciar em público, e, pasmem, até mesmo de se relacionar com alguém é método ainda muito utilizado. Me assusta como esse discurso é tão impregnado no nosso cotidiano e o quanto ele possui força em pleno século XXI. É algo que percebemos quando observamos indivíduos desse grupo defender intervenção militar, tratamento psiquiátrico para homossexualidade (patologia) e regulação do que se aprende nas escolas (escola sem partido).


Certamente e no plano do discurso, a ideologia e/ou moral religiosas tem cada vez mais ganhado fôlego. É impressionante a aceitação dos discursos provenientes do segmento religioso que defende ideias, em alguns casos, fascistas, preconceituosas, radicais e autoritárias na sociedade em que vivemos, especialmente no que se refere às pessoas mais jovens. Certo é que necessitamos estabelecer uma crítica que não se acanhe diante o imponente edifício da moral e da ideologia da religião, particularmente no que tange algumas denominações. Discutir e debater de forma democrática e livre as maneiras com que a moral religiosa influencia o nosso meio social é refletir sobre interesses pessoais e de grupos, cujo intenção se consolida na dominação via discurso. Se depender do autor, a crítica à moral religiosa sempre será pauta de reflexões.


Boa semana para todos vocês!

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