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A Questão Vittar

Concordo com Nietzsche quando este expressa o quão importante a música pode ser para nossa vida ao dizer: “Sem música a vida seria um erro.” Mas acho ainda mais simbólico e mais importante a respeito da música as palavras de Bono Vox (vocalista da banda irlandesa U2) ao dizer que “A música pode mudar o mundo porque pode mudar as pessoas.” Em sua fala Bono mostra a poderosa capacidade de mudança que a música possui, pois, ela é capaz de alcançar multidões muito maiores que qualquer palestrante ou orador ou escritor, ela toca as emoções e as reflexões de uma forma imediata, a música é capaz de atingir a cada um de uma forma diferente. Sim, a música pode mudar o mundo, goste você ou não.


Sempre fui um pesquisador de música, desde a infância gostava de ouvir bandas novas, ler as letras, conhecer sobre as bandas e os contextos sociais em que as músicas eram produzidas. Por conhecer uma grande variedade de música cheguei a me achar um “entendedor” de música e que possuía o discernimento a respeito do que é boa música e o que é música ruim. Que pretensão, que arrogância e que vergonhoso engano meu! Hoje mais maduro, vejo que não tenho esse direito, e que cabe a mim apenas selecionar o que agrada o meu gosto pessoal, e entender que há infinitos outros estilos musicais que agradam a outros gostos, e isso não faz com que um seja melhor ou pior que o outro, a música possui sua subjetividade e cada estilo toca e emociona seu público alvo, expressa suas vivências e anseios.


Desde então, não me manifesto mais a respeito do mérito do que é música boa ou ruim, apenas existem as que me agradam e por isso ouço e as que não me agradam e que deixo que os outros ouçam, simples assim. Mas recentemente venho sendo constantemente marcado nas minhas redes sociais por outros “críticos de música” que insistem em disseminar o discurso de que a música da cantora Pabllo Vittar é “ruim”, são verdadeiras correntes de redes sociais marcando em média 40 pessoas ou mais, mas o que mais me chocou e me instigou a escrever este texto foi um amigo de redes social dizer em um post “Pabllo Vittar é um animal”, e poucas semanas depois outro afirmar que não compraria mais um refrigerante de determinada marca por estampar o rosto da cantora. Estes posicionamentos me deixaram intrigado: Será mesmo que todo esse ódio e ataque está realmente ligado a qualidade musical ou há algo mais? Afinal, existem inúmeros cantores e cantoras pelo Brasil e pelo mundo com qualidade vocal questionável, e nenhum deles sofrem tantos ataques de ódio (ou pelo menos ninguém me marca no facebook criticando os outros cantores).


Tentarei elencar neste texto alguns dos motivos que levam estas pessoas a praticar correntes de ódio contra esta cantora. Primeiro estamos vivendo um momento de ativismo reacionário nas redes sociais, onde cada vez mais a ala conservadora de nosso país se encoraja a propagar seus preconceitos sem pudor nos espaços virtuais, é neste contexto de ativismo conservador que a cantora transexual Pabllo Vittar, aparece. Em um cenário onde o ódio e a homofobia transborda, Vittar contraria e ganha notoriedade e sucesso entre o público LGBTs, a própria presença de Vittar nas grandes mídias aparece como uma afronta ao público conservador, público este, que se incomoda com o protagonismo de um transexual e responde em forma de ódio.


Entre os críticos há o argumento de que não é preconceito pois ouviam outros cantores homossexuais como Elton John, Renato Russo, Cazuza e Fred Mercury. Sim estes cantores tinham e ainda possuem uma maior aceitação, pois, visualmente mantinham uma imagem masculinizada, por isso encontravam maior facilidade de aceitação, este tipo de aceitação é característica de um público conservador e reacionário, pois aceitam apenas aquilo que se aproxima do que é o “padrão”. O mesmo acontece aos racistas ao aceitarem com maior facilidade os negros com traços físicos típicos de brancos (pele clara, nariz afinado e cabelo alisado). Vittar assume uma postura de enfrentamento a essa forma de pensamento conservador ao assumir uma imagem feminina ao mesmo tempo que mantêm um nome masculino.


Há também aqueles que argumentam que não é o protagonismo que incomoda, pois já existiram vários outros artistas transexuais que tiveram sucesso na mídia, como Elke Maravilha e Vera Verão, personagem que faziam o público brasileiro rir. E aqui encontramos outra delimitação de espaços aceitáveis, há um consenso entre os conservadores de que: O espaço aceitável aos transexuais é o espaço do ridículo cômico, são comumente ridicularizados por “piadas” ou caricaturas. Por isso o protagonismo de Vittar é tão estranhado, pois ele alcança o sucesso através de seu trabalho com a música e não sendo o "bobo da corte" da família tradicional brasileira.


O que leva alguém a escrever constantemente postagens de ódio direcionadas a um artista e o que leva alguém a deixar de tomar um refrigerante ou raspar as latinhas com a imagem do mesmo artista não tem nada a ver com a qualidade de suas músicas, na realidade não passa de uma esdruxula manifestação de machismo, homofobia e preconceito, sob o fraco disfarce de crítica musical.


Mais uma vez volto a dizer, vivemos em um país que sua população diz constantemente não ter preconceito, mas que, na prática reproduz atitudes preconceituosas e violentas diariamente em todos os espaços. A simples presença de Pabllo Vittar no cenário musical brasileiro é uma clara expressão desta dissonância entre discurso e prática. Atacam ferozmente com ódio e violência a música de Vittar, ao mesmo tempo que negam fervorosamente o caráter homofóbico e preconceituoso de suas críticas.


Mesmo não sendo um estilo musical que me agrade, torço pelo sucesso cada vez maior de Pabllo Vittar, pois, entendo que ela possui um importante papel para a nossa sociedade atual, pois, juntamente com sua música ela traz aos holofotes e aos debates a presença dos transexuais. Lembrando do que diz Bono Vox “A música pode mudar o mundo porque pode mudar as pessoas”. Em um país com elevados índices de assassinatos e violência contra transexuais a presença de um representante na forma de ícone da música nacional pode ser a semente de uma mudança em nossa sociedade na desconstrução de nossos enraizados preconceitos e na construção de uma cultura de respeito as diferenças. E por fim, gosto musical é um direito individual e escutar ou não é também uma escolha livre de cada um de nós, se você não gosta basta não escutar e respeitar tanto ao cantor, pois, também é um ser humano assim como você, e respeitar também aos que apreciam sua música.


Boa Semana amigos!

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