Nos últimos anos, em decorrência da circulação maior da Internet, se consolidou no Brasil o fenômeno da opinião. Seja sobre qualquer assunto, haverá inúmeras pessoas dispostas a tecerem suas considerações sobre o tema em voga, tendo ou não condições para emitir pareceres.
Por um lado, o fenômeno da opinião tem contribuído, ou melhor, é também fruto das denominadas fake news, vinculadas aos diferentes grupos que se valeram da circulação da Internet e encontraram pessoas com disposição para opinar, mas relutantes em aprender. De outro, a opinião tem possibilitado que questões importantes para o país adquira patamar de pauta do dia.
Um bom exemplo, talvez o principal, está relacionado com o tema da corrupção. A partir de 2005, quando apareceu para a sociedade os bastidores do Mensalão, atribuído a alta cúpula do PT para tramitar e aprovar Projetos de Lei, a pauta da corrupção permeia tanto os jornais da grande imprensa, quanto da mídia alternativa, e, agora, as redes sociais.
Nesse sentido, corrupção tem sido abordada por diferentes vertentes, apresentada como projeto pertencente a um partido específico, convencendo muitos, entendida como meio mais amplo, envolvendo diferentes siglas partidárias, e consequentemente lideranças do alto calão da política nacional, e também, numa perspectiva mais ampla do que as anteriores, atribuída ao sentido histórico, enraizada nos valores culturais do país, exemplificada por deslizes do cotidiano como prática corrupta.
O fenômeno da opinião não deu voz, no sentido literal, a corrupção, mas possibilitou mecanismos para que o debate se ampliasse no cotidiano, não sendo mais exclusividade dos meios “especializados”, entendidos, até então, como únicos instrumentos autorizados a tecerem análises. Sempre é importante ressaltar, até alguns anos atrás os meios “especializados” eram os da grande imprensa, porque mídia alternativa ainda é uma novidade no país que, infelizmente, concentra um dos maiores monopólios midiáticos do mundo.
Distanciando das fake news, merecedora de um debate muito mais amplo, a vontade de expressar, desde que haja disposição para aprender antes de emitir conceitos e valores, possibilitará novos rumos para a sociedade brasileira. É evidente que a corrupção é um problema, não a moda brasileira, mas um problema, principalmente com a consolidação do estado de bem estar social, oriundo da democratização do país no ano de 1988.
Com a função do estado de distribuir renda, regular vivências, ofertar serviços públicos e gratuitos, entre outras práticas inerentes, a corrupção no espaço público contribui e explica sensivelmente as mazelas na educação, segurança, saúde, espaços de lazer, cultura, oferta de empregos, culminando na precarização da vida social. Nesse sentido, o país seria muito mais expressivo para com a maioria dos seus habitantes se a prática da corrupção fosse menos acentuada.
É possível que a leitura esboçada acima, sobre os malefícios da corrupção, explique a preocupação da sociedade com o tema, fazendo com que as opiniões apareçam instantaneamente no imaginário dos sujeitos, configurando o novo fenômeno. Porém, se observada subliminarmente, a expressão coletiva, parecendo ser originária de indignação social, pode não ser tão originária assim, atendendo aos interesses distantes de serem públicos, e tampouco do público.
O sociólogo James Petras (1999), procurando pensar os impactos do neoliberalismo no Brasil, afirmou que a melhor maneira de combater a extrema pobreza é atingindo sua causa principal, representada pela extrema desigualdade. Para Boaventura de Sousa Santos (2009) o neoliberalismo é a nova faceta do colonialismo para (re)ocupar espaços de dominação diante das antigas colônias, ocupando espaços públicos, e decidindo sobre questões prioritárias sobre a vida das pessoas, como educação e saúde, para ater a dois exemplos.
Nos últimos anos, o neoliberalismo, entendido como a face mais incisiva e excludente do capitalismo, tem ocupado cada vez mais espaço no Brasil, gerando mais concentração de renda, e empobrecendo uma população, historicamente, miserável. No entanto, apesar dos efeitos nefastos do neoliberalismo em terras brasileiras, há pouca reflexão sobre os seus impactos no cotidiano social.
Diante do fenômeno da opinião, disposto a discutir sobre tudo e todos, aparenta estranho não tratar das práticas neoliberais. Porém, o estranhamento é apenas momentâneo, porque o fato do tema não estar na pauta do dia, diferentemente da temática da corrupção, evidencia que a indignação de parte da sociedade brasileira não é somente seletiva, mas conduzida para sê-la.
No Brasil quem tem discutido de forma sistemática os motivos condutores da indignação coletiva contra a corrupção, é o sociólogo Jessé de Souza e o filósofo Renato Janine Ribeiro. Ambos não negam a importância da fala e dos debates contrários aos atos corruptivos, mas apontam para fragilidades nessa leitura, principalmente por relativizar os reais problemas do país, centrados na desigualdade social.
Por exemplo, nos diferentes espaços que pensam a prática da corrupção, há pouca atenção para a presença do “fenômeno” na esfera privada. Assim sendo, é como se esse setor passasse incólume, e fosse a solução para os problemas que tangem o espaço público. É provável que a defesa, não somente dos neoliberais, mas de parte da sociedade, acreditando na privatização como solução única e eficaz, seja o exemplo crasso do não debate sobre a corrupção nos espaços privados.
Problemas estruturais do país, como a não distribuição de terra, concentração de renda, inexistência da taxação das grandes fortunas, empobrecimento em massa, racismo, encarceramento da juventude negra, sonegação de impostos por parte dos grandes grupos econômicos, democratização da mídia, e tantos outros temas necessários para a inclusão, passam desapercebidos até para àqueles que acreditam no estado de bem estar social.
A relativização de temas importantes, com real potencial de transformação, para se apegar ao debate da corrupção pública não é meramente coincidência do momento das opiniões pululantes, mas é a sua circunstância, ou melhor, seu resultado mais bem acabado, colocando, apresentando, fomentando e incentivando determinadas pautas para que outras se distanciem das análises cotidianas.
A criminalização ampla e irrestrita dos espaços públicos, atende a um único interesse, a saber, do espaço neoliberal. Assim, refletir, criticar e apresentar propostas de transformação e diminuição da corrupção dentro do espaço público é fundamental, porém, é necessário que essa forma de análise não suplante tantas outras de grande envergadura, e possivelmente mais impactantes na atividade do dia a dia do que as práticas corruptivas, longínquas de serem novas, e muito distante de ser uma realidade, exclusivamente, brasileira.
Se os espaços alternativos de comunicação, assim como as camadas progressistas, conseguirem se distanciar da pauta conduzida pelos grandes meios de comunicação, poderão se “aproveitar” do fenômeno da opinião para fazer o país, de fato, se transformar. Caso contrário, há uma forte tendência de que os problemas sociais se agravem, beneficiando, como não poderia ser diferente, pouquíssimos privilegiados.
Talvez, nesse momento, se distanciar do fenômeno da opinião seja uma alternativa sábia.
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