O inimigo que não é visto claramente é certamente mais difícil de ser combatido. Aldous Huxley nos alerta afirmando que: "A ditadura perfeita terá a aparência da democracia, uma prisão sem muros na qual os prisioneiros não sonharão sequer com a fuga. Um sistema de escravatura onde, graças ao consumo e ao divertimento, os escravos terão amor à sua escravidão." Tal estagio só é possível a custo de uma sabotagem intelectual das massas, algo que provoque uma limitação da percepção critica a respeito do mundo a sua volta. Para isso duas estratégias são tomadas, a primeira o sucateamento das instituições públicas de ensino e segundo a substituição da credibilidade da primeira por uma pseudo veracidade das informações difundias em forma de entretenimento midiático.
Em uma sociedade de poucos leitores, mas muitos espectadores de novelas e telejornais, a verdade vem das telas, é ela quem dita os heróis e os vilões das histórias. A linguagem apresentada produz modos de vida, conduz a uma forma de pensamento e de ações que se deseja alcançar. Aprendemos a torcer pelos mocinhos e a desejar o fim trágico dos vilões, consumimos as mesmas roupas dos personagens preferidos, e utilizamos no cotidiano seus bordões. Tal poder de controle de massas não é apenas utilizado para o alavancar o consumo e para determinar padrões comportamentais, este potencial é utilizado também na condução de conjunturas políticas que atendam ao interesse daqueles que controlam essa "ditadura".
A verdade é mascarada, os verdadeiros agentes de poder são invisibilizados para que possam permanecer a conduzir suas atrocidades nas sombras. A máscara é apresentada ao povo na forma dos políticos. Esta máscara é o alvo, dos elogios ou das revoltas, e quando deixam de atender aos interesses daqueles que as usam, são rapidamente trocadas. Então assim permanecemos revoltados e agressivos contra as máscaras enquanto deixamos de enxergar aqueles que as usam. A palavra corrupto está na moda, mas são corriqueiramente atribuídas ao agente errado. O corrupto é aquele que oferece dinheiro em troca de algum benefício, o corrompido é aquele que aceita a oferta. Neste caso o os verdadeiros corruptos, são aqueles que possuem o dinheiro para comprar as decisões que atendam seus interesses, ou seja, quem financia a campanha. Assim quem governa verdadeiramente o país são as grandes empresas. As diretrizes e os planos de governo estão e estarão sempre a serviço das grandes corporações, e ai de quem ouse contrariá-los.
Lula foi eleito em 2002, em um momento de fragilidade da direita após o desgaste e as crises econômicas dos últimos anos de governo FHC, porém, só conseguiu vencer as eleições após uma maquiagem que atenuou sua imagem de líder sindicalista, foi necessário se apresentar de forma mais branda para agradar aos economistas e empresários, o discurso e a política de conciliação foi determinante para permanecer no poder por dois mandados, à medida que Lula promovia avanços nos campos sociais, proporcionando condições de melhoria de consumo e qualidade de vida para os mais carentes os empresários lucravam com os elevados índices de vendas, e os bancos com os cada vez mais constantes empréstimos a juros elevados. No ditado popular Lula acendia uma vela para deus e outra para o diabo.
Lula era uma figura diferente de tudo que tivemos como presidente até então, o início de governo era visto com desconfiança no cenário internacional, Lula passou os primeiros anos a viajar por diversos países, promovendo acordos bilaterais, e revelando uma face de um Brasil, que tinha grandes possibilidades de prosperidade, e que estava pronto para competir de igual para igual com os grandes. Atitude vista com bons olhos pelos líderes internacionais, mas que aqui era satirizada por inúmeros programas de humor, o bordão de um personagem satírico do programa global Zorra Total dizendo "Olha o Lula indo... olha o Lula vindo" viralizou como piada, aliás, Lula foi o primeiro presidente a ter tantos humoristas fazendo piada de seus atos, (somente Dilma teve tantos ou mais humoristas dispostos a ridicularizá-la) atitude tomada desde o início pela grande mídia para descredibilizar um governo proletário. Apesar de tudo ir relativamente bem, e dos notórios avanços na economia, ainda permanecia o ranço de uma classe elitista que se incomodava com o fato de um operário ocupar o cargo que não era o "seu lugar".
O jogo da política não é bonito, e dentro do covil sorrateiro de nosso congresso, Lula fez o que era preciso para que seu governo continuasse, sim meus amigos não vamos ser hipócritas, sem mensalão o Brasil parava, nenhuma nova proposta seria aprovada, pois é assim que o jogo funciona e sempre funcionou, não só em Brasília, mas também na sua cidade, no seu estado ou em qualquer esfera onde haja votações que atenda a interesse x ou y, sempre terá alguém disposto a negociar o seu voto. Mas este jogo só pode ser jogado por aqueles que possuem o passe livre pra jogar, mas esse passe livre é exclusividade dos representantes das elites, aqueles ignorados pela imprensa ou pelos "Moros da vida". Assim as inúmeras capas da Veja, e os destaques do JN faziam seu trabalho, direcionando os holofotes aos únicos "corruptos" de Brasília, e escândalo após escândalo os possíveis sucessores de Lula eram derrubados, Palocci, Dirçeu, Genuíno, a mensagem era clara, O Governo de Lula não poderia continuar após sua saída.
Os primeiros atos de golpe estavam em andamento, a imagem do Partido dos Trabalhadores começava a ser manchada pelo estrondoso escândalo do mensalão e tudo caminhava bem para a retomada do poder pela direita após a saída de Lula, só não contavam com tamanho carisma do ex-presidente com as camadas populares, e com seu altíssimo índice de aprovação, a tal ponto de seu apoio fazer com que a até então desconhecida Dilma Rousseff se tornasse presidenta. Algo que agravou ainda mais o ranço das elites de nosso país, agora além de mais um(a) Presidente(a) de esquerda, agora tinham que engolir uma mulher, com um passado ligado as forças "subversivas" contra a ditadura no Brasil. Algo difícil de aceitar para uma elite machista e saudosista daqueles tempos sombrios.
Diferente de Lula com sua política conciliadora, Dilma conduziu seu governo de forma mais audaciosa, desafiou a corja de políticos a sua volta, foi uma forte defensora das investigações "doa a quem der", promoveu avanços nas políticas sociais, dando maior poder e autonomia as classes populares, proporcionando acesso a lugares e status que antes pertenciam a apenas um pequeno número de pessoas em nosso país. E meu amigo quando o filho da empregada começa a frequentar a universidade ou o shopping frequentado pelo filho do patrão, a luta de classes revela sua face. A redução do abismo entre ricos e pobres no país despertou um sentimento de ódio que foi identificado pela mídia de massa e se disseminou rapidamente pelas redes sociais, não demorou muito até ressuscitarem os velhos fantasmas do Comunismo para produzirem um discurso destrutivo contra o governo popular.
O desagrado da elite com Dilma ia desde a suas decisões políticas à sua forma não tão polida de falar. Os ataques da imprensa e das redes sociais iam desde as já conhecidas caricaturas nos programas de TV, chegando a apelar para questionamentos de sua vida sexual. Mesmo diante de todo esse cenário hostil e sem o mesmo carisma de Lula, sem a simpatia da mídia, Dilma conseguiu se reeleger, derrotando o novo queridinho da direita Aécio Neves, o típico playboy, venerado pela elite, de boa retorica e berço. Uma verdadeira surpresa para todos que acreditavam em uma eminente vitória de Aécio, causando um engasgo no ancora de jornal mais assistido do Brasil (nitidamente decepcionado) no momento de anunciar a vencedora da eleição de 2014. Essa nova derrota era dolorosa para a direita e inaceitável, medidas drásticas precisavam ser tomadas por uma elite que estava desesperada para terem "o Brasil deles de volta".
Os pequenos golpes desferidos contra a imagem do Partido dos Trabalhadores se mostraram insuficientes, era preciso um trabalho intenso, e como foi prometido pelo candidato derrotado, o Brasil começou a travar, o congresso barra todas as medidas, enquanto a mídia se encarrega de disseminar o cenário de "crise" necessário para incomodar a população. A resistência de Dilma contra os grandes empresários é convertida pelos meios de comunicação fazendo com que os pequenos empresários se sentissem prejudicados. O combate a corrupção iniciado por Dilma contra os corruptos do congresso foi invertido pela mídia através das manobras de discurso com o intuito de convencer a população de que a própria Dilma era a verdadeira corrupta. O grande acordo nacional do áudio vazado por Jucá estava entrando em curso, e em pouco tempo o povo foi convencido de que pedaladas fiscais era um crime imperdoável.
Digno de cinema, um golpe milimetricamente arquitetado, contando com o apoio do legislativo, do judiciário, dos militares, da mídia e dos patos, o poder foi tomado a luz do dia de uma forma que soou como legal. A presidenta legitimamente eleita era deposta e assumiria seu vice, que tomaria para sí a missão de atender de bandeja a todos os desejos do capital neoliberal que financiou o golpe. Mas só isso não era suficiente, era preciso anular toda e qualquer possibilidade deste projeto ser desfeito com as próximas eleições. Então repentinamente o foco é retirado de Dilma e os ataques voltam a Lula, que lidera em quase todas as pesquisas de intenção de voto, era preciso destroçá-lo, sua imagem precisaria ir a lama de uma forma ainda mais brutal, e então a caçada começa como em um enredo de novela mexicana, o bom herói Sergio Moro, incumbido da gloriosa missão de prender o terrível vilão Lula, o cenário chega a ser esdruxulo quando se pensa como deveria transcorrer um julgamento sério, áudios sigilosos vazados, juiz fazendo palestras em eventos, e dando entrevistas, julgamento filmado e sentenças fundamentadas em "convicções".
Após condenação, restava o recurso em segunda instancia, mas lembra do "acordão com o supremo, com tudo" de Jucá, semanas depois de uma "visita" de Carmen Lúcia a Temer coube a ela o voto de desempate para o já esperado voto a favor da prisão de Lula, e xeque-mate. Golpe concluído com sucesso, e o executivo devolvido inteiramente aos verdadeiros poderosos, um golpe travestido de legalidade, um estratagema genial digno de cinema, e como ao final de uma grandiosa peça de teatro, nós o povo, impotente como espectadores não sabemos se batemos palma ou se choramos.
Boa semana amigos! Resistir é preciso!
*Sugestão
Filme: A Ditadura Perfeita - 2014
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