Talvez, a principal dificuldade para quem deseja fazer uma análise social do tempo presente esteja no fato de vivenciar o tempo que se escreve. Esse é um paradoxo que acompanha os interpretes sociais, fazendo da pesquisa um desafio ainda maior, porque, em muitas ocasiões, os valores sentimentais moldam a construção da análise. Quando se escreve imbuído de sentimentos, existe uma tendência de não compreensão do fenômeno, pelo menos de forma mais ampla, e sim partes reduzidas da transformação em curso, levando, futuramente, a certos arrependimentos sobre análises feitas.
Afinal, quem nunca escreveu algo e depois de passado algum tempo pensou?!: “Hum, se tivesse a oportunidade de voltar ao passado não escreveria o que escrevi”. A sensação é muito comum, e não está relacionada, exclusivamente, com o avanço cognitivo da pessoa, mas com o distanciamento do fato histórico, quando o transcorrer do tempo possibilitou espaços de construções para que outras pesquisas tecessem suas considerações sobre o fenômeno, e contribuíram para reforçar o que se pensava naquele contexto, ou fazê-lo(la) declinar das ideias apresentadas.
As evidências descritas anteriormente, estudadas aos montes pela historiografia, com destaque para o livro recente “Doze Lições Sobre a História” de Antoine Prost, destacam os embaraços de se escrever sobre o agora. A dificuldade em si, leva muitos a pensar duas, três, quatro vezes antes de se posicionarem. Outros(as) não se posicionam não é pela precaução, mas pelo sentimento de superioridade intelectual. (Objeto da reflexão).
Quem escreve sobre o tempo presente, e consequentemente sobre si mesmo, corre um grande risco de “quebrar a cara” ao se posicionar. No entanto, os riscos são essenciais em qualquer atividade. Por exemplo, alguns entendem riscos como representações menores da utopia. Assim, penso que seja preferível “quebrar a cara”, do que, futuramente, olhar para o passado e ver que passou incólume diante de situações vivenciadas, quando o contexto, no mínimo, exigia análises mais incisivas.
Dizem que a História não perdoará àqueles desestabilizadores do bem coletivo, talvez se possa alargar um pouco a discussão, afirmando que a mesma História não deixará em paz os neutros “sabichões”. De acordo com Paulo Freire, a ausência de posicionamento significa concordar, indiretamente, com os opressores. Um importante exemplo de produção que foi movida, durante à vida, pelo calor dos acontecimentos está na filósofa Hannah Arendt, no qual conseguiu inverter a lógica da produção, quando o tempo vivenciado moldou sua construção intelectual, vide os exemplos de “Sobre a Revolução” e “Origens do Totalitarismo”.
Dentro de um contexto caracterizado pela polarização social, como o tempo presente, é muito comum acompanhar pessoas criticando a explicita luta de classes, dizendo: “Não consigo entender essa polarização, isso vai acabar com vocês”. É evidente que as pessoas têm todo o direito, mesmo tendo condições, ou melhor, todos têm, de não se posicionar, de ficar indiferente aos acontecimentos, mas criticar quem levanta bandeira em prol de causas, é, a meu ver, de uma insensibilidade tremenda.
Quando formulam suas críticas àqueles que se posicionam, parecem estar ocupando o panteão da pureza intelectual, tentando se distanciar de um lado e de outro, sem perceber, é obvio, que a indiferença contribui para o desenrolar dos acontecimentos. Quando se nega posicionamento, acredita-se, inocentemente, na prevalência da razão, atribuindo ao atuante, os instintos, exclusivamente, emocionais, como se a emoção fosse um sentimento ruim.
Segundo Norbet Elias não há sociedade conduzida somente por valores racionais, porque o emocional e o racional se confluem. Se há a compreensão de que o social é constituído por valores individuais, não resta dúvidas, emoção e razão estão imbuídas no caráter subjetivo do sujeito.
Em determinados contextos é necessário ter posicionamentos mais incisivos, e não há dúvidas, se comparado com as últimas décadas, o contexto atual necessita de uma leitura mais atenta e de enfrentamento, porque os pesadelos do passado, tais como nazismo, fascismo e totalitarismo estão rodeando os mais diferentes espaços.
O ego, oriundo da crença na prevalência da razão, impede que os necessários sentimentos emocionais apareçam em momentos cruciais da História.
Abraço, boa semana para vocês!.
Kommentare