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A PRIVATIZAÇÃO DOS CORREIOS E O DESMONTE DO SERVIÇO POSTAL NO BRASIL



O Projeto de Lei nº 591/2021 foi apresentado na Câmara dos Deputados em 24 de fevereiro deste ano. Desde então, tramita na casa legislativa em caráter de urgência. No exato momento em que finalizo este texto, o projeto foi aprovado na Câmara por 286 votos a favor e 173 contra, com apenas duas abstenções. A partir de agora o texto aprovado pelos deputados irá para a votação no Senado, onde também deverá ser aprovado sem muitos reveses.


De autoria do Governo Federal, o mencionado projeto de lei tem como principais signatários o Ministro da Economia, Paulo Guedes e o Ministro das Comunicações, Fábio Faria. Em suma, o PL nº 591/2021 apresentado pelo governo visa instituir uma nova política de mercado ao Sistema Nacional de Serviço Postal (SNSP) no Brasil, possibilitando que haja concessões à iniciativa privada do serviço postal brasileiro. Além disso, o projeto também prevê a autorização para a transformação da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) em sociedade de economia mista, alterando, inclusive, sua razão social para Correios do Brasil S.A. Sendo assim, os Correios deixariam de ser uma empresa estatal e passaria a ser uma empresa privada.


Sobre o projeto que busca privatizar os Correios, destacamos três pontos principais contidos no PL nº 591/202. O primeiro é que o projeto estabelece que todos os serviços postais, principalmente aqueles prestados pela ECT em regime de monopólio, poderão ser explorados pela iniciativa privada. O segundo, propõe a celebração de contratos de concessão firmados entre a União e empresas privadas na prestação de serviços relacionados ao serviço postal, especialmente aqueles referentes ao serviço postal universal (carta, impresso, telegrama, objeto postal, etc.). Isso significa que a União ficaria desobrigada de estar vinculada a uma estatal para prestar os serviços postais, firmando contratos com empresas do setor para realização destes serviços. O terceiro, possibilita a transformação da ECT em empresa de economia mista, ficando a União como ente regulador, mas cedendo a administração, a gestão e todos os serviços postais a uma empresa privada.


Para justificar as medidas propostas no projeto apresentado à Câmara, o governo enfatiza que haveria um aumento da qualidade dos serviços postais, a garantia do serviço postal universal e a ampliação dos investimentos privados no setor aliado à desestatização da empresa. As justificativas apresentadas pelo governo na urgência da aprovação do projeto estão ancoradas pelos seguintes argumentos: 1) de que as dificuldades de adaptação da ECT à rápida transformação digital vivenciada pelo setor, demandariam um aporte de recursos financeiros muito grande, tornando onerosa para a União o seu processo de atualização e evolução digital; 2) decorrente desse processo de transformação digital, a ECT não estaria conseguindo se atualizar e acompanhar o mercado mundial de serviços postais, ficando para trás na competitividade do setor. Dessa forma, a abertura para a iniciativa privada daria dinamismo e competitividade à empresa e, consequentemente, ao serviço postal no Brasil.


O projeto também estabelece que a Anatel passaria a ser o órgão regulador do mercado de serviços postais no Brasil, passando a denominar-se Agência Nacional de Telecomunicações e Serviços Postais. Na prática, isso significa que à União caberia tão somente a prestação dos serviços postais menos dispendiosos, mais baratos e menos lucrativos. Por outro lado, a empresa que comprar os Correios ficaria com os serviços de maior estrutura e logística, aqueles mais rentáveis e lucrativos. De acordo com Mac Cord, assessor de Paulo Guedes e o “homem” das privatizações do governo Bolsonaro, o PL nº 591/2021 estaria “salvando os Correios”. Segundo ele, as pessoas não gostam do serviço prestado pelos Correios, mas possuem um carinho especial pela marca. Por esse motivo, manter a marca “Correios” é uma estratégia para atenuar a resistência da opinião pública sobre a privatização da estatal e, ao mesmo tempo, dissipar as críticas da oposição no Congresso ao projeto.


O que de fato está explícito no PL da privatização dos Correios é que a empresa privada que ficar responsável por prestar o serviço postal exercerá o total controle sobre este serviço essencial, podendo, a seu modo, escolher os serviços e produtos mais rentáveis, colocando em segundo plano os serviços postais considerados menos lucrativos, como aqueles contidos no serviço postal universal (cartas, correspondências, telegramas, objetos postais, etc.). Nesse sentido, haverá o aumento de tarifas que serão aplicadas no serviço prestado pelos operadores privados que se apropriarem dos Correios. Ou seja, mais imposto e mais dinheiro a se pagar por um serviço que é essencial e básico a todos os brasileiros.


Havendo outras empresas e operadores atuando e controlando os serviços postais, ocorrerá a centralização do mercado e da prestação dos serviços atinentes nas regiões e cidades mais desenvolvidas e com maior demanda. Em contrapartida, as regiões mais remotas e interioranas serão duramente afetadas. Além do aumento dos preços dos serviços prestados, haverá a precarização do atendimento a essas regiões, com deficiência de entrega e logística. Fica claro, portanto, que a quebra do monopólio do serviço postal prestado pelos Correios e a sua consequente entrega para a iniciativa privada resultará em aumento das tarifas postais, que no caso do Brasil, é uma das menores do mundo.


Hoje os Correios arcam com todos os custos da universalização, isto é, com toda infraestrutura e logística do serviço postal para todo território brasileiro. Com a quebra do monopólio, isso se altera. Mesmo que no PL nº 591/2021 esteja presente um disposto para que a União fique responsável pelo serviço postal universal, haverá o sucateamento da estrutura atual dos Correios, além da precarização do serviço postal que lhe restará por realizar.


Outro problema grave a ser criado com a privatização dos Correios é a precarização do funcionalismo da empresa. Hoje, os Correios contam com cerca de 100 mil funcionários espalhados por todo o território nacional que exercem suas funções amparados pela CLT. Segundo o relatório preliminar do deputado federal Gil Cutrim (MDB-MA), relator do PL nº 591/2021 na Câmara, a empresa que adquirir os Correios deverá manter o quadro de funcionários por um período de 18 meses (GRILLO, 2021). Após esse prazo, a empresa compradora ficaria livre para controlar e regular o quadro de funcionários, já que o regime trabalhista adotado pelos Correios é celetista, diferente de outras estatais e órgãos públicos. Com isso, chegaria ao fim a estabilidade e a seguridade amplamente conquistada pela categoria de trabalhadores da empresa.


No ano de 2020, houve um recrudescimento do acordo coletivo da categoria de trabalhadores dos Correios. Os trabalhadores não tiveram reajuste salarial de 2020 para 2021 e viram muitos dos direitos trabalhistas conquistados via acordo coletivo serem enxugados ou mesmo extintos, como é o caso do vale alimentação e vale transporte, por exemplo. De acordo com entidades e categorias que representam os trabalhadores, esta seria uma tática para, em tese, “enxugar” os encargos trabalhistas e minimizar os impactos financeiros com rescisões, acertos e demissões que caberia ao governo no ato da privatização da empresa (SOUZA, 2020). Serão milhares de trabalhadores afetados. Trabalhadores estes que prestaram concurso, buscando estabilidade e segurança econômica e social, mas que devido ao projeto de privatização, correm um sério risco de perderem seus direitos, quando com sorte, não serem colocados na rua.


Já são quatro anos seguidos que os Correios apresentam lucro. Em 2019, os lucros ficaram na casa dos 102 milhões de reais (G1, 2019). Em 2020, o lucro foi de 1,53 bilhão (G1, 2020). Não se justifica, portanto, a privatização dos Correios pelo simples argumento de que a empresa não dá lucro. De acordo com o Secretário-Geral da Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (FENTECT), José Rivaldo da Silva, com o aumento da demanda de compra on-line em meio a pandemia a estimativa é que a empresa tenha um lucro ainda maior em 2021. De acordo com o secretário-geral da Fentect, a estatal teve um aumento do volume de entregas de mais de 30%. Outro ponto levantado por Silva é que diferente de outras estatais brasileiras, os Correios são autossuficiente, uma vez que supre suas despesas por meio dos lucros que obtém dos serviços prestados, não dependendo do Tesouro Nacional (SOUZA, 2020). Ao contrário, o governo retira dinheiro dos Correios, para, inclusive, aplicar em políticas públicas em áreas como saúde e educação. Portanto, o argumento de que os Correios não geram lucros é totalmente e absolutamente falso.


Afinal de contas, a quem interessa a privatização dos Correios? Não resta dúvidas: às grandes corporações do setor. Poderíamos começar pelas gigantes estrangeiras FedEx e Amazon e a brasileira Magazine Luiza, além das empresas dedicadas ao setor de e-commerce. E por que há o interesse dessas grandes empresas na privatização dos Correios? Pela infraestrutura, expertise, logística, capilaridade e eficiência que a estatal possui, indispensáveis, inclusive, para a iniciativa privada. Além disso, o interesse corporativo nos Correios está na abrangência territorial, podendo a empresa privada compradora escolher quais regiões direcionar seus serviços, visando a um índice alto e seguro de lucro.


Não é de hoje que empresas privadas de diferentes segmentos firmam contratos bilionários com os Correios para que a estatal efetue a entrega e logística de seus produtos e mercadorias. Aliás, é bom lembrar. O mercado de encomendas, que vem crescendo exponencialmente nos últimos anos em virtude das vendas pela internet, não é monopolizado pelos Correios, possibilitando que empresas privadas explorem este serviço. No entanto, devido à já referida abrangência territorial que os Correios possuem, muitas dessas empresas e lojas preferem contratar os serviços prestados pela estatal, conseguindo que seu produto ou mercadoria chegue ao cliente por um preço de frete mais barato. Com a privatização, isso muda radicalmente.


As empresas e corporações interessadas em apropriar-se dos Correios almejam apenas um único objetivo: verem os custos de logística de distribuição diminuírem e seus lucros aumentarem. Dessa maneira, a justificativa de que a quebra do monopólio dos Correios é uma necessidade urgente, pois abriria espaço para a concorrência e, consequentemente, aumentado a qualidade do serviço oferecido, também é falsa. Com a privatização e a entrada da iniciativa privada, o que teremos em breve é o estrangulamento concorrencial, em que as empresas de maior aporte de capital forçariam as de médio e pequeno porte a fecharem, quando não chegando a comprá-las. Teríamos, então, a formação de um monopólio privado do serviço postal e de encomendas no Brasil, não restando outra escolha senão nos tornarmos reféns das condições, preços e taxas impostas por quem dominar o setor.


Os Correios cumprem uma função social valiosíssima e servem ao braço logístico da infraestrutura do país. Em regiões ermas e desassistidas pelo poder público, os Correios representam inclusão bancária, vacina, remédios, educação (entrega de livros escolares; distribuição das provas do Enem, etc.). Representam, também, o acesso aos direitos políticos de milhões de brasileiros, mediante a logística sem precedentes de distribuição de urnas eletrônicas pelo território brasileiro. Trata-se de uma empresa multimodal, que utiliza meios de transporte e comunicação diversos, como o rodoviário, aéreo, fluvial e ferroviário. Em síntese, a sua privatização afetará negativamente o povo brasileiro. Haverá o aumento exponencial de tarifas pelo serviço postal prestado, principalmente nas regiões mais pobres e distantes dos grandes centros urbanos, contribuindo, dessa forma, para o aumento das desigualdades regionais.


O aspecto mais relevante deveria ser a viabilidade dos Correios enquanto política pública, ou seja, o parâmetro precisa considerar não somente o lucro como também a efetividade do que é entregue à população. Nesse sentido, o que se vislumbra de perverso com a privatização dos Correios é a perca de assertividade de política pública para o qual a empresa foi criada. A sua existência e o seu funcionamento são imprescindíveis para o Brasil e o povo brasileiro, uma vez que atende amplamente a demanda por serviços básicos e essenciais por todas as regiões e rincões do país.


Não é necessário ser um jurista para verificar que esse projeto de lei referente à privatização dos Correios é inconstitucional. Ele fere o artigo 21 da Constituição, pois trata como atividade econômica e não como serviço público o serviço postal no Brasil. O próprio Procurador-Geral da República, Augusto Aras, considerado um aliado do governo Bolsonaro por interlocutores do Planalto, externou publicamente a inconstitucionalidade do PL nº 591/2021.


A urgência na tramitação do PL da privatização dos Correios revela a tática do governo Bolsonaro: aproveitar as distrações midiáticas, as falas torpes e jocosas de figurões do mais alto escalão do governo, incluindo o próprio presidente, para facilitar a aprovação de projetos de lei e medidas provisórias afinadas com a agenda neoliberal, entregando o patrimônio público ao capital privado e ao rentismo. As barganhas políticas e eleitoreiras já se encontram cimentadas entre o governo Bolsonaro e os partidos do “Centrão”, o que tem se tornado fundamental como estratégia para a aprovação dos projetos de caráter entreguista. Não se trata de “enxugar” a máquina. Mas, sim, de perpetuar um projeto de poder cujo fundamento básico é a apropriação e entrega do patrimônio público ao capital neoliberal.


De um lado, enquanto muitos se preocupam em colocar a comida na mesa e a se vacinar, de outro, Bolsonaro e sua turma se preocupam em entregar nosso patrimônio e riqueza nacionais às grandes empresas e corporações.




Referências:


IRAJÁ, Victor. Estamos salvando os Correios, diz secretários de Guedes sobre venda. 2021. Disponível em: https://veja.abril.com.br/economia/estamos-salvando-os-correios-diz-secretario-de-guedes-sobre-venda/. Acesso em: 20 jul. 2021.


GRILLO, Brenno. Especialistas comentam entraves para a privatização dos Correios. 2021. Disponível em: https://www.oantagonista.com/economia/especialistas-comentam-entraves-para-a-privatizacao-dos-correios/. Acesso em: 20 jul. 2021.


PINHEIRO, Ivan Carlos; CARRANO, Pedro. A quem interessa a entrega da estrutura eficiente dos Correios? 2021. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2021/07/07/artigo-a-quem-interessa-a-entrega-da-estrutura-eficiente-dos-correios. Acesso em: 20 jul. 2021.


SOUZA, Marina Duarte de. Por que o projeto de privatização dos correios não faz sentido. 2020. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2020/08/23/por-que-o-projeto-de-privatizacao-dos-correios-nao-faz-sentido. Acesso em: 23 jul. 2021.


G1. Correios registram em 2019 lucro de R$ 102 milhões. 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/06/17/correios-registram-em-2019-lucro-de-r-102-milhoes.ghtml. Acesso em: 23 jul. 2021.


G1. Correios registram lucro de R$ 1,53 bilhão em 2020. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/05/27/correios-registram-lucro-de-r-153-bilhao-em-2020.ghtml. Acesso em: 23 jul. 2021.


PERON, Isadora; CUNTO, Raphael di. Augusto Aras se manifesta contra privatização dos serviços postais dos Correios. 2021. Disponível em: https://valor.globo.com/politica/noticia/2021/07/02/augusto-aras-se-manifesta-contra-privatizacao-de-servico-postal-dos-correios.ghtml. Acesso em: 24 jul. 2021.




Fontes consultadas:


BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 591, de 24 de fevereiro de 2021. Dispõe sobre a organização e a manutenção do Sistema Nacional de Serviços Postais. Brasília, DF, Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1972837. Acesso em: 20 jul. 2021.


DEPUTADOS, Câmara dos. Projeto do governo autoriza entrada da iniciativa privada na exploração de serviços postais. 2021. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/730622-projeto-do-governo-autoriza-entrada-da-iniciativa-privada-na-exploracao-de-servicos-postais/. Acesso em: 20 jul. 2021.


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