Comecei a fazer terapia. Confesso: o primeiro passo rumo a essa decisão não foi fácil. Pessoalmente, tive que romper com certos paradigmas que colocavam em suspeição a eficácia de um tratamento terapêutico. Em parte, essa desconfiança derivava de concepções rasas e superficiais, alicerçadas no senso comum de que terapia só funcionava para quem apresentasse distúrbios mentais ou de comportamento. De outro, minha relutância e suspeição advinha de concepções filosóficas específicas. Ao adquirir certa autonomia de leitura e, com isso, certo deleite intelectual, imaginava ser o processo terapêutico mera fricção de narrativas, repetições enfadonhas de experiências sentimentais e emocionais sem resultado.
O ceticismo com a terapia aumentou quando no curso de mestrado tive contato mais direto com as obras do filósofo francês Michel Foucault (1926-1984). Para Foucault, foi a partir do século XIX que as ciências se ramificaram, tornando-se subcampos e subáreas do saber cientifico. Essa ramificação, que se operou em ciências como a Medicina, Biologia, Psiquiatria, Psicologia, entre diversas outras, passaram a legitimar certos discursos de saber-poder, que de uma forma ou de outra, condicionavam comportamentos, emoções, sentimentos, transtornos, distúrbios e patologias. Esse saber-poder das divisões e subdivisões das ciências introduziu no tecido social uma ordem, uma disciplina dos corpos (corpos-dóceis). Instituíram-se padrões de comportamento, regras de conduta individual e coletiva, condicionamentos e estigmas mentais. Por fim, toda prática e toda ação que escapasse a esse saber-poder, que ordena e que disciplina, seria considerado um desvio de norma, legitimado por tais ciências.
Embebido do pensamento foucaultiano, concebia a terapia como um mecanismo do saber-poder que disciplina e institui uma ordem nos corpos e nas mentes. Vale dizer: não abandonei a assertiva foucaultiana pelo simples fato de ter começado a fazer terapia. O que estou querendo dizer é que o excesso de ceticismo e descrédito nesses procedimentos me impediam de poder conhecer melhor o método de abordagem e o real sentido dessas ramificadas áreas do saber científico. A terapia, portanto, um procedimento especificamente oriundo das denominadas ciências mentais (Psicologia, Psiquiatria, etc.), teria como objetivo possibilitar o autoconhecimento, a introspecção positiva, a (re)centralização das emoções e o realinhamento do pensamento difuso, colocando-o novamente em consonância com a realidade.
Desde minha adolescência apresentava picos de ansiedade. À medida que fui adquirindo responsabilidades, encargo que a vida adulta nos proporciona, essa ansiedade foi aumentando significativamente. Não obstante, ao nível elevado de ansiedade, alguns sintomas físicos, como roer as unhas, movimentar freneticamente pernas e braços, alergias, entre outras, foram surgindo. Aprendi com a terapia que todos nós, uns menos e outros mais, sofremos, em algum momento da vida, com a ansiedade. É claro que em certos casos – não sei ainda se é o meu – ela é crônica, ou seja, é mais frequente e mais duradoura.
Apesar de não ser um especialista na área, penso que a ansiedade, assim como a depressão, o Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), extremos de humor, distúrbios de aprendizagem, e assim por diante, seja o resultado de padrões de comportamento estimulados e disseminados pela sociedade em que vivemos. Devemos, a todo tempo e a todo custo, sermos bons em tudo, ou pelo menos em quase tudo. Somos impingidos a sermos os melhores sempre. Melhores no trabalho, na escola, na comunidade, na vida social, afetiva, etc. E ser melhor aqui não diz respeito a valores éticos e morais, subjetivos a cada indivíduo. Ser melhor aqui diz respeito unicamente a uma sociedade de consumo dirigido, que tem na meritocracia uma condicionante para estabelecimento de hierarquias individuais e coletivas.
Numa sociedade como a nossa, sermos bons a todo tempo e a todo custo, tem proporcionado disfunções e desregramentos reativos. Isto é, quando não atendemos às expectativas, ou nossas expectativas não são confirmadas, deixamos de ter certeza quanto ao presente, vivendo algo que não é, precisamente, real. Expectativa é um sentimento humano onde vivemos o futuro no presente. E, não por acaso, ela é uma das marcas indeléveis da ansiedade. O problema é que a expectativa gera, como subproduto, a frustração. E a frustração é um sentimento de insuficiência, de falta, carência e incapacidade. Não ser suficiente para alguém ou ser incapaz em alguma atividade ou função, são problemas contemporâneos cada vez mais comuns.
Foi na terapia, portanto, que descobri que a expectativa e a frustração são emoções e sentimentos naturais do ser humano. A grande questão é como as concebemos e em que proporção deixamos com que elas tomam conta de nós e de nossas vidas. Para isso, procurar (re)centralizar e reordenar nossos pensamentos para o presente e para a realidade é uma atitude essencial. E no meu caso, ouvir isso de outra pessoa me ajudou, de certa forma, a procurar, cotidianamente, lutar contra as divagações do pensamento que nos tiram da realidade e do presente.
Diante disso, eis os motivos da procura pela terapia. A algumas semanas que não conseguia dormir. Sentia meus batimentos cardíacos acelerarem subitamente, me dando a sensação de que a qualquer momento poderia vir a ter um infarto. Me faltava concentração, foco e organização mental para cumprir integralmente minhas responsabilidades cotidianas. Sinal de que algo estava errado. Compartilhei esses sofrimentos com pessoas próximas. Fui aconselhado por elas, mais de uma vez, a procurar um profissional especializado. Tenho a sorte de ter ao meu lado pessoas boas, sensíveis e solidárias. Mais do que qualquer riqueza material, a maior riqueza de todas são as verdadeiras amizades, já dizia Aristóteles.
No começo, como ficou explícito, relutei em procurar um terapeuta. Entretanto, procurei superar meu ceticismo e decidi, pela primeira vez, recorrer a ajuda desse profissional. O fato de estar em uma sala junto a outra pessoa que não conhecia para falar de mim mesmo e do que sentia, me deixava um pouco nervoso e ao mesmo tempo constrangido. Todavia, fui aos poucos me despindo da suspeição e desconfiança. Em pouco mais de uma hora de consulta, fui ouvido sem preconceitos e juízos de valor. E isso é fundamental. Não raras vezes, quando nos abrimos com pessoas próximas, mesmo sendo elas intimas de nós, o que recebemos em troca, em muitas ocasiões, são julgamentos próprios, deliberações do que, na ótica dessas pessoas, seria o ideal a se fazer. É claro que um conselho de um amigo ou de um parente muitas das vezes nos ajudam a entender o problema e são bons conselhos, como no meu caso por exemplo. Mas temos que compreender que quando se trata de situações adversas, como as que explicito neste texto, o ideal é procurar ajuda profissional.
Além de ser preparado para isso, do ponto de vista tanto acadêmico quanto científico, o terapeuta é aquele que está ali para te ouvir. E a partir do momento em que somos ouvidos, temos a oportunidade de entender o que sentimos, como sentimos e de que forma sentimos. Uma pessoa que conheci recentemente, que inclusive me incentivou a procurar um terapeuta, disse algo muito sensível: nós somos limitados, somos falhos e sofremos, e isso muitas das vezes, só se torna perceptível quando somos ouvidos de fato, ou seja, por alguém externo ao nosso círculo social e parental. Deixar com que os pensamentos, sentimentos e emoções fluam por meio das palavras e sejam recebidas sem estereótipos e juízos de valor, se tornam instrumentos fundamentais para conhecermos a nós mesmos.
Em tempos difíceis como os que vivemos recentemente, tem aumentado significativamente os casos de depressão, ansiedade, transtornos comportamentais de variadas estirpes. A pandemia do novo coronavírus aguçou ainda mais estes e outros problemas, como a violência doméstica, o casos de feminicídio, a desigualdade social e de renda. Problemas estruturais, mas que afetam direta ou indiretamente nossa saúde mental. Por essa razão, tem sido tão necessário e urgente a função e o trabalho desses profissionais, terapeutas, psicólogos, psiquiatras, e todos os demais da área da saúde física e mental.
No caso em particular, a ansiedade possui tratamento e existem algumas técnicas que são possíveis de aplicar para diminuir seus efeitos. Respiração lenta e profunda. Ouvi-la também é importante. Procurar sempre, quando houver fuga da realidade por meio de devaneios e divagações, revolver ao presente. Para isso, uma técnica de repetição fonética que reforce que você precise retomar o que estava fazendo antes de se perder em pensamentos futuristas novamente. Buscar fazer atividade física, artística ou cultural, entre outras possíveis atividades.
Certamente não é fácil colocar todas essas técnicas em prática ou mesmo perceber os seus resultados imediatamente. Terapia demanda tempo, paciência e esforço cotidiano. Aliás, outro aspecto importante precisar ser exposto: terapia não é sinônimo de que algo está, necessariamente, errado. Por ausência de conhecimento, algumas pessoas associam a terapia a condicionantes preexistentes de patologias. Como se, necessariamente, recorresse à terapia apenas se explicitamente apresentasse problemas de comportamento e/ou psicológicos. Ledo engano. Terapia se faz como processo de autoconhecimento, mesmo que, de modo aparente, tudo esteja dando certo na vida.
Ainda bem que com o tempo tenho desmistificado muitas coisas, adquirindo experiências em outras e ampliando minha sensibilidade e entendimento sobre certos temas. A terapia tem sido um desses temas que tenho procurado desconstruir, o que, obviamente, não é tarefa simples. Particularmente, imaginava que por ter um arcabouço de leitura minimamente diverso e, consequentemente, conhecer, de modo geral, algumas teorias científicas, poderia resolver meus problemas emocionais e sentimentais individualmente, sem recorrer a ajuda profissional. Dessa maneira, a desconstrução desses e outros paradigmas é um importante passo para reconhecer nossas limitações e, de modo mais especifico, ampliar nossas perspectivas de compreensão de nós mesmos.
Este texto é um relato de experiência. Não se constitui de um texto qualificado em nenhuma das áreas e campos das ciências mentais/comportamentais. E nem poderia sê-lo, uma vez que não é este o seu objetivo. Seu objetivo, de fato, é o de um relato particular, despontando, para quem sabe, ser um incentivo para aqueles que o lerem e, consequentemente, iniciar o processo de desconstrução em relação à terapia. Estamos no mês de onde a campanha “Janeiro Branco” procura incentivar pessoas a estarem dispostas em realizar o processo de autoconhecimento por meio da terapia. Além disso, tem por objetivo também conscientizar sobre a importância da saúde mental, sob o inteligente lema: “Quem cuida da mente, cuida da vida”.
Terapia é autoconhecimento, me ensinou uma pessoa que conheci recentemente.
Faça terapia.
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