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Bolsonaro é o último suspiro



Com a vitória eleitoral de Bolsonaro, e tudo que o atual presidente representa, houve e há a impressão de que as feridas abertas do país voltam a pulsar com intensidade, demonstrando todas as mazelas acumuladas ao longo dos séculos, aparentando que os remédios utilizados para estanca-las foram ineficazes.


Levando em consideração a leitura inicial, se torna cada vez mais evidente que se tivesse ocorrido, de forma mais intensa, um processo de construção de cidadania humanitária, algo que não depende somente da questão partidária, não teríamos chegado ao estágio atual. Mas, infelizmente, o campo progressista, guardadas raras exceções, se acomodou e o resultado do conforto é esse que presenciamos atualmente. No entanto, o cenário parece desesperador, mas está longe de ser.


Acompanhar as ações/falas do atual presidente é, de forma representativa, idealizar um Brasil que se vangloria do machismo, da violência do estado, da homofobia, do preconceito para com as populações mais vulneráveis, do agronegócio destrutivo, da retirada de direitos da classe trabalhadora, da criminalização dos movimentos sociais, do fundamentalismo religioso, apologia à tortura, da leitura contrária à produção intelectual, e tantas outras atrocidades que, pelo menos no campo formal, pareciam estar superadas.


O campo formal, aqui mencionado, se refere ao âmbito das aparências, da teoria, porque na prática social, Bolsonaro não se diferencia de uma parcela considerável de milhões de brasileiros espalhados nos mais diferentes rincões do país. Porém, se observado as últimas pessoas que ocuparam a cadeira presidencial, depois do processo de tentativa de construção democrática, nenhum presidente/a se vangloriou tão abertamente dos preconceitos sociais quanto o atual.


A naturalização do preconceito, representado pela conjuntura política que ocupa o poder, parece ser a vitória, definitiva, desse seguimento sobre os séculos de luta das populações mais vulneráveis, aparenta ser a vitória contra os movimentos sociais, sinaliza ser o êxito contra a emancipação feminina, parece tripudiar diante da luta reivindicatória de respeito para com a comunidade LGBTQ, aparenta ser a tese definitiva contra a produção acadêmica, idealiza a retomada da força policial, da disciplina e autoritarismo contra as liberdades civis. Enfim, para não ser ainda mais repetitivo, o ano de 2018 aparenta ser uma volta no tempo, mais precisamente ao ano de 1964.


No entanto, o parágrafo anterior aponta para aparências, e é justamente isso que a vitória de Bolsonaro representa, ou seja, o que parece retomar com toda intensidade não passa de pequenas fagulhas de um cadáver que reluta para não deixar os vivos viverem em paz. Isso não significa que as atrocidades, representativas, do núcleo político devam ser negligenciadas, pelo contrário, a cada reviravolta do cadáver, o coveiro deve estar atento para impedir que o defunto, como nos filmes apocalípticos, passe a ter vida.


As lutas dos coletivos, dos movimentos sociais, da população negra, das etnias indígenas não foram e não serão em vão, porque essas lutas evidenciam inúmeras conquistas, perceptíveis já no tempo presente, e que, indubitavelmente, ainda virão. É justamente em decorrência dessas conquistas que se explica a vitória eleitoral de Bolsonaro. A assertiva não é um indício de que os grupos mencionados, reiterando, as minorias, apoiaram ou apoiam o atual presidente, longe disso, mas os seguimentos que se sentiram incomodados com as lutas, a saber, os donos do poder, com as reivindicações, conquistas de direitos das minorias, emancipação feminina e outros, perceberam em Bolsonaro o último suspiro, a última esperança de retomada de um mundo que, felizmente, não voltará mais.


A vitória de Bolsonaro é a tentativa nostálgica de restabelecer uma conjuntura que não terá condições de se sustentar no século XXI. Essa nostalgia está associada ao mandonismo machista, ao anseio da submissão feminina, ao desejo de colocar a comunidade LGBTQ dentro do armário, a vontade de que a educação formal/escolar se restrinja a elite dominante, ao anseio de que a classe trabalhadora volte ao trabalho análogo à escravidão, sem garantia de direitos, está associado a vontade de que o criacionismo se sobreponha ao científico, ao desejo de implementar um regime autoritário onde e quando as pessoas somente dirão sim senhor e não senhor. Enfim, os anseios nostálgicos são muitos, sendo muita pretensão apresenta-los nesse espaço.

O mundo descrito acima é o mundo que Bolsonaro e boa parte dos seus eleitores/as desejam restaurar, no qual a vitória na corrida presidencial parece evidenciar que a restauração foi concluída com êxito. Porém, a restauração não se sustenta, pelo contrário, a vitória de Bolsonaro é a vitória do desespero, do riso sem graça, do indivíduo que chegou a um local do qual não é bem vindo, da angústia do sujeito que não conseguiu acompanhar as transformações e as lutas sociais. A vitória de Bolsonaro é a vitória do último suspiro, da esperança vazia que o mundo será como antes.


Esqueçam, o mundo não será como antes, porque a mulher não voltará, jamais, a baixar sua cabeça para homem troglodita, a comunidade LGBTQ não aceitará voltar para o armário, o negro lutará cada vez mais para ter seu lugar ocupado e respeitado na sociedade, as comunidades indígenas reivindicarão o seu direito, sagrado, perante a terra, os pobres, negros e favelados ocuparão, sim, os bancos das melhores universidades desse país, o empregador que não respeita os direitos encontrará uma funcionária que não aceitará as condições péssimas de trabalho, esqueçam, porque os direitos das crianças serão respeitados, o estado é laico, e os fundamentalistas não irão modificar essa e tantas outras conquistas sociais. Por último, a frágil, mas importante democracia resistirá.


Como mencionado, as lutas para construir uma sociedade mais justa, humana, acolhedora, não foram e tampouco será em vão, afinal, a vitória, historicamente, é nossa, e não deles. Felizmente, o momentâneo não tem condições de se equiparar ao processo da longa duração.

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