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Breve defesa econômica da estratégia de isolamento social


Imagem: https://pixabay.com/pt/

No decorrer dos últimos dias, tem sido corrente o clamor do empresariado contra as medidas de isolamento social, promovidas pelos governos dos Estados, com o intuito de “achatar” a curva de expansão da COVID-19 em nosso país, reduzindo assim, o impacto da mesma sobre o Sistema Nacional de Saúde.

O fantasma da falência, o desemprego, a possibilidade de desabastecimento dos mercados e dos postos de gasolina, o provável exagero das autoridades no tocante à pandemia e até mesmo a politização do tema, munida de um criativo leque de opções de teorias da conspiração de ambos os lados do espectro político, fazem parte das narrativas apresentadas.

Diante disso, vamos aos fatos:

1º) A crise econômica que estamos presenciando e que, com certeza, fará parte do nosso dia a dia no decorrer dos próximos meses, é sintoma da pandemia. Nesse sentido, é importante amenizar o sofrimento decorrente da crise, todavia, concentrar o foco apenas no aspecto econômico não resolve o problema, posto que, o fator gerador da crise – a proliferação da COVID-19 – ainda estará lá. Portanto, agindo de forma racional, a solução econômica do problema demanda urgência na eliminação de sua causa, ou seja, o combate à pandemia.

2º) O Brasil não está em um “universo paralelo” apartado do resto da humanidade. A doença iria chegar (como chegou) e agora terá uma evolução a partir das medidas tomadas pelas autoridades conforme os modelos estatísticos construídos mundo a fora. Muitos Estados iniciaram o tratamento antes do início da aceleração dos casos de contágio, o que é uma medida prudente, uma vez que não nos resta alternativa senão o isolamento, já que não dispomos de vacina, ainda não existe medicamento com eficácia comprovada e nosso sistema de saúde não seria capaz de absorver o crescimento exponencial da demanda. Ora, quando iniciamos o tratamento de uma enfermidade qualquer, é necessário, mesmo que a contragosto, seguir a orientação médica até o fim. Caso você abandone o tratamento pelo caminho, achando que o médico exagerou na dose ou acreditando que você já está “curado”, é muito provável que a doença volte muito mais forte do que estava e aí você terá complicações. O mesmo se aplica ao nosso caso diante do isolamento social: suspendê-lo ou afrouxá-lo agora, seria um erro, pois provocaria uma explosão de casos e consequentes internações em um volume muito maior do que a que estamos presenciando, obrigando assim, as autoridades a retroceder da decisão uma ou duas semanas depois, sendo necessário um tratamento (isolamento) ainda mais rigoroso. Isso prolongaria muito mais o sofrimento da economia, uma vez que seriamos obrigados a parar totalmente no momento em que, se tivéssemos aguentado um pouco mais o período de quarentena, já poderíamos estar retomando a normalidade e fazendo o mercado reagir.

3º) A economia que – até agora – melhor reagiu à COVID-19 e praticamente não parou, foi a da Coréia do Sul. Amparados no exemplo coreano, poderíamos propugnar a ideia de um isolamento vertical, por meio do qual, as pessoas que não fizessem parte do grupo de risco e não estivessem doentes, poderiam trabalhar obedecendo às devidas restrições sanitárias, todavia, estaríamos caindo em outra armadilha. A Coréia do Sul adotou a estratégia de realização de testes em larga escala, coisa que nenhum outro país do mundo conseguiu fazer de forma tão eficiente. Como os coreanos já haviam vivenciado há pouco tempo um episódio localizado de epidemia de um outro tipo de gripe, as autoridades de lá escolheram agir preventivamente e então passaram a produzir os testes mesmo sem necessidade imediata, o que permitiu então e verificação maciça da população mesmo – e principalmente – de quem não estava com os sintomas, o que reduziu bastante o potencial de contágio pelo novo coronavírus e diminuiu significativamente a sua letalidade. A COVID-19 trabalha “na surdina” podendo ficar até 15 dias sem manifestar sintomas em seu hospedeiro, portanto, liberar para o trabalho todas as pessoas que não apresentam sintomas é flertar com a possibilidade real de provocar um colapso do sistema de saúde, uma ou duas semanas depois. Apesar de querermos muito voltar ao trabalho, reabrir nossas lojas e retomar a rotina, não dispomos de meios técnicos para garantir a segurança dessa manobra e, em se tratando de vírus, não dá para contar muito com a sorte.

4º) Em um cenário como o que estamos vivendo hoje, o referencial neoliberal, não obstante suas virtudes em termos de resultados econômico-financeiros para as economias nacionais, parece não dispor de remédios eficazes, capazes de garantir a manutenção do pacto social. Nesses termos, o receituário neokeynesiano parece estar melhor preparado, em um contexto de democracia, para poder garantir a continuidade da economia. Traduzindo para o bom português, cabe ao Estado, nesse momento, abrir mão do equilíbrio de suas contas e disponibilizar recursos para socorrer tanto os empresários quanto os trabalhadores. Não importa mais se teremos déficit ou não. O que interessa no caso em questão, é oferecer segurança para o mercado – tanto do lado da oferta quanto do lado da demanda – para reduzir ao máximo as “mortes” de CNPJs e as filas de desempregados. Não é questão de liberar a circulação de pessoas e retroceder nas medidas de isolamento, isso é praticamente inegociável, é questão de o Estado adotar políticas expansionistas que deem condições da economia absorver o impacto da crise, minimizando seus danos, já que a mesma se encontra instalada em escala global.

Se queremos (e/ou devemos) culpar as autoridades pela situação que estamos vivendo hoje; gastar nossas energias condenando o isolamento social é, no mínimo, uma demonstração de nossa miopia diante do problema econômico que se apresenta perante nós. A raiz do problema está na sistemática redução dos orçamentos dos governos destinados à Ciência e Tecnologia, na subvalorizarão dos nossos cientistas e na conduta totalmente reativa dos nossos gestores ao longo de décadas.

A economia sofreria bem menos se deixássemos de considerar a Ciência e a Tecnologia como gastos e passássemos a entendê-las com um investimento. Nossos empresários e trabalhadores teriam menos problemas se realmente tivéssemos estratégias preventivas que nos preparassem para catástrofes como estas.

Agora, resta aos governos, tomando uso das ferramentas econômicas existentes – reservas internacionais, endividamento pela oferta de títulos públicos etc. – nos ajudar a enfrentar o dissabor do remédio amargo que teremos que tomar, cabendo a nós, ter a consciência que a responsabilidade sobre o que acontece ou deixa de acontecer, a culpa sobre a quantidade de pessoas que perderão a vida desnecessariamente, direta ou indiretamente, em decorrência da pandemia, o pesar diante das filas de desempregados, não recairão exclusivamente sobre as costas de nossos líderes e sim, serão fantasmas atormentando a cada um de nós, pois fomos nós mesmos que construímos esta armadilha.

Texto originalmente publicado em: https://www.economicidade.com

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