
No último dia 06 de janeiro, o jornal El País tornou pública a entrevista de Ciro Gomes, concedida ao jornalista Florestan Fernandes. Em pouco mais de trinta minutos o ex-candidato à Presidência da República falou sobre os assuntos mais cadentes do momento, como por exemplo; Governo Bolsonaro, posicionamento da esquerda perante as ações do governo, eleições de 2018, governo Dilma Rousseff e, talvez o ponto mais emblemático, sua relação com o Partido dos Trabalhadores.
Não somente pelo tom da entrevista, mas também pelo tom da entrevista, Ciro demonstrou ter muitas críticas ao PT e, como não poderia ser diferente, ao ex-presidente Lula, principalmente no aspecto relacionado ao protagonismo do partido e seu principal representante, o que, na concepção do entrevistado, impede com que outras lideranças surjam dentro do seio petista.
É perceptível que Ciro Gomes acredita que se o Partido dos Trabalhadores tivesse apoiado sua candidatura seria ele, hoje, o presidente do Brasil. Essa leitura, evidenciada em muitos momentos na entrevista, encontra ancoradouro em vários setores do campo progressista, tanto àqueles que votaram no pedetista no primeiro turno, quanto nos que foram de Haddad desde a primeira arrancada.
Embora esse que vos escreve tenha mencionado no ensaio Construção de Alianças: Ciro e o Partido dos Trabalhadores, datado do dia 15 de junho de 2018, a importância que seria à junção de forças entre o PDT e o PT para a eleição presidencial, aos moldes da aglutinação partidária feita pela esquerda em Portugal, imagino que seria muito difícil o campo progressista conseguir se sair vitorioso da última eleição, porque não há somente o fenômeno do antipetismo, mas há, também, uma recusa ao pensamento racional, disposto ao diálogo, questão que Ciro representa indubitavelmente.
No entanto, acreditar em outros rumos que poderia ter acontecido no campo político fica no campo das hipóteses, assim como é hipotética a ideia de que tudo seria igual ao que aconteceu. Assim, e Ciro tem que tomar muito cuidado com isso, será um grande equívoco se continuar acreditando que a hipótese é uma certeza, porque se seguir nessa direção criara um adversário que está longe de ser seu oponente político nesse momento.
Não resta dúvidas que o Partido dos Trabalhadores merece críticas, mas acreditar que tudo seria diferente se o PT tivesse feito isso, ou não tivesse feito àquilo, é se eximir confortavelmente da responsabilidade que extrapola e muito as decisões de um partido, por mais que a representatividade desse partido seja algo muito acima das demais siglas.
Ciro foi pontual nas críticas, cobrando uma autocrítica do PT, no entanto, o pedetista não fez uma autocrítica relacionada a sua disputa ao cargo mais representativo da política partidária nacional. Por exemplo, a composição de sua chapa, que teve como candidata a vice-presidência a ex-senadora Kátia Abreu, considerada, ou melhor, apelidada pelos ambientalistas como miss desmatamento. Para quem deseja se colocar como representante da “nova esquerda” se aliar com o baluarte do agronegócio, destrutivista, não é uma atitude muito sábia.
Dotado de uma inteligência racional, científica e econômica notável, Ciro transparece, digo transparece, se colocar em um patamar inatingível para outros representantes do campo progressista. Por mais que se considere, e é, sábio, o pedetista terá que ter tranquilidade, assim como humildade, para se colocar como alternativa viável e propositiva dentro da oposição ao governo Bolsonaro. Se por ventura não conseguir transparecer e, mais importante, ter essa humildade, ficara isolado pelos pares. O isolamento já aconteceu no processo eleitoral, quando o pedetista não conseguiu construir alianças propositivas, tendo pouco tempo de propaganda eleitoral, trazendo como consequência um certo distanciamento do cotidiano das pessoas simples e humildes desse país.
Por mais que haja a impressão de que a vida gira envolta de smartphones, é importante ressaltar que o Brasil possui milhões e milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza, despossuídas das questões mais elementares para uma vida digna. O que isso significa? Pensando no processo eleitoral, há, ainda, uma evidência de que o papel do rádio e da TV na exibição dos candidatos/as possui um peso considerável, principalmente para os sujeitos que estão desassistidos de políticas públicas. Porém, mesmo diante da precariedade é muito difícil encontrar um espaço social que não seja enfeitado por um rádio, ou por um televisão.
Nesse sentido, o diálogo de Ciro Gomes, com os mais vulneráveis, ficou prejudicado pelo pouco tempo que teve para socializar os seus projetos “macroeconômicos”. Na composição das alianças, quando flertou com o PSB, e não obteve êxito, o pedetista teceu duras críticas ao Partido dos Trabalhadores dizendo que a neutralidade do Partido Socialista Brasileiro foi em decorrência do intervencionismo do PT, quando por meio dessa medida impediu que sua candidatura tivesse mais fôlego e condições de se apresentar melhor para o povo brasileiro.
É evidente que o Partido dos Trabalhadores desempenhou um papel primordial no distanciamento do PSB, porém, será importante para Ciro Gomes também reconhecer seus erros, ou melhor, fazer sua autocrítica, porque na composição das alianças propositivas Ciro parece ter falhado, e essa falha talvez esteja muito mais relacionada com sua personalidade intransigente do que originária de forças exteriores.
O resultado majoritário das eleições de 2018 deve ser analisado atentamente pelo campo progressista, seja partidário, acadêmico, religioso, pelos movimentos sociais, ou mesmo de cunho subjetivo, porque todos, indistintamente, têm suas parcelas de responsabilidade. Como não há distinção, é importante que Ciro Gomes reconheça seu protagonismo, ou parcela de responsabilidade também, caso contrário, cairá no erro que atribui ao Partido dos Trabalhadores.
Por exemplo, se o pedetista tivesse se engajado com afinco no segundo turno, ao lado de Fernando Haddad, o resultado das eleições seria outro? Sinceramente, acredito que não, mas indubitavelmente a representatividade que determinadas atitudes proporcionam é muito mais significativa do que possíveis resultados.
Por último, vejo como salutar o posicionamento do pedetista, porque diante da condição caótica que nos encontramos, toda e qualquer leitura sensata, independentemente de corroborar em inteireza, não é somente válida, mas necessária. Os desafios em torno da defesa aos direitos sociais serão muitos, e a polarização de poucas vozes será insuficiente para abarcar todas as necessidades inerentes ao campo das garantias constitucionais.
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