O fascismo venceu, mas como foi que isso aconteceu? Como chegamos a esse ponto, onde a ignorância falou mais alto que a razão? Por que as vozes de centenas de intelectuais, jornais internacionais e ativistas célebres foi abafada pelas vozes de adolescentes sem formação, líderes religiosos, atores pornôs, youtubers e correntes de whatsapp?
A resposta pode estar na fragilidade da educação pública em nosso país, que é constantemente sabotada (principalmente em suas séries iniciais). Escolas que diariamente convivem com baixos recursos, congelamento de verbas, desvalorização do professor, jornadas de trabalho extensivas e salas de aula lotadas de estudantes em situação de vulnerabilidade social. Precarização essa que por muitas vezes afasta os profissionais mais qualificados, que preferem atuar em espaços com melhores condições de trabalho, com turmas mais avançadas - cursinhos pré-vestibular ou universidades.
A baixa qualificação de alguns profissionais, tem início na universidade, na formação de professores, que concluem seus respectivos cursos, comprando trabalhos prontos, faltando aulas ou não lendo textos fundamentais a sua formação. Mais adiante estes profissionais malformados entrarão no mercado de trabalho e ocuparão os cargos mais precarizados em caráter temporário, mesmo assim, se perpetuam em suas funções devido a escassez de concursos para as áreas, enquanto isso ofertam um ensino condizente com a qualidade de formação que tiveram.
A falta de profissionais qualificados resulta na contratação sem muitos critérios apenas para preencher a função. Muitas vezes os postos de trabalho são ocupados por professores sem leitura que volta e meia baseiam suas aulas em achismo, reproduzindo sensos comuns e preconceitos. Esses exercem uma função de meros reprodutores de falácias populares, sem embasamentos e criticidade, engessando o processo de aprendizado, ignorando a sistematização científica do conhecimento. Apesar da falta de solidez deste ensino aos moldes dos achismos, conta com a adesão dos alunos de forma imediata. A aceitação dos discursos acontece com facilidade, pois se alinham ao conhecimento popular e aos preconceitos que já trazem de casa, não sendo necessário aplicar uma reflexão mais aprofundada.
Outro problema provém daqueles que trocam estudos por experiências pessoais reducionistas, como por exemplo: afirmar que não existe racismo porque nunca viu ninguém sofrer no bairro em que vive. Tal argumento ignora situações em escalas macrossociais confirmadas por pesquisas e trabalhos acadêmicos, colocando em primeiro lugar vivências pessoais.
Temas como fascismo, nazismo, neoliberalismo, esquerda, direita, segregação social, feminismo, feminicídio, racismo entre outros que são frequentemente abordados nas universidades, entretanto são minimamente abordados nas series iniciais, em alguns casos por falta de preparo de alguns, tendo em vista a pouca leitura sobre os temas, em outros por uma série de recomendações superiores pare que se evite temas “polêmicos”.
É importante ressaltar que casos como estes não são a regra, e que encontram sempre um enfrentamento por parte dos bons profissionais que insistem em promover um debate sério e embasado em teorias e textos acadêmicos. Porém, aos olhos dos jovens alunos o professor que apenas confirma o que eles já acham que sabem recebe muito mais credibilidade do que o que promove uma nova reflexão ou uma desconstrução de um preconceito, já que estes causam um desconforto e uma contrariedade a quem não abre mão de suas crenças pré-estabelecidas.
Para muitos destes jovens que hoje engrossam o caldo reacionário a leitura é algo que passa longe de seus interesses. Suas fontes de informação e argumentação se encontram nas mídias mais rasas e simplistas, como memes e vídeos curtos de Youtube, onde na maioria das vezes outro adolescente do ensino fundamental dois ou ensino médio aos gritos produz argumentos supostamente “melhores” que doutores que passaram anos estudando o mesmo assunto. Não se cobra veracidade da informação e da argumentação, basta que esta confirme uma opinião que o espectador já possua.
Por falar em falta de veracidade, o fenômeno do Fake News surge neste contexto com a função de dar base para argumentações reacionárias, pois se sustenta na certeza de que a população não se preocupará em apurar as fontes, ou mesmo em ler a matéria por completo, já que a cultura da leitura e da pesquisa não foi consolidada entre grande parte dos brasileiros, principalmente os mais jovens, mesmo assim funciona, o simples impacto da manchete já causa o efeito de revolta e ódio desejado.
Para aqueles que não leem e que não viveram os tempos sombrios de nosso passado, compreender as atrocidades do fascismo é ainda mais difícil, e assim, ficam mais propensos ao engano. Entramos no período do orgulho da ignorância, em que a palavra “intelectual” se tornou palavrão. Nas escolas é comum perceber o desdém e o descrédito dado aos estudiosos, aos leitores, e aqueles que propõem alternativas que divergem dos dogmas e convicções populares. Dessa forma, quem apresenta uma visão e um posicionamento diferente do senso comum é logo desacreditado, já que o discurso não se alinha a linguagem popular que é dogmatizada por décadas por programas de TV e líderes religiosos.
É claro que o enfraquecimento da educação nas séries iniciais não é o único motivo da vitória do fascismo, no entanto certamente um país sem apreço e respeito pela educação está condenado ao caos de uma sociedade injusta e violenta. Nas palavras de Paulo Freire: “Não é possível refazer este país, democratizá-lo, humanizá-lo, torná-lo sério, com adolescentes brincando de matar gente, ofendendo a vida, destruindo o sonho, inviabilizando o amor. Se a educação sozinha não transformar a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda.”
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