Do lugar virtual, representado por um quadrado na tela do computador; parto para os vãos, lugares que carregam consigo seus “próprios barcos”, ancorados no imaginário e em valores que fogem aos apresentados pela educação geográfica.
Lá, quando falamos sobre território o compreendemos além da ordem de um povo; e remetemos às lutas contínuas, desafios do esperar que geram esperança. Esta esperança ecoa como verbo para muitos que se fortaleceram com a r-existência de seus antepassados.
Se a geografia escolar nos permite perceber o mundo, para quilombolas que se ausentaram por décadas da sala de aula, esta prática se dava através de sua relação com o Cerrado, justificada pela necessidade do morar, ocupar, comer, ir e vir.
As relações do educar se davam em casa, ao som da passarada fosse no amanhecer ou já anoitinha, quando reuniam todos ao redor de Iaia[1] para escutar as prosas que ela carregava consigo e precisava contar.
Era fascinante escuta-la, hipinotizava a todos, parecia encantada!
Trazia vozes, movimentos que remetiam a tempos distantes, gentes fortes e de coragem. As crianças esperavam por aquele momento que dizia muito sobre da história do povo Kalunga.
Dormiam ainda anestesiados com os contos e prosas anunciados de um lugar simples de terra batida, que significava tanto, pois fora conquistado com muita luta. Iaia ainda encorajava a todos afirmando que o limite para maiores experienciações estava além do Ribeirão dos Bois, mais adiante da Serra Geral.
Pouco se sabia o que ela queria dizer com tudo aquilo.
Mas se a r-existência os trouxe até ali, precisavam sair dos vãos em busca dos espaços anunciados por Iaia. Assim se fez.
Agora o povo que detinha saberes do Cerrado ocupava também as escolas na cidade, não pense que foi tarefa fácil, mas contaram mais uma vez com a união da comunidade. Era um frango que vinha dos Maias, um saco de farinha da casa dos Rosa, o feijão do Vão de Almas, plantado e colhido por tantas mãos, e tantas outras doações; tudo para a permanência daqueles meninos e meninas na escola.
Naquele espaço puderam compreender mais claramente sobre suas lutas, os sujeitos envolvidos nestas e inclusive as possibilidades que tinham agora de ir além de Cavalcante[2]. A escola anunciou para aquela gente outros espaços.
Já tinham noção de pertencimento, muitos pretendiam sair para depois voltarem para os vãos. Mesmo aqueles que retornaram sem diploma viveram experienciações que os permitiram compreender melhor o seu lugar, suas funções dentro e fora da comunidade, além de estimular os mais novos a percorrerem o mesmo caminho, sendo que este agora está sem tantas pedras, pois foram tiradas por aqueles que vieram antes.
O que se vê é que assim como a educação escolar geográfica, a permanência do negro na escola é muito recente, e muito desse processo se dá por esforços de pessoas queridas como a tia “paz e amor” que antes trabalhava estudos sociais, e agora apresenta uma matéria “nova”, a geografia que possibilita e instiga tanto.
Foi assim que o olhar Kalunga que por muito tempo se limitou aos vãos e rios de águas cristalinas usadas para se banhar, extrapolou a Serra Geral e o município de Cavalcante e alcançou espaços como a universidade, possibilitando que aos saberes e fazeres se moldassem a um novo repertório cultural, ou inclusive este “novo” fora apresentado dentro da comunidade através de outros usos, mostrando para os olhares externos, o mundo que existe dentro das comunidades através dos gostos, sabores e cheiros, mas será que o Kalunga se “pasteurizou”?
Dessa forma, pensando em ser no coletivo que o Kalunga (re) significou seu “eu” e quilombolizou espaços. Muitos são eles, estão na comunidade e fora dela. De Iaia ainda nos vãos, ao prefeito de Cavalcante, cada um com sua percepção movimentam-se pelo global que é geográfico.
Notas:
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