Como já havia afirmado em outras digressões, esse isolamento social não significa ausência de ações solidárias e preocupação com o outro. Com essa vida socialmente separada, frente ao momento pandêmico que vivemos por causa do Coronavírus, estou retornando às minhas lembranças da minha infância, tudo no sentido do cuidar um dos outros.
Talvez, muitos dos interlocutores que terão acesso à prosa em tela não conheçam a planta de nome Erva Santa Maria, cujo nome cientifico é Dysphania ambrosioides. Mesmo assim, estou sendo instigado por Mnemosine, deusa da memória, a lembrar dessa planta que me traz uma recordação de um passado amargo, guardado bem fundo.
O contexto experienciado, naquele tempo, era o da vida no meio rural. Mais precisamente na Fazenda Furnas, município de Itapuranga (GO), distante da urbe, cerca de 7,5 km. Lá em meados da década de 1970 foi quando aconteceu o meu encontro e apresentação a Erva Santa Maria. Hoje, estou a pensar no ditado popular que afirma que “lembrar é sofrer duas vezes”.
E não é que, em partes, tem razão, pois esse primeiro encontro com as condicionantes medicinais desse ramo, que ainda hoje pode ser facilmente visto nos quintais das casas rurais, no terreiro e hortaliças nascendo de forma natural, não foi nada agradável. Talvez um (des)encontro desagradável. Posso lhes dizer que foi um passado que deveria ser esquecido, mas que socializo com os outros para que não sofram o mesmo.
Tive boa parte da minha infância alimentada, quase com exclusividade, pelo leite, quer seja materno, primeiros anos de vida e, posteriormente, até aos nove anos de vida, leite bovino. Razão pela qual, ao levantarmos, todos os dias, eu e meus irmãos, já tínhamos uma vasilha de leite fervido para nosso deleite matinal.
Eu, aliás, preciso pedir perdão aos meus pais, pois fui muito niquento ao beber o leite bovino, pois se tivesse uma mancha de nata, gordura do leite que solidifica por sobre o leite resfriado, recusava-me a tomá-lo. Se me oferecessem um copo de leite com nata, eu era tentado com muita ira, até que aprendi a coar o leite na fralda da minha camiseta, facilitando um pouco minha situação. Até porque, coador não havia também naquele tempo.
Vejam como são as tradições. Minha mãe viera de uma tradição mineira/goiana, apreendendo, em família, como preparar medicamentos caseiros, aproveitando dos saberes populares para ajudar na variadíssima medicina popular. Aliás, não sei por que minha mãe aprendera a fazer esse santo remédio caseiro para combater os vermes, usando o leite com Erva Santa Maria.
Composição santificada! Pronto. Em um belo dia, minha mãe resolveu ofertar tal fórmula caseira a toda família. Misturou leite, açúcar torrada e ramagens da Erva Santa Maria. Toda essa solução produz um líquido com um dos gostos mais terríveis que provei em minha vida.
Talvez seja por experiência do cotidiano, ou do passado, que hoje eu não goste de beber leite, mesmo sabendo das inúmeras propriedades benéficas para nosso corpo, como o fiz em boa parte da minha infância. Ressalto que também reconheço as propriedades da Erva Santa Maria. No entanto, penso que essa mistura de leite e Erva Santa Maria deve ser proibida, merecendo, quem sabe, um artigo no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), pois isso é uma estratégia surreal de torturar, punir e violentar nossas crianças.
Ainda bem que existem entidades e laboratórios que conseguem extrair as propriedades medicinais da Erva Santa Maria sem usar de tal metodologia caseira, como o fazem as Pastorais da Saúde e Criança que já conseguem produzir o medicamento de forma natural, em cápsulas, diminuindo, ou mesmo não fazendo com que as crianças sejam obrigadas a ingerir a sagrada bebida láctea com Erva Santa Maria.
Continuo a pensar, ainda hoje, que sabedoria popular é essa que descobriu a importância medicinal dessa planta que podemos encontrar naturalmente em nossos quintais? Estou convicto de essa descoberta explica minha ojeriza em beber leite. Hoje eu o faço, mas para manter a saúde do corpo, mesmo tendo lembranças amargas, pois quando pego um copo de leite, o que me vem na lembrança é o cheiro e gosto insuportável da Erva Santa Maria.
Não tenho dúvida em afirmar; Erva Santa Maria, no leite, nunca mais.
Contar e narrar o nosso passado com o jeito e o gosto da cultura de nosso povo. Olhares atentos no presente que vivemos.
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