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Foto do escritorSwelington Fonseca

Geopolítica da Copa 2018


Vai ter copa! Ou melhor já está tendo copa, e como já é de praxe em nosso país, a polarização divide os brasileiros entre os apaixonados pelo esporte e os que se vangloriam de não assistir, ou que afirmam torcer contra. Para muitos, não torcer na copa simboliza um atestado de "politizado", e frases como "enquanto você grita gol eles te roubam" e "Com tanta corrupção, e vocês aí assistindo copa" se tornam frequentes. Bom, como faço parte dos que gostam e torcem, acredito que nos roubam até quando respiramos e dormimos, e deixar de fazer isso não irá acabar com a corrupção, os caminhos para solucionar esse nosso problema tão enraizado em nossa sociedade é bem mais complexo e difícil do que somente deixar de acompanhar um evento esportivo. É possível sim gostar da copa e ainda ter uma conscientização política, e indo mais além, por que não aproveitar um evento que reúne dezenas de países de diferentes continentes para aprender um pouco mais da geopolítica global?


A copa do mundo reúne as seleções de 32 países em uma das competições mais populares do planeta, porém as relações entre estes países vão muito além do futebol, ultrapassam as fronteiras do esporte e se materializam em embates políticos, militares, sociais, econômicos e culturais. Por trás de uma inocente partida entre uma seleção e outra, podem estar ocorrendo conflitos bélicos, disputas separatistas, conflitos xenofóbicos, estreitamento de relações comerciais ou embargos econômicos, relações de rixas históricas, ou momentos de diplomacia. 


Rússia como sede por si só já é algo a ser considerado, O país teve um importante papel nas Guerras Mundiais, sendo decisiva para os lados vitoriosos. Poucos meses antes do início da copa, Vladimir Putin (Primeiro ministro russo) fez uma piada dizendo que seria um prazer receber os alemães no inverno, uma clara referência a vitória russa sobre os alemães durante a 2ª Guerra. A Rússia também foi protagonista da Guerra Fria, em um período de bipolarização do planeta que se dividia entre Socialista liderados pela Rússia (URSS) e Capitalista liderados pelos Estados Unidos, atualmente a Rússia não pode mais ser considerado um país socialista, mas ainda recebe equivocadamente essa alcunha por se opor a diversas medidas internacionais impostas pelos EUA. Graças ao grande poder bélico que possui a Rússia é um dos poucos países do mundo que ainda mantem uma resistência ao devorador expansionismo imperialista norte americano.


O seu líder político Vladimir Putin é uma figura excêntrica e controversa, admirado por muitos Russos faz um governo populista e corajoso de oposição as políticas internacionais, retomando um posicionamento geopolítico imponente dos tempos de URSS, mas dessa vez em busca das primeiras posições enquanto potência do sistema capitalista, por outro lado demonstra uma face autoritária contra seus críticos, reduz a liberdade de imprensa, e é acusado de violar direitos humanos, com prisões arbitrarias e leis homofóbicas contra a comunidade LGBT. Atitudes essas que são duramente criticadas pela comunidade internacional, líderes políticos, e artistas. Entre eles Robbie Williams o cantor britânico que fez a abertura da copa, e que em 2006 lançou a música "Party like a russian" (Festeje como um russo), com vários trechos que podem ser associados a Vladimir Putin. Williams não cantou a polemica música no show de abertura, mas foi criticado pela imprensa britânica por aceitar se apresentar em solo Russo, e respondeu mostrando o dedo médio para as câmeras.


O primeiro jogo do Grupo A já nos mostrou um interessante confronto entre países que também são rivais fora do campo, Rússia e Arábia Saudita são lados opostos no conflito da Síria, região que atrai interesse de diversos países e povos (como já mencionei anteriormente em outro texto aqui no Além dos Muros), Enquanto a Rússia apoia militarmente a manutenção do governo de Bashar al Assad, a Arábia Saudita é um dos principais financiadores do ISIS (Estado Islâmico) que faz parte das forças rebeldes de oposição ao governo, oposição essa que conta com o apoio dos EUA, que afirma estar se opondo ao mesmo tempo ao governo e também ao ISIS. Conflitos estes que por alguns momentos pareciam estar sendo deixados de lado, durante os 90 minutos no camarote compartilhado pelos líderes de Estado Vladimir Putin e o Sheik árabe Mohammad bin Salman, que em momentos descontraídos celebravam o jogo em um simbólico e talvez momentâneo ato diplomático.


Outra questão geopolítica a ser observada neste mundial é a questão migratória, e os conflitos decorrentes desta intensa migração, com um intenso fluxo que ocorre principalmente do continente africano em direção a Europa. O Grupo B da copa nos apresenta um interessante confronto entre países que fazem parte deste fluxo migratório reunindo países vizinhos Portugal e Espanha no continente europeu e Marrocos no continente africano separados pelo Mar Mediterrâneo. Segundo dados da Organização Internacional para as Migrações (OIM), estima-se que em 2018 mais de 11,8 mil pessoas já entraram na Espanha pelo Mediterrâneo passando pelo Marrocos. Migrações clandestinas que oferecem graves riscos aos que se aventuram na travessia, somente em 2018 já foram registradas 200 mortes de imigrantes tentando entrar na Espanha por este roteiro. Esta onda crescente de migração ilegal representam um sério problema social para a Europa que enfrenta constantes ondas de violência por xenofobia, racismo e antissemitismo. 


Outra face das migrações é a crescente onda de naturalização de jogadores que deixaram de lado a oportunidade de defender as seleções dos países que nasceram para defender as seleções dos países que hoje residem, são casos como dos brasileiros Diego Costa, Thiago Alcântara e Rodrigo que defendem a seleção da Espanha, do lateral Brasileiro Mario Fernandes que defende a seleção da Rússia, os camaroneses Umtiti e Embolo que defendem França e Suíça respectivamente, o Jamaicano Raheem Sterling que defende a Inglaterra, são alguns dos exemplos de uma longa lista de jogadores naturalizados nesta Copa. Só 10 das 32 seleções da Copa 2018 contam apenas com atletas nascidos dentro do seu país.


Outro confronto interessante que também envolve imigrantes e conflitos geopolíticos é o que ocorrerá entre Suíça e Servia, os principais jogadores Suíços Xherdan Shaqiri, Granit Xhaka e Valon Behrami nasceram na região de Kosovo na Servia, palco de uma guerra que deixou mais de 10 mil mortos nos anos 90. A Região de Kosovo é considerada pelos sérvios como o berço de seu povo, apesar de hoje ser ocupada predominantemente por albaneses que lutam por uma independência da região. Em 2008 Kosovo declarou unilateralmente sua independência, mas a Servia ainda não reconhece a validade deste ato. 


No grupo G temos também um confronto que mexe com os rumos da geopolítica mundial e envolve Inglaterra e Bélgica, A insatisfação Inglesa com as políticas adotadas pela União Europeia vem provocado um movimento chamado "Brexit" em que a Inglaterra busca seu desligamento judicial da União Europeia, por outro lado, a União Europeia com suas bases legislativas e administrativas sediadas na Bélgica busca a todo custo manter a Inglaterra dentro do Bloco Econômico devido seu grande poder e influência no mercado global. Se realmente for efetivado o desligamento da Inglaterra do bloco significará uma grave crise para a União Europeia.


É inegável que o futebol serve como paliativo e como alegoria para significativos problemas sociais e geopolíticos de nosso planeta. Para os olhares mais atentos pode ser muito mais do apenas um entretenimento, pode ser também uma oportunidade de conhecer novas culturas e conhecer as diferentes relações históricas e espaciais dos países envolvidos. E quem sabe um dia através do conhecimento possamos aprender a conviver melhor uns com os outros, entender e respeitar as diferenças e talvez um dia os confrontos fiquem apenas nos campos esportivos.


Boa semana e apreciem o evento! 

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