top of page

História Gasosa

Em primeiro lugar, este bem que poderia ser um texto sobre o gás, em especial sobre como, raio que o partas, ele chegou a este preço, no entanto iremos ir por outro caminho, iremos tratar da História como fenômeno científico, em especial sobre o historiador. Mais do que olhar a história, o historiador a constrói, este é um fator básico da escrita histórica, antes, redigida não para relatar, analisar e deduzir a verdade, mas, para ser ela a própria o fato. Neste sentido, a verdade era acessível, tocável, no entanto, antes de avançarmos na discussão é preciso primeiro nos perguntar: o que é a verdade?


Se observamos a palavra, teremos que ver- significou em todas as línguas anteriores: verdadeiro, verídico, real (Houaiss), -dade seria um adjetivo que foi utilizado para formar substantivos abstratos. No entanto, a verdade, como há de se imaginar, deu-se em diferentes povos, e portanto lida com diferentes conceitos do grego (aletheia), do latim (veritas) e do hebráico (emunah) , sendo que estas condensavam-se em um jogo de disputa por aquilo que hoje é considerado um dos bens mais valiosos da humanidade: a informação.


Mais do que saber a realidade, saber já é deverás importante, e falando-se em civilizações que não dispunham de mecanismos de comunicação em larga escala, ter o domínio de uma informação significa poder em práxis. Talvez, deveria aqui realizar um maior aprofundamento sobre poder, para conceituar melhor tal perspectiva, no entanto, de forma sintetizada, por poder refiro-me a: ser capaz de; ter influência de; ter autoridade; aptidão; perícia. Dessa forma, saber a verdade permitia ao indivíduo tais capacidades e possibilidades, e mais ainda, a verdade ainda tinha uma influência maior, pois funcionava como ponto focal dos esforços humanos, deste modo, uma verdade compartilhada e aceita tornava-se um grande motor de ação.


Não obstante, logo este incrível motor de ação passou a ser direcionado, tanto para fins coletivos, quanto para fins particulares, e em cada lugar desenvolveu-se uma relação com a mesma, que este simples texto não poderia jamais sintetiza-lo.


No entanto, retomando ao foco original do texto, após o sintético ensaio sobre o conceito de verdade, um acontecimento mudou a relação do homem com a verdade, claro que ela não permaneceu constante em todos os povos, o que mudou em verdade, foi a possibilidade de tornar possível a qualquer homem descobrir a verdade em seu aspecto fundamental, esta é a característica inicial do iluminismo, e que mais tarde veio a tornar-se o racionalismo, fundando assim a ciência.


Isto representa uma grande mudança, uma vez que antes, ao menos que fosse dado empírico, ou seja, atestado pelo ver (experiência que envolve os sentidos, e também aqui uma alusão ao ver do conceito de verdade), a verdade era somente aceita, como um saco cultural que os homens carregam desde a descoberta do fogo, ou seja, passamos os aprendizados de geração em geração, uma vez que se eles dão-se na prática, só podem constituir-se verdade, além disso claro, havia também a imposição da verdade entre povos derrotas e outras condições mais, no entanto, mesmos nestes casos há algo que não muda, a substância da relação entre a verdade e o homem, esta era imposta, fixa, rígida, inflexível e estabelecida, irrefutável. Em exemplo prático, podemos ter os axiomas, a divindade do rei egípcio pelo seu povo e por aqueles que foram escravizados (que mesmo que não acreditassem, precisavam durante aceitar que na prática ele era superior e agora precisava obedecer suas ordens).


Tal verdade, mesmo que rígida e absoluta era questionada, caso contrário não estaríamos aqui hoje, no entanto duvidar da verdade era um ato isolado, porque não dizer anormal, dentro deste contexto. Com o advento da ciência, esta relação sofreu tremendas mudanças, isto porque, seria possível a qualquer um, desde que estivesse dentro dos métodos, chegar a verdade, isto em fato, dava ao homem o poder de produzir uma verdade.


Com o rigor metodológico ao qual foi atribuído, não seria qualquer ideia que tornar-se-ia verdade, primeiro seria necessário um enorme esforço para que esta chegasse ao posto, no entanto, era possível atingi-lo, ou pelo menos pareceria possível naquele momento.


As ciências humanas e sociais surgem um pouco depois que as ciências naturais, já com um grava problema metodológico: a neutralidade. Esta que seria um caractere fundamental das ciências naturais e exatas, jamais poder-se-ia fazer presente nestas ciências uma vez que a subjetividade do pesquisador não seria possível de ser deixada de lado, assim, os interesses, perspectivas, ideologias e outras qualidades qualitativas estariam ali naquele aspecto analítico criado pelo cientista.


Para que então saísse do mero achismo e tomasse caráter mais metódico, foi necessário que algumas perspectivas tomassem corpo, o positivismo configura como aspecto inicial, em tratando-se de ciências sociais. Mas falando especificamente da História, podemos trazer para análise um importante personagem: Madame de Stael. Esta que traz uma novidade metodológica, a plausibilidade pela verossimilhança.


Isso foi de profundo impacto na História, porque uma vez que tomando um texto por verossímil, ou seja, que seja possível ou provável que aquilo ali escrito ocorra, é possível fundar um princípio de plausibilidade, e sendo-o tal ele pode ter dito como fonte, ou seja, ele pode ser aceito como um fator substância da análise realística, que mais tarde, tonar-se-á uma verdade.


Isto inaugura a primeira flexibilidade da história, e também da ciência, uma vez que aquilo que é possível, e, portanto, se é possível, não se sabe se o é ou não, torna-se como elemento sintetizador da verdade. No entanto, claro, isto não tirou o peso da verdade, somente tornou-a líquida, isto porque o líquido possui volume e peso claramente definido, somente sua forma é que depende do local em que ele esteja, de seu recipiente, assim, a verdade ainda era verdade, somente o seu modo de ser é que flexibilizou, uma vez que fica claro aqui que o método escolhido, como por exemplo a elegibilidade daquilo que é ou não fonte, muda completamente os resultados obtidos, portanto dizer que tais documentos podem ser fontes verossímeis, atesta-se que em fato a verdade não passa da maneira como se olha, do método, do modus.


Mais tarde, as ciências humanas, junto com as sociais encontram-se em um novo estado constitutivo, muito disto, deve-se aos impactos filosóficos do vazio existencial com as recém descobertas das ciências naturais sobre o universo e sobre o átomo e seu “mundo” da mecânica quântica a posteriori, perspectiva esta inclusa na análise de Karl Jaspers. Isto porque, se a ciência inicialmente trouxe ao homem o poder -em partes- e a esperança de mudar a história humana, suas descobertas mostraram o quão pequeno ele era e, porque não, sua total insignificância.


Neste cenário pouco utópico, as várias hipóteses líquidas começaram a chocar-se, entrar em conflito em uma grande arena promovida pela ciência, onde só as melhores iriam tornar-se ciência, anterior a esta guerra, as hipóteses e também verdades líquidas, facilmente venceram as verdades sólidas. No entanto, agora neste novo conflito o choque constante e cada vez maior destes líquidos para lutarem pelo trono, promoveu um novo ambiente e nova relação do homem para com a verdade.


Neste momento, em uma perspectiva mais contemporânea podemos entender isto com a seguinte pergunta: se você tem mais de 20 anos, quantas vezes já ouviu falar que o ovo faz mal, e depois isto muda para ouvir dos benefícios do ovo, que mais tarde passa a ser maléfico e este processo ad eternum? Pois bem, com tanta mudança de “trono”, estar nele parece ter perdido sua glória, desta forma, parece que refletido na população, a verdade não parece mais um aspecto de grande valia, a menos claro em alguns casos específicos que ainda continuam com grande peso, em contrário, de tanto ouvir sobre o ovo, pouco mais importa ser ou não maléfico, se eu quero eu irei.


Isto gerou uma história gasosa, uma verdade gasosa, em que vc sente seu cheiro, ela está ali, mas não possui peso (importância, valor) e não possui forma. Neste contexto a verdade nada mais é do que a simples mimese do historiador, ou seja, é uma representação dele da realidade, e isto pode tornar-se-á verdade, sendo subjetivamente construído a partir de parte de si e parte de um mecanismo de captação de dados que são considerados permitidos, aceitos para formular a verdade. Ela pode ser quase tudo, desde que não dure muito tempo, pois o próprio ato de durar implica um peso, uma forma, e justamente isto ocorreu com a ciência, suas verdades estabelecidas não duram, se você realizar uma pesquisa hoje em artigos acadêmicos, amanhã surgirá novos com refutações dos artigos do dia anterior, nada dura, para fazer uma analogia com a frase de Marx, em que na modernidade tudo iria se desmanchar no ar. Além disso, autores contemporâneos, como no pós modernismo, apontam para tal perspectiva. Além disso, a dialética contribuiu imensamente para a adentrada da ideologia no pensamento científico, colocando a prática e a teoria inseparáveis, logo, a práxis do historiador confundir-se-á com sua própria teoria, no entanto, não iremos nos alongar aqui nesta ideia.


É mister pensar que tal característica não está deveras gasosa a ponto de nada mais permanecer e nada mais durar, em realidade, na América Latina, em contraste com a Europa, passamos por um momento de aparente transição, no entanto, não é possível dizer exatamente em que, a esquerda, não só aqui, passa por momentos marcantes de descrédito e de uma aparente perca de movimento social, talvez com as eleições de 2018 tenhamos um apontamento de onde isto pode nos levar, até lá podemos somente fazer parte de cenário de guerra e contribuir com mais uma ideia para ser jogada em uma grande rinha de galos em que tornou-se a ciência, sem perguntar-nos em que condições estas brigas deverás estão a ocorrer.


Texto: Matheus Lucio dos Reis Silva

26 visualizações

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page