Recentemente presenteei um conhecido vereador de minha cidade com um livro que particularmente gosto muito. Trata-se de O Principe, do filósofo florentino Nicolau Maquiável. O presente oferecido foi possível em parte pela ligeira aproximação que tive com o tal vereador durante algum tempo, fato que, por circunstâncias desconhecidas, não se perpetuou. A Ímpeta iniciativa de oferecer o livro ocorreu-me em razão de uma sorateira esperança no vereador, nas suas ideias e propostas que, inicialmente, se apresentavam progressitas e na contramão do conservadorismo político e provincianista.
Em dia claro e ensolarado, convidei o mencionado vereador, por meio de aplicativo de mensagens, a se dirigir à minha residência para lhe oferecer em regalo um livro que acreditaria poder ajudá-lo na recente e, possivelmente, ardil trajetória política que iniciara. Passados alguns dias, semanas até, o vereador entrou em contato dizendo que viria buscar o livro. Assim, logo o recebi e começamos a dialogar sobre temas variados, mais do que de pressa, nos direcionando para a temáica do segmento político em si. Imediatamente, fui buscar o pequeno livro, editado pela Companhia das Letras.
No exato momento em que entreguei o livro ao vereador, este olhou atentamente a capa em cor vermelha e concentrou-se no título do mesmo. Indagou-me:
O Príncipe?
No que respondi de súbito:
Exato.
Logo, seguiu indagando:
Fala de um principe mesmo? Conta uma história?
Mais do que de pressa, redargui:
Não exatamente.
A curiosidade e a inquietação tomou conta frente ao movimento com as mãos constante das folhas e páginas do livro. Antes mesmo de me agradecer pelo presente e se despedir – porque havia um comprimisso importante para participar – continuei explicitanto os motivos e as razões do presente oferecido.
Afirmei que aquele livro, se lido de forma séria e dedicada, poderia lhe ajudar em muitos aspecto da vida pública e na política. Disse ainda, enquanto continuva a folhear o livro, que se tratava quase que como um “manual” de política, indo mais distante em minhas digressões, aludindo que se poderia mesmo confirmar de que se tratava de um bom manual para políticos em potencial, como no caso descrito. De certa forma, ao menos aparentemente, o vereador demonstrou ímpeto interesse em ler o livro e disse-lhe que gostaria do fedback, assim que terminasse a leitura.
Assim, já com as horas adiantadas para o compromisso que tivera, despedimo-nos com a expectativa de podermos retornar a conversa que quase se tornava uma discussão política e filosófica. Confesso que em minha mente imaginava que a leitura da obra de Maquiavel convictamente ajudaria ao recém vereador a agir frente a determinados problemas e obstáculos comuns na carreira política. Passados alguns dias, recebo uma mensagem do iniciante vereador afirmando que gostaria de conversar, e se seria possível marcarmos um encontro. Disse animadamente que sim. E que o encontro poderia ser em minha casa, onde lhe presentei com o livro.
No dia e hora combinados, nos encontramos e começamos a dialogar. Como imaginava, o tema e o assunto da conversa circundava as interpretações e inquietaçoes causadas pela leitura do livro pelo então vereador. Questionou-me então após ter dito que lera o livro e que não havia entendido alguns pontos e trechos do mesmo:
Eu li o livro e não entendi algumas coisas. Gostaria que me ajudasse a entender, pois acredito que fiz confusão.
Com certa animação respondi que poderiamos aproveitar o tempo daquela tarde para discutirmos os pontos colocados em dúvida e aqueles que porventura poderiam suscitar questionamentos. Não de outro modo, logo laçou em minha direção a primeira pergunta:
Não sei se esta correto. Mas, pelo que entendi, Maquiável afirma que é melhor ser temido do que odiado? Isso é mesmo verdade?
Ao que respode afirmativamente.
Por que?
E disse-lhe que era essencialmente necessário compreender o contexto histórico e político em que vivera Maquiavel. Trata-se de um período da história, mais precisamente século XVI, em que a Itália ainda não se constituía em um estado-nação, fato que vem a ocorrer tardiamente, tão somente no século XIX. Ainda cotinuei com a resposta dizendo-lhe que Maquiável preocuava-se com os conflitos existentes entre difrentes regiões e potentados, como a histórica disputa militar e comercial entre Gênova e Veneza. Grande parte do desejo de Maquiavel era vislumbrar uma Roma unificada e, de certa forma, porque não dizê-lo, pacificada.
Diante disso, para responder de uma vez a questão colocada, disse-lhe que dependendo das circunstãncias, era melhor ao “príncipe” agir com mão de ferro do que tolerar as condescendências e perder seu governo. Com esmero, continuei argumentando que não se tratava, nos dias atuais, de ser autoritário, mas, sim, vez ou outra, em comum acordo com as circunstâncias exigidas, tomar decisões que, em um primeiro momento, possam desagradar a maioria. Nessa ótica, seria então, de acordo com a premissa maquiavelina, “melhor ser temido do que odiado”.
Logo que terminei de responder à sua primeira questão, veio a segunda:
Uma coisa que me deixou intrigado, de certa forma, foi a afirmação de que devemos nos cercar de pessoas certas e descartar aquelas que nos querem o mal.
Ao que lhe dei como resposta:
Exatamente.
Maquiavel entente que o “príncipe”, no caso, o governante – servindo inclusive para nossos governantes atuais – devem lançar mão de pessoas, auxiliares, consellheros, “assessores”, que estejam ao seu lado e compartilham de suas opiniões e decisões. Maquiavel determina que essa escolha deve ser exclusivamente do próprio governante. Para além disso, cabe ao governante observar com atenção qualquer desvio de conduta que ataque a índole e a manutenção de si mesmo no poder, pois a inveja e a cobiça podem lhe tomar tudo.
Portanto, saber com quem lidas diariamente no trabalho e na vida cotidiana da política é sempre um bom conselho dado por Maquiável neste livro belíssimo. Ao finalizar, o amigo vereador lançou mais uma questão:
Tem uma dúvida em relação ao passado. Parece que Maquiável afirma que podemos apreender com o passado? É isso?
Ao que respondi:
Digamos que sim.
Considerado por alguns historiadores, um copetente cientista político, Maquiavél deixou um pensamento histórico e filosófico significativo e admirável. Acredita que as ações humanas se constituem pelos próprios homens e observava no passado um exemplo claro e prático de como se deve organizar o presente.
Contrário à concepção teleológica e teológica da história, admite que o conhecimento histórico é um meio de se apreender com os erros do passado. Maquiavél capta o conteúdo a priori da história, seguindo sua utilidade prática, evidenciando métodos aos quais o dirigente político deve adotar.
Preocupado com as ações políticas de seu tempo, Maquiavél expõe em seus postulados teóricos, um certo tipo de “exemplo” a ser seguido, com o objetivo evidente de o governante não incorrer em erros já cometidos na história. Para isso, adota o exemplo de Roma como um modelo histórico aos governantes políticos de sua tempo. Isso porque Roma, no período antigo, vivia constantes conflitos políticos, o que gerava um estado de instabilidade.
Diante a estes pressupostos, encontramos na teoria maquiaveliana a “imitação”dos tempos antigos, que devem servir de “remédios” para os “príncipes”-governantes. É preciso antes de tudo, extrair lições úteis do passado para convertê- los em meios de transformar o presente. O mais interessante em Maquiavél é que, não se trata de uma simples “imitação” mecânica, no presente, de ações plenas de êxito do passado, mas sim , de uma proposição pedagógica de ações a serem tomadas.
Dentro dessa perspectiva, encontra- se a “virtú” do príncipe. De acordo com as devidas circunstâncias, o governate político teria a “virtude” necessária, baseados nos equívocos ou acertos do passado, a atitude, seja ela boa ou má, de aplicar o melhor “remédio”em seu tempo presente. Nesse aspecto, o discernimento do “príncipe” é fundamental, para que não se acometa os mesmos erros dos antigos, uma vez que, nem sempre os mesmos remédios produziram os mesmos resultados.
Interessando-se pela discussão, o vereador foi se envolvendo pelos príncipios teóricos de Maquiável e logo percebendo que aquele livro se tratava de um “manual político”. Isto pôde ser claramente notado em sua fala:
Nossa...estou realmente impressionado com esse livro. Estou certo que vai me ajudar muito na política. Quando possível, vou indicar para amigos e conhecidos também da política. Certo que depois dessa conversa ficou um pouco mais claro os principais pontos adotados pelo livro e por Maquiavel.
Ao que imediatamente continuei:
Concordo. Certamente que se nossos políticos lessem Maquiável possivelmente teríamos melhores e mais reponsáveis administrações públicas neste país. Na verdade não apenas Maquiável, como tantos outros.
Ao final de nossa conversa, disse-lhe que o presente tinha uma intenção: provocar, a partir da leitura, questionamentos internos que levassem a um aprimoramento da prática política, no caso, da recente experiência no campo político. Continuei dizendo-lhe que o verdadeiro governante é aquele que possui discernimento sobre determinadas situações, em diferentes contextos e ciercunstâncias. Além disso, o verdadeiro governante, e este é um ensinamento prático de Maquiável, é aquele que estará quase sempre voltado para os anseios do povo, pois sendo maioria, o povo pode rebelar-se e assaltar-lhe o poder.
Boa semana para todos e todas!
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