Há quem diga que os movimentos sociais a favor das ações afirmativas são ilegítimos, indagação esta que nos leva a perceber um aumento considerável do preconceito. Meu caro, basta recorrer ao nosso histórico de marginalização dos negros no Brasil para constatar que é algo vindo desde a formação do Estado brasileiro enquanto forma de organização social. No período colonial já fora decidido quem seriam donos do modo de produção e quem seria força produtiva estabelecendo, assim, uma relação entre escravos e senhores.
Nina Rodrigues, médica da Escola Tropicalista Baiana no século XIX, afirma que a miscigenação era um ato que com menos de cem anos iria embranquecer o país, mostrando que o racismo não é um problema somente de caráter, bem como estrutural de uma sociedade extremamente conservadora, que luta para perpetuar os “bons modos” do período colonial.
Pensando nisso, é necessário conhecermos as raízes históricas de um país que fora forjado pela escravidão em meio a um discurso elitista baseado numa falácia de um "darwinismo social" que até a década de 30 do século passado era muito forte. A inferiorização do sujeito negro também ocorre posteriormente a 1930 com a ideia do mito de uma “democracia racial” apontada por Gilberto Freyre na sua obra Casa Grande e Senzala (1933), explicando que não há racismo no Brasil e não se fala mais nisso, o que existe é a miscigenação para a criação do “homem dos trópicos”.
Quando se fala de ações afirmativas (cotas raciais) é fundamental recorrer à formação do povo brasileiro, se não corremos o risco de analisar a sociedade a partir de um “presentismo”, de que as coisas sempre foram assim mesmo. Todavia houve muito derramamento de sangue para que hoje pudéssemos ter uma sociedade mais justa. Acredito que, antes de falar que as cotas raciais são privilégios e disseminam o racismo, é interessante ver o que pesquisadores engajados na área dos movimentos sociais estão produzindo.
Não é perca de tempo olhar o que foi o movimento negro no Brasil na sua gênese, o que foi o Teatro Experimental do Negro (TEN) com Abdias do Nascimento e vê o trabalho que está sendo desenvolvido pelo Instituto Luiz Gama com Silvio Luiz de Almeida (que é uma figura espetacular). Marx para fazer a antítese do capitalismo leu Adam Smith manifestando que antes de refutar algo é preciso conhecer e a partir disso formular ideias.
Marilena Chauí no seu livro “Brasil: o mito fundador e a sociedade autoritária” (2001) aponta justamente à formação de um povo brasileiro criado a ideia de paz e harmonia, onde os indivíduos são recíprocos. Porém, a filósofa busca desconstruir esta imagem falsa do brasileiro, cuja ações afirmativas nada mais são do que uma correção das disparidades comedidas com pessoas que sempre viveram marginalizadas, e não uma forma de privilégios.
Hoje nós lutamos contra o racismo, então é desejável que num futuro próximo nossos filhos olhem para nosso tempo e se espantem com o fato de que vivíamos numa sociedade racista e “segregadora”. Temos esperança de que as próximas gerações vejam o racismo como um ato de barbárie e não naturalize esta ação. Apesar de tempos difíceis, acreditamos e lutamos por uma sociedade mais justa, na qual ser negro ou branco, ou fazer parte de grupos ditos “minorias” não seja motivo de nos sentir ameaçados.
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