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Modernidade e Ressignificações de Tempo-Espaço: novas teias epistemológicas

Foto do escritor: Iago BrasileiroIago Brasileiro

Há uma variedade de intepretação sobre o advento da modernidade. Cientistas Sociais tem se debruçado sobre tal fenômeno para tentar desmistificar a sua gênese. Existe uma concepção de aproximar o conceito de modernidade a os avanços tecnológicos, na visão do senso comum (no nosso cotidiano). Porém, essa discussão vai muito mais além do que um olhar superficial em relação à temática.

Autores como Bauman (2014) no seu clássico Modernidade Líquida e Berman (1982) Tudo que é Sólido Desmancha no Ar: a aventura da modernidade estão centrados na análise da modernidade dentro do campo epistemológico eurocêntrico. Embasado em autores e problemas da Europa e, sobretudo, com um olhar voltado a explorar a demarcação temporal/espacial criada a partir da perspectiva da episteme e das produções de sentido criadas na Europa com um recorte temporal do século XVIII com a Revolução Francesa e Industrial Inglesa.


Aqui iremos abordar outra interface da modernidade tendo seu surgimento no final do século XV início do XVI ou até mesmo em outras localidades e temporalidades que serão levantadas no decorrer do texto. É nítido que um tema como este leva mais tempo e reflexão, mas nossa análise busca esquivar da visão de mundo “europeizada”, é um pressuposto teórico-metodológico que vem ganhando força nos fins da década de 1990, com intelectuais orgânicos, como Boaventura de Sousa Santos, Aníbal Quijano, Enrique Dussel e entre outros.


Esses autores citados por último são da chamada tradição decolonial, que tem nos seus estudos como “pano de fundo” um olhar crítico e “descolonizador” do espaço geográfico, porém a grande contribuição desta corrente de pensamento está na criação de uma nova proposta descolonizadora das Ciências Sociais de modo geral.


A inovação em termos de teoria do conhecimento dos pensadores decoloniais estão na não aceitação da modernidade como um processo de desenvolvimento, prosperidade rumo ao bem estar social, cuja visão dialética da decolonialidade que é um esforço genuíno de politização. Problematizar o valor moral e epistemológico e tempo/espaço da modernidade nunca foi tão necessário com na contemporaneidade.


Dussel (2009) se valendo de Habermas (1989) que tem o advento da modernidade num período meio “nebuloso”, na Europa no século XV. Com o Renascimento italiano, a queda de Constantinopla em 1453, A rebelião de Lutero contra a Igreja Católica em 1517, e sua solidificação com a Revolução Francesa em 1789. Os autores decoloniais vão na contramão desse discurso.


Para Dussel (1993) na sua obra 1492 O encobrimento do outro: a origem do mito da modernidade vê Colombo como o “primeiro homem moderno” ao se lançar ao Atlântico, rumo as Índias Ocidentais. Na perspectiva de Quijano (2009) Modernidade, Capitalismo e América Latina surgiram juntos. Mas talvez a grande polêmica foi lançada por Dussel (2009) no seu texto Meditações Anti-Cartesianas Sobre a Origem do Anti-Discurso Filosófico da Modernidade.


Neste texto Dussel (2009) levanta questões que problematiza uma nova configuração de recorte temporal/espacial sobre a modernidade. Para o filósofo argentino os acontecimentos que dão sustentação para o período moderno como o surgimento da pólvora, da empresa, o estudo da anatomia do corpo humano, o resgate da cultura greco-romano já haviam sido colocado em questão no Oriente. Segundo Dussel (2009) os chineses tinham inventado o papel no século II e a pólvora no século V.


O Renascimento italiano defendido por Habermas como marco da modernidade é refutado. Não podemos perder de vista, que, as bases que esta crítica se assenta, é em argumentos pertinentes. A filosofia da Grécia Antiga renasceu na Europa do século XV, porém, a mesma nunca deixou de existe no mundo islâmico.


Para Hourani (2006) intelectuais como Avicena e Averróis que se dedicaram aos estudos da medicina anterior aos renascentistas do quatrocentos na Europa Ocidental. As contribuições dos pensadores islâmicos também tiveram importância na preservação dos escritos de Platão e Aristóteles, cuja filosofia desses sempre esteve presente no mundo mulçumano, diferente do Ocidente que se estagnou em termos de produção do conhecimento no período da Idade Média. Recentemente a BBC Brasil publicou um pequeno artigo de jornal mostrando que o pensador iraquiano Al Jahiz já tinha formulado a teoria da evolução atribuída a Darwin há mil anos.


A abordagem de Dussel (2009) caminha a contrapelo para utilizar um termo benjaminiano, ou seja, é um está engolfado diante das problemáticas epistemológicas que são colocadas pelos dilemas sociais. Para ele esta tentativa de criar uma ideia de nascimento da modernidade na Europa é uma tentativa de apagamento da mesma como periferia do mundo muçulmano. A Europa só vem a se tornar centro-mundo com o “descobrimento” (ou “encobrimento”, como nos lembra Dussel 1993) da América.


Há um anti-discurso da modernidade na obra História de las Índias, marcada pela critica ao genocídio das comunidades indígenas na América, escrita por Bartolomé de Las Casas como o primeiro crítico da modernidade/colonialidade na concepção de Dussel (2009) ainda citando um pensador ibero-americano conhecido como Guamán Poma (1534-1615), que criou um novo sistema de intepretação do cristianismo colocando a América e seus habitantes no sistema-mundo que foram explorados por um mau uso ou entendimento das Escrituras Sangradas da tradição judaico-cristã.


Na tradição do pensamento europeu Descartes é primeiro pensador moderno. Dussel (2009) aponta outra interface colocando os padres jesuítas como os intelectuais de varguarda da modernidade europeia. A tese do filósofo argentino e que, a “conquista” da América cria uma nova visão, de um paraíso na terra, o Jardim do Éden, que foi sendo criado e inventado no imaginário social dos ibéricos.


Por muito tempo esta foi uma espécie de filosofia da história que inseriu a América na história da humanidade, cuja visão ficou restrita a península ibérica, em especial aos jesuítas que criaram um novo debruçar filosófico em torno da interpretação do mundo, agora com a América fazendo parte de tal processo que era anteriormente ignorada por intelectuais como Heidegger como Assevera Maldonado-Torres (2009), um espaço sem relevância. Há uma ressignificação do pensamento europeu com incursos rumo a América.


Como nunca a tradição decolonial vem apontando novas perspectivas e abordagens sobre questões que antes eram inquestionáveis. É preciso notar a atualidade dessa tradição de pensamento para nos dar base para compreender alguns empasses que são colocados no tempo presente. O saber que é produzido em outras esferas fora da Europa, dentro do Sul global. Para fechar, como diz Boaventura de Sousa Santos: “Aprender que existe o Sul; Aprender a ir para o Sul; Aprender a partir do Sul e com o Sul”.

 
 

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