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Moro: Um Ministério da Justiça aos moldes do Ingsoc


No dia 1ª de novembro de 2018 foi anunciado que o até então Juiz Sergio Moro se tornaria o Ministro da Justiça e Segurança Pública do recém-eleito à presidência Jair Bolsonaro. Elevado ao status de “herói” pela ala reacionária do país e por parte da mídia nacional, Moro se tornou o garoto propaganda do discurso/falácia anticorrupção do novo governo. Chamado de superministério pelo presidente, já que em um primeiro momento o Ministério além de fundir os antigos Ministérios da Justiça e de Segurança Pública, o órgão que comanda a Policia Federal, também ficaria responsável pela Controladoria Geral da União (CGU) e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), atualmente sob o controle do Ministério da Economia de Paulo Guedes. Diante da centralização das funções e das ações praticadas pelo ex-juiz (reveladas pelos vazamentos do site The Intercept Brasil) e depois de assumir a atual função com a perseguição aos seus acusadores nos faz lembrar da ironia usada por Orwell em seu clássico 1984 ao construir os conceitos dos Ministérios do Ingsoc.


Em seu livro publicado em 1949 George Orwell descreve acontecimentos de um futuro distópico de 1984 - um mundo controlado por um governo totalitário liderado pela figura do Grande Irmão. O partido no poder era composto por quatro Ministérios todos carregados por uma constrangedora contradição: O ministério da Paz responsável pela Guerra com os países vizinhos; o Ministério da Fartura/Riqueza responsável pelo controle da escassez de alimentos, e escassez de recursos; o Ministério do Amor responsável pela espionagem, tortura e assassinato dos opositores do partido e o Ministério da Verdade responsável por manipular os dados, as informações e espalhar mensagens falsas para a população como se fossem verdadeiras. A distopia se faz presente em nossa realidade materializada em um Ministério da Justiça que age com parcialidade, protegendo pessoas de seu interesse e perseguindo opositores políticos, jornalistas e fontes.


As informações publicadas pelo site The Intercept Brasil revelaram algo que já era muito claro para grande parte dos intelectuais progressistas do Brasil e do mundo: a parcialidade do juiz Sergio Moro. Em um julgamento que mais parecia uma encenação teatral onde a falta de provas era substituída por convicções, juntamente com uma pressa sem precedentes na justiça brasileira para colocar em cárcere um politico que se solto seria um forte candidato a presidência. Os vazamentos revelaram entre outras coisas uma estreita relação entre o juiz e os procuradores, sugerindo procedimentos técnicos, troca de promotores, expedindo conduções coercitivas sem necessidade, impedindo que o réu desse entrevistas, realizando vazamentos ilegais de áudios da presidenta, barrando investigações contra políticos aliados como FHC. Tal parcialidade ficou mais que evidente quando o Juiz que prendeu o líder das pesquisas presidenciais do processo eleitoral aceitou um cargo oferecido por aquele que mais se beneficiou da prisão, Jair Bolsonaro, que mais tarde revelou ter tido um acordo com Moro para indicá-lo ao Supremo Tribunal Federal, um cargo vitalício.


Mas por que mesmo diante de tantas irregularidades perceptíveis aos olhos dos progressistas durante os julgamentos continuavam a passar batido por grande parte da ala reacionária do país? Porque assim como Orwell demonstrou a importância da redefinição dos sentidos das palavras na “novilíngua” para a dominação do pensamento coletivo e manutenção do sistema político de sua distopia, aqui também se fez presente uma redefinição da palavra “Justiça” substituindo seu sentido original, reescrevendo-a como: “prendam quem não gosto independentemente de quantas leis precisam ser quebradas para isso.”


Com a palavra Justiça desassociada de seu clássico sentido o Ministério da Justiça então cumpre nova função, a de promover a arbitrariedade e a perseguição e instalar um estado de exceção.


Poucos meses após a posse de Jair Bolsonaro estoura nos jornais o escândalo envolvendo o filho do presidente, Flávio Bolsonaro, e seu motorista Fabrício Queiroz sendo divulgadas diversas provas de transações financeiras ilegais. Estoura também a ligação de proximidade de Flávio Bolsonaro com grupos milicianos suspeitos de matar Marielle Franco (Deputada do PSOL), com contratações de familiares e almoços com os milicianos investigados. Casos que foram sumariamente ignorados pelo então Ministro da Justiça após mais de seis meses Queiroz sequer foi encontrado para prestar depoimento.


Os Vazamentos divulgados por Glenn Greenwald, o mesmo jornalista que divulgou o mundialmente famoso caso Snowden, escancaram claramente uma grande quantidade de crimes cometidos pelo até então Juiz Sergio Moro, que diante do bombardeio de vazamentos insiste em negar a autenticidade dos diálogos apesar dos mesmos terem sido comprovados por diversos veículos da impressa, renomados jornalistas e envolvidos. Mesmo com todas as provas e denúncias nenhuma investigação ou sindicância fora aberta para apurar a culpa de Moro. Pelo contrário, se inicia uma caçada feroz pelos responsáveis pelo vazamento das conversas. Os responsáveis por expor os crimes passam a ser tratados como criminosos e a agilidade da força tarefa da polícia federal (não vista no caso Queiroz) encontra os supostos hackers em poucas semanas, com as ordens destruir as provas encontradas.


Em uma tentativa de silenciar o jornalista americano, Moro cria a portaria 666/2019 que autoriza a deportação sumária de estrangeiros considerados “perigosos” e que, após confissões no mínimo suspeitas dos supostos hackers de Araraquara, poderá acusar Glenn de associação com grupos criminosos dando uma justificativa para deportá-lo.


Mas como grande parte da sociedade assiste passivamente à toda contradição e incoerência praticada pelo Ministério da Justiça? Mais uma vez outro conceito de Orwell nos ajuda a compreender a dinâmica da relação de contradição e aceitação, o “duplipensar” a aceitação da contradição ignorando suas falhas de forma inconsciente aceitando-a como verdade inquestionável.


Por fim a mutilação intelectual de parte da população provocado pelo ódio semeado através do antipetismo conduziu a incompreensão e distorção do conceito de justiça criando uma redefinição que passa a ser partilhada pelos seus apoiadores que assistem e aplaudem o desmonte das instituições, da constituição e da garantia de direitos civis para cumprir a agenda de um governo autoritário. E assim, como os contraditórios Ministérios do Ingsoc, o Ministério da Justiça de Bolsonaro revela sua irônica face da injustiça

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