A impressão que se tem, ao olhar o Brasil contemporâneo, é a de que o espaço e o tempo sociocultural são de uma estranheza sem precedentes. É inegável que existe a construção de um preceito que procura reforçar os acontecimentos do agora como se fossem os mais impactantes de todos os tempos. Nesse sentido, é difícil mensurar se o contemporâneo é ou será mais incisivo do que os acontecimentos de outrora, porque, como afirma Umberto Eco, o acontecimento do agora é quente, sendo que os fatos frios são menos imprevisíveis para se tecer considerações.
No entanto, mesmo sabendo dos desafios de tentar enxergar o hoje, mensurando um horizonte de expectativa, de acordo com o olhar de Reinhart Koselleck, é inegável que a sensação mais presente está associada com a estranheza do agora, quando não se finda no hoje, mas provavelmente continuará em um futuro próximo.
O conceito de estranho, aqui utilizado, não está relacionado com a imprevisibilidade, tampouco pelo ineditismo, mas pela constatação de um cenário além do sombrio. A sensação acerca da necessidade da luta, do posicionamento crítico e incisivo diante de um contexto já austero, mas que tem tudo para se intensificar, não somente no âmbito econômico, mas no quesito policial, educacional, cultural, religioso, entre outros, intensifica a percepção ruim, porque não é somente sentimento, mas uma constatação.
A evidência está sustentada nas falas totalitárias que circulam nos micros e nos espaços de maior envergadura. Assim, o que deveria ocasionar estranheza, ou revolta coletiva, passa a ser entendido como não algo estranho, sendo relativizado, naturalizado, alcançando o último estágio, a saber, a alcunha de posicionamento autêntico, espontâneo e sincero.
Talvez seja possível inverter o adágio popular que assegura que seria cômico se não fosse trágico, substituindo-o dentro do cenário atual pela seguinte assertiva: “Seria cômico se não fosse estranho”. Diante da estranheza do momento alguns fatores têm ocasionado surpresa, sendo possível destacar um deles, a saber, a constatação de que muitos sujeitos que sempre lutaram contra o estado austero estão começando a se sensibilizar com a austeridade. Perante a complacência ao se deparar com o implacável, parecem terem se esquecido que a austeridade é austera somente com uma parcela social, ou seja, é impiedosa com àqueles que vivem, historicamente, sem a presença do estado.
A austeridade que estará dando as cartas com mais intensidade a partir do ano vindouro, não poderá ser compreendida somente se houver um olhar para o passado, porque o amanhã é mais do que sempre foi, principalmente pelo fato de estar respaldado por uma recente “legitimidade” popular. É inegável que as formas de se relacionar com as permanências, dentro do contexto atual, não poderá ser com as mesmas cartas, mesmo tendo a noção de que o novo representa o velho.
Os dias atuais somente serão compreendidos com um olhar profundo no e para o tempo histórico, no entanto, os ideais de transformação terão, também, que apresentar alternativas novas para lidar com os recorrentes problemas. Sendo assim, se houver um apego acreditando que somente compreender será suficiente para romper os tempos sombrios não haverá deslocamento de lugar. Nunca é demasiado ressaltar, mas a imobilidade é uma característica sine quo non do capitalismo desumano circulante nos mais diferentes rincões brasileiros.
O movimento de peças/ações, como no jogo de xadrez, terá que ser muito bem planejado, recorrendo ao imprevisível para ludibriar os poderes velhos. São tempos difíceis, principalmente pelo fato de que o obvio deixou de ser há muito tempo obvio, e se houver a insistência de afirma-lo diante de uma sociedade que recusa-o, há uma possibilidade de ocorrer uma crescente ojeriza, ou desumanização endereçada para aqueles/as que veem no evidente uma bandeira.
O amanhã se apresenta como materialização da distopia, e diante da constatação (re)apresentar uma utopia nunca antes imaginada/praticada se configura como algo premente, caso contrário o discurso de que é necessário sofrer para sobreviver, ou cortar na própria carne, que nunca é na carne de quem propõe, mas sim na dos mais necessitados, ganhará cada vez mais adeptos.
A Utopia, valendo do momento, nunca foi tão necessária, porque diante do estranho o sonho é uma ferramenta com potencial para ludibriar o poder.
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