Beltort Brecht já indagava, “Que tempos são estes, em que temos que defender o óbvio?” Em diversos momentos me lembro dessa frase, seja quando leio uma afirmação não científica, seja quando vejo pessoas sendo abertamente racistas, machistas ou homofóbicas, seja quando ouço o presidente mentir, seja quando questões sociais importantes para o Brasil são deixadas de lado etc.
Progressivamente, no atual cenário que temos vivenciado, percebo que defender o óbvio é necessário, diria que é o mínimo. Defender o maior sistema de saúde do mundo é o mínimo. Considerar imprudente e criticar a atitude do presidente de aceitar ter o Brasil como sede da Copa América, nesse contexto pandêmico, é o mínimo. Defender a aprovação de um auxílio emergencial digno é o mínimo, criticar e lutar contra ações que ferem diretamente a vida e o bem-estar dos povos originários é o mínimo, se posicionar contra ações que degradam o meio ambiente é o mínimo. A defesa do diálogo como ferramenta para a solução de conflitos, ao invés da ignorância, arrogância e brutalidade, é o mínimo. Gradativamente se faz necessária a defesa do óbvio, do explícito, do evidente. A defesa e luta pela ciência é o mínimo, em meio a inúmeros ataques promovidos tanto pelo governo federal quanto por apoiadores de Jair Bolsonaro.
Entretanto, as ferramentas utilizadas pelos negacionistas e extremistas da direita para a ocultação da verdade, tais como as Fake News, os ataques pessoais, os processos legais contra críticos do governo e as polêmicas vazias de sentido, mas que fazem um prato cheio para o desvio de atenção de assuntos realmente relevantes não surtirem o efeito desejado pelo presidente e seus defensores. A fala de Ricardo Salles, agora ex-ministro do Meio ambiente, em uma reunião ministerial no dia 22 de abril, resume não intencionalmente o método utilizado pelo atual presidente do Brasil, com relação às tentativas de desvio da atenção midiática. Salles, ao comentar sobre o destaque quase exclusivo da mídia sobre à covid-19, afirma que aquele era o momento ideal para promover mudanças em leis e normas que promovem a proteção e preservação ambiental, evitando críticas e processos nas tentativas de privilegiar madeireiros e favorecer o agronegócio.
A fala de Salles foi a seguinte: “(...) Precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de COVID e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas. De IPHAN, de ministério da Agricultura, de ministério de Meio Ambiente, de ministério disso, de ministério daquilo. Agora é hora de unir esforços pra dar de baciada a simplificação, é de regulatório que nós precisamos, em todos os aspectos”.
Desse modo, é possível afirmar que a família Bolsonaro está para a corrupção assim como Salles está para o agronegócio. Enquanto ganhavam a atenção da mídia com acusações contra a esquerda, críticas a Lula e falácias, tais como a ideologia de gênero e o terraplanismo, a corrupção da família se mantinha encoberta. Entretanto, a coleção de acusações que vão da rachadinha a interferência na Polícia Federal, passando por envolvimento com milícias, desvio de recursos, corrupção, fraude, peculato etc., não ficaram no esquecimento, assim como os mais de cem pedidos de impeachment contra o ainda atual presidente da República. Vale lembrar também dos gastos absurdos do governo, chegando a mais de 15 milhões de reais com leite condensado, mais de 16 milhões com chocolate, mais de 21 milhões com iogurte natural etc., que, não por acaso, renderam inúmeras piadas na internet. A boiada passou, mas não sem deixar rastros.
Presenciamos omissões de Bolsonaro com relação à pandemia, assim como o descaso com a saúde pública, promoção de aglomerações por todo o país, tentativas de deslegitimação da ciência, incentivo ao uso e investimento em um medicamento sem qualquer comprovação científica, assim como a exigência de sua defesa por ministros e secretários ligados ao ministério da saúde. Não por acaso, estamos no quarto ministro da saúde do governo Bolsonaro em meio a uma crise sanitária. A CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Pandemia, idealizada pelo senador Randolfe Rodrigues (REDE-AP), que tem por objetivo investigar as ações e omissões do poder executivo no decorrer da pandemia, ouviu no dia 25 de junho o deputado Luis Miranda (DEM-DF), que chegou ao Senado utilizando um colete a prova de balas. O deputado afirmou que Bolsonaro estava ciente do esquema de corrupção na aquisição da Covaxin, tendo se encontrado, juntamente com seu irmão, com o presidente e comentado sobre o fato. No depoimento, Luís Miranda apontou envolvimento de Ricardo Barros, deputado federal e líder do governo, na compra da Covaxin.
Luís Miranda alegou, em depoimento ao MPF (Ministério Público Federal), irregularidades na compra da vacina indiana. O contrato para a compra foi fechado em fevereiro, e as negociações vêm sendo investigadas desde então, agora adquirindo caráter criminal. O imunizante é o mais caro dentre os seis negociados pelo governo federal. A vacina fabricada pela Pfizer foi ofertada por 10 dólares por unidade e o governo levou 330 dias para fechar as negociações. Como já apresentado na CPI da Pandemia, foram ignorados 101 e-mails da Pfizer com ofertas de venda e disponibilidade da vacina. A Covaxin foi negociada por 15 dólares a unidade e o período de negociações para a aquisição das doses não chegou a 100 dias. O MPF suspeita de favorecimento à empresa Precisa Medicamentos que representa, no Brasil, o laboratório Bharat Biotech, responsável pela Covaxin. O fato de o governo ter um intermediário nas negociações da Covaxin, especificamente, levanta suspeitas.
O fato é que Bolsonaro, não por acaso, se disponibilizou a comprar uma vacina, ainda sem aprovação da Anvisa, por um valor mais alto, tendo rejeitado ofertas da Pfizer de até 50% de desconto no valor do imunizante. Reconhecer que milhares de mortes poderiam ter sido evitadas por esse governo genocida é o mínimo. Pessoas morreram e seguem morrendo pela omissão do governo. Pense em quantas pessoas que você conheceu e não estão mais aqui, em quantos filhos choram a perda de mães e pais, quantos amigos choram a ausência de outros, quantos casais foram destruídos, quantos milhares de vidas foram ceifadas em prol do lucro ilícito, mortes que poderiam ter sido evitadas, mortes por uma doença que já tem vacina. A corrupção por si é inadmissível. Em meio a uma pandemia, onde o que está em jogo são vidas, ela é mais que desumana, grotesca e brutal. O presidente está exposto, frágil e vulnerável, a figura do mito anticorrupção continua sendo desmentida, sua pior versão está sendo exposta. O impeachment de Bolsonaro é o mínimo.
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