Desde Platão até os tempos atuais, a filosofia política, assim como outras áreas do conhecimento, revela que o medo é uma das emoções humanas mais poderosas. Seus efeitos sobre a vida política são profundos, porque onde existe o medo, igualmente, pode surgir à instrumentalização política do medo. O filósofo inglês Thomas Hobbes sustenta em sua obra Leviatã que o medo à insegurança e à desordem leva os homens a abrirem mão da sua liberdade, e, por meio de um pacto, escolherem um soberano que lhes governe de forma absolutista e/ou com mão de ferro.
Seguindo essa perspectiva hobbeseana, depreendemos que nos tempos atuais, em muitos Estados democráticos, inclusive no Brasil, a situação de insegurança e desordem faz com que muitas pessoas aceitem de bom grado que as vigiem e controlem eletronicamente, que as revistem e que militarizem o espaço público. Tal permissão voluntária se dá por causa de outro sentimento que também é muito forte no ser humano, que é o sentimento de esperança. A esperança de mudança, de superação da desordem e do perigo faz com que as pessoas se rendam a propostas políticas que, na verdade, constituem a negação da vida política em si.
Nesse contexto, o sociólogo Manuel Castells afirma que: “paulatinamente, o que constitui exceção por motivos de segurança vai se transformando na regra que rege nossas vidas”. Ainda, de acordo com o sociólogo citado, em todas as sociedades os setores mais vulneráveis, geralmente, são os que mais agem politicamente movidos pelo sentimento de medo. Dessa forma, as pessoas que constituem tais setores tendem a aderir àqueles políticos que insinuam não fazer parte da elite política e que por isso articulam discursos simplistas e diretos, os quais, às vezes, chegam a ser xenófobos, racistas e homofóbicos.
Tais políticos se mostram frente à opinião popular como os salvadores da pátria. Eles simplificam a complexidades dos problemas sociais, denunciam intensamente a corrupção, mesmo quando eles também fazem parte dela, e apelam para força do Estado como a forma mais eficaz para resolver todos os problemas que incomodam a sociedade. De igual modo, este tipo de político que se determina de acordo com as circunstâncias, de maneira oportunista, propaga um conjunto de práticas políticas que apontam para uma volta ao início do Estado. Que inicio é este? Geralmente, eles restringem esse início do Estado a dois elementos, a saber, a família patriarcal como guardiã dos bons costumes que protegem o mundo do caos, e, Deus, como o fundamento de tudo.
No Brasil, as eleições de 2018, em grande medida, foram marcadas por este contexto, de medo e oportunismo descrito acima. Ou seja, no que diz respeito à disputa pela presidência da república fora forjado um medo coletivo no seio da sociedade e de igual modo foi delineado um candidato como se fosse um messias, o salvador da pátria. O resultado disso foi que muitos eleitores por medo de coisas irreais votaram num candidato a presidente, o qual, depois de eleito e empossado tem lançado o país numa situação de perigo real.
Quais elementos podem sintetizar o medo que assolou a maioria dos eleitores? Quais fatores podem revelar o perigo real, ao qual o país vem sendo lançado?
O medo do irreal pode ser tipificado de quatro maneiras:
- O medo exagerado da criminalidade e/ou da violência que levou muita gente a apostar num governo que prometia tolerância zero ao crime e à facilitação do uso de armas de fogo para o cidadão comum.
- O medo exagerado de que a corrupção política já tinha alcançado o seu cume ao ponto de já estar desmoronando todo o tecido político. Por isso, muita gente apostou num presidente que prometia tolerância zero com a corrupção e, igualmente, promover o reordenamento da vida política e da sociedade como um todo. Pois, na concepção deste, o país estava totalmente degenerado e carente de uma gestão conservadora.
- O medo exagerado de que os costumes morais imperantes perdessem a sua hegemonia. Isso levou muitas pessoas confiarem num presidente que se dizia o baluarte da moral cristã e dos bons costumes.
- O medo da volta a um suposto modelo econômico populista, defendido pelo candidato do PT, que supostamente mergulharia o país num caos por priorizar em demasia as funções sociais do Estado. Esse tipo de medo motivou muitas pessoas, sobretudo, as mais ricas a apostarem num candidato que prometia um modelo econômico ultraliberal, com o mínimo de intervenção da parte do Estado. Esse medo da elite econômica dominante de perder o status quo, em grande medida, já vinha resultando em ataques às políticas públicas sociais que foram implantadas pelos governos progressistas anteriores e que beneficiavam, sobretudo, os mais vulneráveis economicamente.
Enfim. Acontece que essa sensação de medo de perigos irreais, em grande medida, foi forjada por meio de Fake News no imaginário coletivo, fazendo com que muitas pessoas buscassem um porto seguro, apostando no atual presidente. Porém, tal aposta está desembocando numa situação de insegurança e perigo real. Isso pode ser explicado a partir dos seguintes fatores:
O modelo de política encampado pelo presidente eleito representa a negação da política porque ele é avesso à pluralidade e aos conflitos que constituem e/ou estruturam a vida política. Ou seja, em linhas gerais, Bolsonaro revela aversão a muitos dos fundamentos e objetivos da Constituição Federal de 1988, a saber:
Art. 1º Fundamentos da República Federativa do Brasil:
I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político.
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Essa postura de aversão a muitos dos fundamentos e objetivos constitucionais por parte de um presidente da República significa um perigo real à vida política democrática porque, além de outros malefícios, tal postura enseja uma imensa perda de direitos conquistados ao longo da história. De igual modo, também enseja uma busca por doutrinação de todas às instituições que visam diminuir as desigualdades nos cenários contextualizados acima.
É sabido que para o segmento neoliberal a figura do Presidente não é a melhor, portanto, é útil para ser usado no cenário do fortalecimento da elite, culminando na desintegração de outras forças que possam contrapor a política liberalista, consistindo num grande calafrio para a população.
No âmbito econômico percebemos uma afronta à sociedade, quando o grupo ligado ao governo menciona como uma conquista importante para o país à valorização dos números da balança comercial como indicador do fôlego econômico. Pois, para quem tem um olhar atento verifica-se que essa marola econômica não representa o principal processo que atinge de forma positiva a massa, que é geração de emprego e distribuição de renda, aparecendo no espaço geográfico com sintomas de enfermidades profundas, ao ponto de achatar o poder de compra dos brasileiros de classe baixa. Sabendo-se que a mola propulsora da economia é o consumo, ficando este defasado e implicando no fechamento de diversos pontos comerciais agregados à falta de incentivo de uma política favorável ao microempreendedor, os dados e fatos mostram perdas reais decorrentes da política econômica atual.
Qual é a possibilidade de os indicadores sociais apresentarem mudanças notáveis nesse governo já que a distribuição de renda não é uma bandeira real deste grupo e muito menos os investimentos nas áreas sociais? O Governo Federal comemora um aceno do Governo norte-americano em introduzir o Brasil no grupo da OCDE, (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), visto que temos Chile e o México como países americanos que não pertencem ao grupo de países desenvolvidos e estão na OCDE, que passam por graves crises em todos os principais cenários.
A participação do Brasil deve ter como foco a geração de emprego, a diminuição da miséria, a elevação da qualidade da saúde e da educação, e a contribuição com a sustentabilidade ambiental. Do contrário, o Brasil aparecerá como uma colônia de exploração para satisfazer as necessidades básicas dessas metrópoles nacionais que determinam as regras do grupo. Não podemos deixar de fazer uma reflexão do lobo com a pele de cordeiro nessa proposta vinda da Casa Branca para o Palácio do Planalto. Apesar de tal proposta ter uma ótima aceitação do governo brasileiro, isso não garante que teremos mudanças de melhoria na grande massa populacional. Portanto, estamos em um declive escorregadio.
O Governo bolsonarista, mesmo tendo uma queda na sua rede de apoio, consegue manter, juntamente com um grupo que ainda não desembarcou da sua plataforma política, as mesmas ideias excludentes da campanha eleitoral. Ideias essas que têm possibilitado o aumento do feminicídio, da homofobia, da destruição ambiental, do ataque aos povos indígenas, da destruição da educação pública, etc. Como se não bastasse essa política que mina os direitos sociais e agride os setores mais vulneráveis da sociedade, é comum ouvir dos simpatizantes desse governo que tais ações políticas estão convertendo em avanços e reordenamento do país.
Vale destacar que essas ideias estão ligadas ao logotipo de defesa da moral e da família. Mas, que família é essa que está no emblema de uma política gerenciada pelo Ministério do Estado da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos? Certamente não é o modelo de família que contempla todos os cidadãos e cidadãs brasileiros.
No final do ano de 2019 o Governo Federal festejava o resultado favorável à diminuição das invasões de terras. Os movimentos sociais que defendem essa bandeira de luta estão engessados pela truculência de um governo que não estabelece como pauta principal o diálogo, mas, ameaça por meio da força, deixando as pessoas simplesmente inertes ao cenário de medo.
A política agrária que este governo vem implantando visa, acima de tudo, o fortalecimento do agronegócio e a utilização cada vez maior de agrotóxico com o mínimo de respeito ambiental. O Ministério do Desenvolvimento Agrário foi extinto e transformado em departamento sem expressividade para a atual conjuntura. A tendência desse cenário é provocar a diminuição da agricultura familiar. E isso possibilita o aumento do desemprego e o acúmulo de pessoas nos espaços urbanos morando em locais aonde as políticas públicas não têm os reflexos adequados nos requisitos de moradia, saneamento básico, mobilidade e outros elementos necessários a uma vida digna.
A produção agrícola torna-se domínio das grandes empresas, o alimento sendo iguaria de exportação que irá mostrar resultados na balança comercial como uma textura de luxo em uma casa sem estrutura física.
Podemos ainda apontar no rol dos perigos reais decorrentes da gestão bolsonarista o tipo de política de segurança que este Governo defende, tendo o apoio de uma grande parcela da população. Neste contexto tem-se o incentivo, ainda que apenas ideológico, ao armamento de forma generalizada dos cidadãos comuns, a autonomia total para as forças de seguranças atuarem e a diminuição da maioridade penal. Dados oficias vêm mostrando que a autoridade total para as forças de segurança é um mecanismo que não atende a segurança real da sociedade, mas, aumenta o número de morte de civis. O incentivo ao armamento do cidadão comum estimula o aumento do poderio bélico das facções. A diminuição da maioridade penal não é uma garantia de recuperação dos menores infratores.
Um olhar mais acurado e empático para as questões sociais revela que uma das formas de diminuir a violência no país é a geração de emprego, distribuição de renda, educação de qualidade e acompanhamento familiar. Essas ações tendem a andar juntas e promover sustentabilidade social, algo que não tem sido prioridade nesse governo. Portanto, voltamos a mencionar a profundidade da zona de calafrios provocada pela estrutura de defesa desses mecanismo que sempre estão punindo as nossas conquistas.
No cenário cultural deparamos com uma pronuncia do ex-secretário de cultura nacional Roberto Alvim, citando um trecho do ideólogo nazista Joseph Goebbels, algo que é, em alguma medida, uma faceta cruel e antidemocrática do modelo político que é defendido pelo Governo Federal. Sabemos que a exoneração do ex-secretário de cultura só foi possível mediante a exposição de forma negativa do governo, ao ponto dos presidentes do Senado e da Câmara de Deputados pedirem o seu afastamento. Sendo assim, reafirmamos que dentro do meio cultural temos uma política truncada e aterrorizante que não possibilita criar expectativa.
Mas, sempre o medo vem assolando a sociedade com diversas medidas tomadas pelo atual governo em todos os segmentos defendidos. À medida que a sua política expande no espaço geográfico deixando a sua marca, que para muitos, significa que o governo está no caminho correto, ainda que temperado de ódio, perseguição, discriminação, exclusão e outros adjetivos. O medo também generaliza na outra parcela da população que luta em prol do coletivo e das garantias conquistadas. Portanto, o medo de perigos irreais que fora forjado durante as campanhas eleitorais acabou desembocando na eleição de um político que vem colocando o país numa situação de insegurança real.
Texto de:
João Aparecido Gonçalves Pereira. Professor de Filosofia da Seduc-PA.
Alessandro Roberto de Souza Pupio. Professor de Geografia da Seduc-PA.
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