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Olhando pelo Retrovisor


Ao pensar nas relações sociais que moldaram o Brasil, uma das primeiras representações que aparecem são os conflitos. Historicamente, o país foi construído tendo como meio elementar à violência. Por exemplo, no período colonial as relações entre grupos teve como meio norteador a escravidão e o genocídio de inúmeras comunidades indígenas. Com a redução drástica das comunidades, o processo de violência foi endereçado, perdurando séculos, aos negros originários da África.


Por meio de uma leitura histórica, é perceptível que o “estado brasileiro”, constituído pelas camadas privilegiadas, exerceu uma relação conflituosa com a ampla maioria das pessoas, segregando-as, violentando-as, se valendo do suor/sangue de milhões para manter intacto a estrutura social. Porém, a relação de perseguição por parte do estado, representado, sempre, pelos grupos econômicos e religiosos, independentemente do contexto, não se restringe somente ao passado. Diante da constatação, estudada aos montes pela literatura, é possível afirmar que o pretérito molda as relações do tempo presente.


Para ter noção da importância do estudo atento e “problematizante” dos tempos anteriores para compreender o que somos, é suficiente que se faça relação entre a escravidão colonial e imperial de indígenas e negros com os espaços sociais que ocupam na contemporaneidade. Embora os últimos recenseamentos estejam apontado para o aumento populacional das comunidades indígenas, fator importante, as condições de vida continuam sendo permeadas pela resistência, com lutas e reivindicações para ter direito ao mais elementar, a saber, a vida.


De acordo com o IBGE, no tocante as populações indígenas no Brasil, houve um crescimento de 200% ao longo das duas últimas décadas. A constatação do aumento populacional, indubitavelmente importante, está muito distante de representar condições ideias para a vivência cotidiana, porque não reflete, necessariamente, políticas públicas de preservação dos valores socioculturais, mas é o resultado da característica histórica das etnias, representada pela prática da resistência.


São diários os ataques de grileiros, fazendeiros, tentativas de alteração na Constituição por parte de parlamentares visando a retirada de territórios pertencentes as etnias, assim como o sucateamento da FUNAI, quando por mais que se possa fazer ressalvas a sua atuação, continua desempenhado função na luta pela preservação da vida, dos valores e costumes das comunidades, sendo um órgão que, se não enfrenta, pelo menos denúncia os ataques sofridos.


Não somente para com os indígenas, mas a resistência tem sido a característica histórica dos menos favorecidos desse país. Nesse sentido, o ato de levantar cedo tendo que resistir aos inúmeros ataques para chegar vivo no final do dia, explica, em partes, uma certa ausência de luta emancipatória no tempo presente, porque, no imaginário social, o mais urgente é sobreviver, depois vêm as reivindicações em prol das transformações. Diante desse cenário de luta, não é possível continuar criminalizando a ausência de manifestações, emancipatória, nos dias atuais.


Sobre a resistência para garantir a vida, a mesma característica cultural pode ser direcionada para se pensar os negros. A historicidade dos negros no Brasil, assim como os indígenas, possui o “traço cultural” da escravidão, impactando diretamente no espaço destinado ontem, e imputado na contemporaneidade. Alguns exemplos são importantes para perceber que as condições de vida não são construídas pelos sujeitos, mas são heranças do passado.


Infelizmente, não pelo espaço, mas pela ausência de condições de sociabilidade, os negros se encontram nas periferias das grandes, médias e pequenas cidades. Quando há pesquisas sobre as pessoas abaixo da linha da pobreza, a maioria da camada social é ocupada por negros, os trabalhos mais desumanos são desempenhados também pelos negros, sobre os pedintes, quase em sua totalidade são pessoas negras, os mais afetados pela violência do estado, adivinhem quem são? De acordo com dados do “Mapa da Violência” de 2016, houve aumento significativo no número de morte de negros no país, superando os 18% em 10 anos. Outa constatação, a taxa de homicídios de negros é três vezes maior do que de pessoas não negras. Um jovem negro chega a ter quatro vezes mais chances de morrer se comparado com um jovem branco.


Não somente os dados, mas a prática evidencia o racismo se deslocando além do social, adquirindo o patamar de discriminação institucional dentro do país, quando o estado, constituído pelas elites da fé e do mercado, não consegue promover políticas públicas de ascensão. Em consonância, a classe média, historicamente dominada pelo preconceito, não se indigna com a omissão pública/privada, pelo contrário, continua criminalizando os oprimidos de ontem e de hoje.


Para se compreender a relação entre passado, presente, e possivelmente futuro, não há a necessidade de ser alguém com “curso superior” em alguma das áreas de humanas, é suficiente apenas que seja ser humano, e impreterivelmente, sensível para a realidade social. Quando existe sensibilidade humana, tanto para analisar, quanto para enxergar o outro como ser humano, se corre menos riscos de cair no reducionismo das interpretações.


Pelo desenrolar da conjuntura, a não ser por uma inesperada transformação no âmago das pessoas, a tendência é que os conflitos sociais se intensifiquem, e que os menos favorecidos se encontrem em condições cada vez mais precárias, sendo encurralados pelo estado, enquanto a classe média, em sua grande maioria, aplaude alegremente as ações de violência daquele(s) que deveriam possibilitar meios de integração.


No contexto em que todos(as), independentemente das leituras, são especialistas em segurança, é interessante observar os paradoxos. Nesse sentido, o principal paradoxo produzido pelos “cidadãos de bem” é entender por violento quem, desde a tenra idade, sofre verdadeiramente com a violência. Acreditar no desconhecimento, histórico, das relações sociais do país é uma das cartadas das elites dominantes, e convenhamos, até o presente momento, a aposta tem sido uma tacada de mestre, porque estamos em um contexto que acredita-se na violência como meio para reduzi-la. Se essa crença não for resultado da negação/desconhecimento do passado, sinceramente, não sei o que pode ser.


Abraço, boa semana para vocês.

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