Quando Jair Bolsonaro foi eleito sabíamos dos tempos difíceis que viriam. Muita perda de direitos, violência institucional, diminuição do estado, aparelhamento do que sobrou, ataque às universidades, criminalização da arte e das manifestações culturais, violência contra as minorias, aumento da miséria, destruição ambiental, entre tantos outros exemplos. Todas as expectativas foram rigorosamente atendidas, afinal, estamos falando do governo da destruição.
Aqueles que votaram em Bolsonaro, porém não flertam com o fascismo, já perceberam para quais segmentos o presidente governa. São “grupos” muito específicos, representado mais diretamente pelo mercado financeiro, indivíduos do agronegócio, algumas lideranças religiosas fundamentalistas, multinacionais, e para todos/as identificados com o preconceito e com a discriminação social/racial. Quem se sente representado por Bolsonaro odeia pobre. Mesmo sendo pobre, o indivíduo defensor do projeto de destruição, de forma ingênua, entende que a melhor maneira de se defender da opressão não é lutando contra o sistema, mas se aliando ao opressor. No entanto, diante da ignorância não consegue entender que quanto mais próximo está do algoz maior são as possibilidades de ser atingido.
É isso, excetuando os “grupos” dos quais Bolsonaro se identifica, não resta dúvida, o presidente não poupa ninguém. O Brasil se tornou o país da distopia, do medo instalado no rosto das pessoas, da esperança indo para o ralo, da informalidade se tornado modus operandi quando se fala de trabalho, da destruição ambiental, do sequestro do estado pelo mercado financeiro, da individualidade cada vez mais atuante, do sentimento de cada um por si e Deus para poucos. O Brasil se tornou o lugar dominado pelo discurso neoliberal, quando a retirada de direitos para enriquecer o mercado financeiro é apresentada como equilíbrio das contas públicas, e a pobreza é tratada como se fosse empreendedorismo.
Enfim, somos o país da desesperança, o país da distopia apresentada na literatura de George Orwell. Vivemos sobre o massacre do estado neoliberal. De acordo com Marilena Chauí, o neoliberalismo representa a nova forma de totalitarismo vigente. Por falar em desesperança, lembro-me de um diálogo entre Franz Kafka e o seu amigo Max Brod. Quando Brod perguntou à Kafka se havia esperança, o escritor tcheco não titubeou e respondeu: “Esperança há, menos para nós”. Impossível não inserir a frase de Kafka para os nossos rincões. Pode haver esperança de dias melhores, mas em outro lugar, não no Brasil governado por Jair Bolsonaro. Se for possível ter uma certeza, essa certeza está no sentimento de que dias piores virão. Ou, para suavizar a afirmação, às perdas de direitos continuarão. Em breve tramitará na Câmara dos Deputados as propostas de Reforma Tributária e Administrativa. Alguém tem alguma dúvida sobre o propósito dessas reformas? Não tenho nenhuma, o objetivo é aumentar o fosso entre elite dominante e o restante da população.
Perdemos, é difícil admitir, mas a frágil democracia brasileira está presente, somente, em pequenos flashes na nossa memória. Lembrança de um tempo não muito distante, mas não mais existente. O sentimento da derrota é tão forte que aos poucos às pessoas vão se acostumando com o caos instalado. Alguns tentam se equilibrar no fajuto discurso motivacional da reconstrução quando se está despedaçado. Mesmo perdendo todos os direitos, muitas pessoas preferem o autoengano ao fingir que tudo está bem quando nada está bem. Elas sabem, é difícil admitir as consequências da derrota, por isso, às vezes, enganar-se momentaneamente ajuda a suporta a dor.
Amadurecer não é tarefa das mais fáceis, pelo contrário, muita das vezes a dor do amadurecimento torna-se muito maior do que a dor da derrota, mas, fazer o quê? É necessário. O problema encontra-se da seguinte maneira, a maioria do campo progressista não quer admitir a vitória da extrema-direita, principalmente ao observar desdobramentos que essa vitória representa. Por exemplo, diante da precarização do trabalho, do aparelhamento do estado, do ataque aos meios de comunicação, dos cortes drásticos na educação, dos lucros exorbitantes do mercado financeiro, do sequestro do estado pelo neoliberalismo, da fome batendo na porta, poucos se perguntam por que não há uma insurreição geral como ocorre em vários países, inclusive em países vizinhos como Chile, Equador, Colômbia? Enfim, por que não há greve, pneus queimados, trabalhadores e trabalhadoras de braços cruzados? Por quê? A resposta poderia ser complexa, mas definitivamente não é. A maioria não se movimenta porque o sentimento está relacionado com a ideia da inutilidade de se movimentar.
Embora poucos tenham coragem de admitir, mas o movimento mais presente hoje em dia é o movimento da letargia, da inércia e da incredulidade. A letargia não pode ser entendida como incapacidade de indignação, tampouco como ineficiência para compreender o que está acontecendo. Pelo contrário, todos estão indignados, todos, no seu íntimo, compreendem, porém existe um pacto silencioso, não combinado, acerca da inutilidade da luta, da inutilidade da resistência como valor predominante. A vitória do bolsonarismo, definitivamente, não foi somente uma vitória eleitoral, porque o impacto é muito maior, tendo nos anestesiado de corpo e “alma”.
O problema não está necessariamente no sentimento da derrota, mas na incapacidade de admiti-la. Enquanto não tivermos coragem para encarar os nossos problemas de frente sem receio de afirmar que a Democracia no Brasil foi, de fato, uma vertigem, quando não nos é mais possível, se é que um dia fora, confiar nas instituições porque elas funcionam para atender interesses distantes de serem os nossos, não conseguiremos nos movimentar. Só temos a nós mesmos, pobres, desvalidos, classe trabalhadora, movimentos sociais, indígenas e minorias. São essas às pessoas que devemos nos aproximar, deseja-las perto de nós.
Enquanto continuarmos ignorando os traços da realidade, fingindo normalidade diante do anormal, relativizando a destruição em curso, acreditando naqueles que nunca deveríamos acreditar, o projeto opressor continuará não encontrando nenhum obstáculo para seguir destruindo o que foi construído com muita luta pela sociedade, rememorando, os direitos mais elementares para uma vida digna.
O começo da transformação passa por uma questão muito simples, a saber, pelo reconhecimento da derrota, da nossa derrota. Perdemos, isso é tudo.
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