
O estágio atual do modo de produção capitalista, conhecido como “Capitalismo de Plataforma” (Srnicek, 2018), representa uma fase em que as transformações no espaço geográfico são profundamente influenciadas pelas inovações do meio técnico-científico-informacional cujas bases foram discutidas por Santos (1996) em sua análise sobre o espaço globalizado. Essa dinâmica é marcada pela centralidade das plataformas digitais que estruturam novas formas de acumulação capitalista ao intermediar e monopolizar fluxos de dados, serviços e trabalho. Esse modelo, conforme Harvey (2005), reflete as contradições do capitalismo contemporâneo, que busca incessantemente superar crises de acumulação por meio de reconfigurações espaciais e tecnológicas.
As inovações tecnológicas globais têm possibilitado às corporações não apenas explorar recursos e mercados em escala inédita, mas também estabelecer novos mecanismos de controle territorial e social. Harvey (2001) aponta que essa lógica de expansão e controle está atrelada ao conceito de "tempo-espaço comprimido", em que a aceleração dos fluxos de informação e capital redefine as relações entre o local e o global. No âmbito das relações de trabalho, a introdução de tecnologias tende a reestruturar as relações laborais, frequentemente intensificando a exploração da força de trabalho. Esse processo se intensifica no capitalismo de plataforma, como argumenta Antunes (2020), ao substituir relações de emprego tradicionais por vínculos precários mediados por aplicativos, fortalecendo a desregulamentação e flexibilização do trabalho.
Entre os fenômenos mais marcantes associados à plataformização está a chamada “uberização” do trabalho, conceito discutido por Antunes (2020) para descrever a organização laboral mediada por plataformas digitais. Esse modelo promove relações flexíveis entre trabalhadores e empresas o que comumente resulta na precarização do trabalho, caracterizada pela ausência de direitos trabalhistas tradicionais, instabilidade financeira e a transferência de riscos para os trabalhadores. Empresas como Google, Facebook, Amazon e Uber são exemplos de grandes corporações de tecnologia (Big Techs) que atuam como empresas de plataforma, operando como intermediárias que, segundo Srnicek (2018), extraem valor principalmente do controle de dados e da monopolização de serviços.
Uma análise geográfica sobre o alcance das transformações impostas pelas plataformas no mundo do trabalho e nas relações sociais exige a compreensão da técnica e dos objetos técnicos como elementos estruturantes desse processo. De acordo com Santos (1996), os sistemas técnicos, formados pelo conjunto de técnicas e objetos, constituem a base material da vida das sociedades e refletem a forma como estas compartilham o espaço em diferentes períodos históricos. Esses sistemas, indissociáveis das ações humanas, não possuem valor ou significado de forma isolada, mas adquirem relevância a partir de sua relação com os sistemas de ações, configurando-se como agentes fundamentais na reestruturação territorial e na reprodução das dinâmicas capitalistas.
Ainda segundo Santos (1996. p. 171) “o conhecimento dos sistemas técnicos sucessivos é essencial para o entendimento das diversas formas históricas de estruturação, funcionamento e articulação dos territórios”. Para o autor, o período técnico atual é marcado pelo casamento entre a técnica, a ciência e a informação, elementos que permitiram o surgimento de diversas inovações, sobretudo nos meios de comunicação. A rápida difusão de inovações como celulares, computadores, internet, softwares, entre outros pelo planeta, permitiu uma ampliação e aceleração dos fluxos de informação, mercadorias e capital. Tais instrumentos acabam por condicionar a forma como nós trabalhamos, consumimos e nos relacionamos. Sendo assim, podemos perceber a técnica como uma manifestação fenomênica da realidade em que vivemos.
Os sistemas técnicos não operam de forma isolada, pois buscam uma coerência entre seus elementos materiais e sociais, até mesmo serviços de alta tecnologia necessitam de sistemas técnicos que o precederam, como o sistema técnico elétrico, o sistema técnico industrial ou o sistema técnico de extrativismo mineral. Dessa forma, podemos verificar a existência de múltiplas redes sociotécnicas, nas quais a disposição dos instrumentos técnicos, a nova divisão do trabalho e as políticas adotadas pelos Estados Nacionais permitem a ampliação da acumulação de capital nos territórios em tempos de Globalização. Diante deste cenário, Santos (1996. p. 183) nos mostra que a nossa sociedade atual é “baseada na combinação entre a tecnologia digital, a política neoliberal e os mercados globais. No entanto, a difusão e generalização das tecnologias pelo planeta não homogeneízam os espaços, pois a forma como se estrutura a divisão internacional do trabalho determina os locais de concentração destes sistemas técnicos.
Na atual divisão internacional do trabalho (DIT) ou divisão territorial do trabalho (DTT), os países desenvolvidos concentram a maior parte da produção de inovações técnicas devido aos elevados investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D), por isso são exportadores de mercadorias que possuem um maior valor agregado. Por outro lado, os países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos se encontram na condição de periferias técnicas, muito em função de um passado marcado por exploração colonial, escravidão, atraso para implementar a industrialização, golpes de estado, políticas neoliberais e políticas de desindustrialização ou “commoditização” de suas exportações (Frederico, 2012). Por conseguinte, os países das periferias técnicas são consumidores de tecnologias importadas ao mesmo tempo que acenam para as corporações internacionais com uma abundante oferta de recursos naturais e mão-de-obra de baixa qualificação, vulnerável aos novos métodos de extração de mais-valor, além de legislações flexíveis em relação ao meio ambiente e aos direitos trabalhistas.
É importante ressaltar que a atual divisão territorial do trabalho não é definida por uma opção política ou estratégica dos países periféricos nos mercados globais, mas sim moldada por processos históricos que condicionaram os países em desenvolvimento a uma posição de atraso em relação aos países desenvolvidos. Chang (2004) nos mostra que os países desenvolvidos tiveram um longo percurso de maturação das instituições públicas e privadas, da burocracia, da industrialização e de luta por direitos civis, permitindo que hoje estes países se encontrem em posição de privilégio em relação aos países em desenvolvimento, que iniciaram tardiamente seus processos de institucionalização, industrialização e organização social, sendo que estes processos foram conduzidos de forma acelerada e em meio a profundas crises econômicas e políticas.
Além do legado histórico de desigualdades, os países em desenvolvimento continuam enfrentando significativos desafios para avançar na consolidação dos direitos trabalhistas. Entre os principais obstáculos estão as barreiras impostas pelas políticas neoliberais; a pressão exercida pelos mercados globais e a ascensão de lideranças políticas conservadoras e/ou reacionárias que priorizam os interesses do capital hegemônico. Esses fatores intensificam o desmonte de direitos historicamente conquistados e perpetuam mecanismos de precarização das condições de trabalho, colocando por diversas vezes o lucro acima da saúde e do bem-estar dos trabalhadores. No Brasil, essa realidade pode ser exemplificada pela resistência de lideranças conservadoras ao lockdown e às medidas de proteção durante a pandemia de Covid-19, bem como pela oposição ao projeto de lei 1429/2024, que propunha a redução da jornada de trabalho e o fim da escala 6 por 1.
As políticas neoliberais implementadas em países em desenvolvimento, sob orientação do Consenso de Washington e do Banco Mundial, têm promovido uma ampla reestruturação dos territórios nacionais, reduzindo significativamente o poder do Estado. Esse processo ocorre, sobretudo, por meio de privatizações, que, combinadas com a flexibilização das legislações trabalhista e ambiental, a concessão de incentivos fiscais e a dolarização de economias locais, tornam esses territórios mais atrativos para grandes corporações globais e investidores do mercado financeiro. O modelo de gestão do trabalho adotado pelas multinacionais, que assumem empresas estatais, busca maximizar a produtividade com uma força de trabalho cada vez mais enxuta. Além disso, a crescente automatização de etapas produtivas nos setores agrícola e industrial impulsionada pela introdução de novos sistemas técnicos — como maquinários avançados, robôs e informatização — tem gerado um aumento expressivo nos índices de desemprego. Esse contingente significativo de trabalhadores desempregados torna-se, então, um importante alvo para a extração de mais-valor no capitalismo de plataforma.
Entretanto, esse grande quantitativo de desempregados, espalhados pelos territórios nacionais, é um dado que precisa ser juntado e organizado para que dele possa ser extraído valor, e é aí que as plataformas atuam. As plataformas são softwares desenvolvidos para reunir e operacionar dados informacionais estratégicos para as corporações, dando a elas maiores possibilidades de controle sobre os territórios. Além disso, Srnicek (2018, p. 45) destaca que as plataformas operam como “intermediárias, conectando diferentes usuários: clientes, anunciantes, provedores de serviços, produtores distribuidores e inclusive objetos físicos”, criando um “Efeito de Rede”, ao mesmo tempo que acumulam informações valiosas sobre essas interações realizadas. Nesse sentido, Tozi (2020, p. 502-503) nos mostra que “a informação se revela um fator produtivo contemporâneo, e, por consequência, o algoritmo e a plataforma digital não são artefatos estranhos à sociedade ou ao território do período técnico-científico-informacional, mas novos mediadores da ação”. Informações essas que podem ser vendidas ou utilizadas como banco de dados para inteligência artificial ou automação de serviços.
O uso corporativo do território no capitalismo de plataformas evidencia uma reorganização espacial baseada na extração de dados e no fortalecimento do controle corporativo. Nesse contexto, Srnicek (2018, p. 41) destaca que os dados se tornaram “um tipo particular de matéria-prima do século XXI”, possibilitando que as empresas encontrem novas formas de acumulação de valor por meio do domínio sobre fluxos informacionais e materiais. É justamente nesses fluxos que reside a dimensão territorial do capitalismo de plataformas, pois, como afirma Tozi (2020, p. 491), “essas empresas não são apenas plataformas digitais, mas plataformas territoriais, já que é o território que se apresenta, ao mesmo tempo, como fundamento da tomada de decisão e recurso diferencial de rendimento”. Esse processo instrumentaliza o território como recurso estratégico para otimizar operações e consolidar a hegemonia das grandes corporações, ampliando desigualdades regionais ao privilegiar áreas densamente conectadas e marginalizar áreas periféricas.
No entanto, o uso corporativo do território vai além de sua dimensão técnica, sendo acompanhado pela construção de um discurso legitimador que promove a ideia de modernização e desenvolvimento como justificativa para a reconfiguração dos espaços. Essa dimensão social e simbólica é definida por Kahil (2010, p. 477) como psicoesfera, entendida como “o espírito de uma época (Zeitgeist)”. Esse conceito refere-se a um conjunto de crenças, hábitos, linguagens e sistemas de trabalho que incorporam e reproduzem as normas e valores da racionalidade técnico-científica dominante, configurando-se como um elemento central na legitimação das práticas corporativas e na consolidação de hegemonias territoriais. Essa esfera está intrinsecamente conectada à tecnoesfera, uma vez que os objetos técnicos, embora possuam materialidade própria, dependem de sua inserção relacional para ganhar significado.
Com grande influência sobre a tecnoesfera e a psicoesfera, as corporações de plataformas digitais atuam estrategicamente, moldando o território em suas formas e funções, expandindo suas operações e reconfigurando regiões para obterem maior lucratividade. Essas empresas não apenas redefinem os usos do território, mas também enfraquecem a autonomia das administrações locais e nacionais, subordinando-as às suas demandas globais como salienta Tozi (2018) ao listar e analisar as recentes vitórias judiciais obtidas pela Uber em ações movidas por diversos municípios brasileiros, demonstrando a capacidade dessas corporações de moldar normas e regulamentos locais em favor de seus interesses econômicos.
A Uber é o exemplo mais emblemático de como o uso corporativo do território é exercido pelas empresas de aplicativos e de como suas estratégias impactam no mundo do trabalho, a ponto de diversos autores (Abílio, 2017; Antunes, 2018; Tozi, 2018) utilizarem o neologismo “Uberização” para se referirem aos novos mecanismos de precarização do trabalho em tempos de plataformização da sociedade. Como explica Abílio (2017, p. 1), o termo ultrapassa a mera referência à Uber como empresa e "simboliza um novo estágio da exploração do trabalho, que traz mudanças qualitativas ao estatuto do trabalhador, à configuração das empresas, assim como às formas de controle, gerenciamento e expropriação do trabalho". Nesse modelo, as plataformas utilizam tecnologias de geolocalização, inteligência artificial e sistemas algorítmicos para conectar, em tempo real, a oferta e a demanda de serviços, promovendo a imagem dos trabalhadores como “parceiros”, autônomos, não subordinados diretamente às empresas, o que muitas vezes resulta na exclusão de direitos trabalhistas básicos, como férias remuneradas, previdência social e segurança no trabalho. Diante do exposto, concordamos com Tozi (2020, p. 489) no entendimento de que “a uberização é também uma expressão fenomênica de uma nova divisão do trabalho impulsionada pela informatização da vida social”.
As plataformas digitais, ao utilizarem a tecnologia para estruturar e controlar as relações de trabalho, acabam reforçando os discursos de autonomia e flexibilidade, que, por sua vez, solidificam um entendimento distorcido sobre as condições laborais. A tecnoesfera, nesse contexto, não apenas facilita a operação das plataformas, mas também atua como um veículo para a propagação da psicoesfera, alienando os trabalhadores de sua condição de empregados e fazendo-os reconhecerem-se como “parceiros”, “colaboradores” ou “empreendedores”. Esse discurso propaga entre eles a ideia de que a precarização e a desregulamentação são inevitáveis ou até desejáveis.
Assim, a psicoesfera desempenha um papel crucial na forma como os indivíduos se relacionam com o trabalho mediado por plataformas digitais, pois, ao mesmo tempo que aliena a percepção do trabalhador em relação às plataformas como agentes que se beneficiam da exploração da mão-de-obra, o discurso transfere a responsabilidade aos trabalhadores, popularizando a ideia de que eles são, de fato, "empreendedores" de si mesmos, cujos sucessos ou fracassos dependem exclusivamente de seu esforço individual. Isso implica uma reinterpretação das relações trabalhistas, reduzindo o papel do Estado e da legislação na proteção dos direitos dos trabalhadores e promovendo a ideia de que a falta de proteção é, na verdade, uma forma de liberdade. Esse cenário, ao moldar subjetividades e ações, contribui para a manutenção das condições que favorecem o modelo de negócios das plataformas.
Abílio (2017, p. 2) nos mostra que outra estratégia fundamental para maximizar os ganhos das grandes corporações de plataformas reside nos “mecanismos de transferência de riscos e custos não mais para outras empresas a elas subordinadas, mas para uma multidão de trabalhadores autônomos engajados e disponíveis para o trabalho”. Essa dinâmica é exemplificada por Antunes (2018, p. 37) ao descrever como Uber transfere para os trabalhadores uma ampla gama de custos, como os relacionados aos instrumentos de trabalho, despesas de seguridade social, manutenção de veículos, combustível, alimentação e limpeza, enquanto mascara a relação de assalariamento e “apropria-se do mais-valor gerado pelos motoristas, sem preocupação com deveres trabalhistas historicamente conquistados”. Essa lógica aprofunda a vulnerabilidade econômica desses trabalhadores, que precisam assumir altos custos para se manterem competitivos em um mercado estruturalmente desregulamentado.
Mesmo se eximindo de responsabilidades e exigências legais que poderiam configurar vínculos empregatícios, as corporações de plataformas intensificam os mecanismos de controle e vigilância sobre os trabalhadores, apresentados como “parceiros”. Regras e critérios de avaliação funcionam como ferramentas de monitoramento, delegando aos consumidores o papel de gerentes coletivos, que constantemente avaliam e fiscalizam a conduta dos trabalhadores. Paralelamente, os algoritmos desempenham um papel central na organização do trabalho, ranqueando os trabalhadores com base em suas avaliações, comportamento e desempenho. Tal ranqueamento impacta diretamente suas oportunidades de trabalho, criando um ambiente de concorrência constante. A vigilância algorítmica, embora muitas vezes invisível, revela-se altamente eficaz ao intensificar a exploração, já que alinha os interesses das plataformas à autodisciplina dos trabalhadores, que, pressionados pela lógica da meritocracia, ajustam-se constantemente às exigências para assegurar seus rendimentos.
Não obstante a uberização seja frequentemente associada aos trabalhadores de transporte e delivery, seu modus operandi tem se expandido para diversos outros setores econômicos, desde os serviços financeiros com as Fintechs (empresas de tecnologia que oferecem serviços financeiros) até os serviços especializados para o campo nas novas fronteiras agrícolas no Brasil. As Big Techs têm adotado o uso corporativo do território e o controle sobre os dados como estratégias centrais para acumulação de capital, sendo que para atingir um maior alcance diversificam ao máximo a sua atuação, oferecendo serviços inovadores ao mesmo tempo em que coletam dados valiosos. À medida que essas empresas se expandem globalmente, aumentam não apenas seu poder econômico, mas também sua influência política, transformando profundamente as relações de trabalho, tanto nas cidades quanto no campo. Como consequência, temos a proliferação de uma nova categoria de trabalhadores no século XXI, que Antunes (2018) denomina como o “proletário de serviços da era digital”, caracterizado pela precariedade, intermitência, desregulamentação, vigilância e subordinação mascarada sob o discurso de empreendedorismo.
Em Mato Grosso, nos municípios que fazem parte do que Elias (2011) denomina de “Regiões Produtivas agrícolas” (RPAs), a plataformização da agricultura simboliza uma transformação estrutural do campo, moldando a produção agrícola sob a lógica das Big Techs e do agronegócio globalizado. Silveira (2022) nos mostra que empresas como Microsoft, Syngenta e BASF estão liderando esse movimento ao integrar tecnologias como Internet das Coisas (IoT), sensores, drones e algoritmos de inteligência artificial para monitorar, analisar e gerenciar dados agrícolas em larga escala. Esse processo é parte de um esforço coordenado para converter o campo em um mercado altamente controlado por plataformas digitais. Para Silveira (2022, p. 3), a atuação das grandes plataformas passa pela organização de “um circuito de controle da agricultura a partir da integração de empresas de diversos tamanhos que oferecem produtos (tratores, drones, pesticidas, etc.), organizam a logística, o financiamento, a distribuição e a comercialização”.
Um exemplo de como as plataformas estão se inserindo no campo brasileiro é o FarmBeats, desenvolvido pela Microsoft, que combina dispositivos de Internet das Coisas (IoT), sensores e algoritmos de inteligência artificial com o objetivo de promover uma agricultura orientada por dados. Nesse sentido, Silveira (2022, p. 2) destaca que a estratégia dessas corporações se baseia em "atrair startups e empreendedores que queiram fazer negócios com os agricultores", o que resulta na centralização da gestão e da coleta de dados, bem como no fortalecimento do poder econômico e político das plataformas digitais sobre o setor agrícola. Nesse modelo, ferramentas como o Azure FarmBeats, da Microsoft, e o Cropwise, da Syngenta, centralizam dados sobre terras, plantios, insumos e decisões dos agricultores, criando uma rede de dependência tecnológica e financeira, permitindo, assim, que as corporações acumulem não apenas lucros, mas também poder sobre o conhecimento agrícola, essencial para o funcionamento do setor.
Diante do exposto, evidencia-se que o capitalismo de plataformas tem feito o uso de novos e complexos mecanismos de exploração do trabalho, moldados pela integração entre avanços tecnológicos e o uso corporativo dos territórios. Sob a retórica de flexibilidade e autonomia, observa-se a intensificação da precarização das condições laborais, transferindo custos e riscos aos trabalhadores enquanto as corporações consolidam seu controle sobre fluxos informacionais e materiais. Esse cenário revela não apenas uma maior concentração de capital e poder na mão de um pequeno número de corporações de tecnologia, mas também a necessidade urgente de resistir e repensar as políticas públicas e os mecanismos de proteção trabalhista, visando equilibrar os avanços tecnológicos com a justiça social. Assim, torna-se imprescindível um debate crítico com a sociedade civil sobre as dinâmicas territoriais e laborais contemporâneas impostas pelas plataformas das Big Techs e como isso impacta no cotidiano dos trabalhadores, para que, assim, possamos juntos buscar caminhos mais humanizados, justos e solidários para as plataformas e para o mundo do trabalho.
*Este texto é fruto da disciplina: “Digitalização do Espaço, Trabalho e Economia Política do Território", do programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Minas Gerais, ministrada pelo do Professor Dr. Fábio Tozi.
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