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Reestruturação do Capital e a precarização do mundo do trabalho: Do fordismo à uberização.



O trabalho é um elemento fundamental na organização de nossa sociedade ao ponto do Filósofo prussiano Friedrich Engels (1896) afirmar que este é: “... a condição básica e fundamental de toda a vida humana, em tal gral que, até certo ponto, podemos afirmar que o trabalho criou o próprio homem”. É através do trabalho que o homem modifica a natureza para atender suas necessidades, produzindo ferramentas, objetos, utensílios, abrigos, aldeias, cidades. Neste processo segundo Marx (1985, p. 149 apud Moraes et all 2010 p. 38) o homem desenvolve uma dinâmica relacional entre ele e a natureza, ao mesmo tempo que, desenvolve uma dinâmica relacional entre homem e homem, neste processo o homem molda a natureza e a si próprio.


Após a revolução burguesa na Inglaterra no séc. XVII e na França no séc. XVIII o trabalho ganha ainda mais importância para a análise sociológica, pois, ele passa a ser um elemento central e estruturante do modo de produção que passaria a vigorar a partir de então, a saber: o Capitalismo. Com a ruptura das relações feudais, a ascensão da burguesia e o desenvolvimento advindo da Revolução Industrial as relações homem/natureza e homem/homem sofrem profundas transformações, com o maior ritmo produtivo se fez necessário um maior contingente de mão-de-obra para trabalhar nas novas fábricas, trabalhadores assalariados em condições precárias mal remunerados, que eram obrigados a colocar seus filhos muito cedo no trabalho fabril para conseguirem o sustento de suas famílias. Surgia assim, uma nova classe social, os proletários.


É no séc. XIX que surge um teórico filósofo responsável por elaborar uma das mais profundas análises das relações de produção no sistema capitalista, a servir de referência até os dias atuais como corrente ideológica de análise, Karl Heinrich Marx, ou simplesmente Karl Marx. Nascido em 1818 na Prússia, na cidade Tréveris, território que hoje pertence à Alemanha. Formou-se em filosofia pela Universidade de Berlim onde obteve o título de doutor aos 23 anos. Marx foi um forte influenciador dos movimentos socialistas em seu tempo, com seus textos e sua militância junto aos movimentos operários. Entretanto, sua maior obra foi uma minuciosa e profunda análise do modus operandi do sistema capitalista em “O Capital” composto por 3 volumes. Sua produção se sustenta em uma análise dielétrica do materialismo histórico das relações humanas, considerando a interação entre o desenvolvimento das forças produtivas, as relações de produção e a luta de classes. Marx expõe de forma categórica a forma como a acumulação do Capital se dá devido à exploração da “Mais Valia” extraída da classe trabalhadora.


Para Moraes et al. (2010, p. 43) no modo de produção capitalista a força de trabalho é apropriada pelo capitalista burguês, este é detentor dos meios de produção, enquanto o proletário dispõe apenas de sua força de trabalho. No processo de produção de mercadorias o produto fabricado não pertence ao trabalhador mais sim ao capitalista, que detém a posse de seu trabalho.


A partir do momento em que ele entrou na oficina do capitalista, o valor de uso de sua força de trabalho, portanto, sua utilização, o trabalho, pertence ao capitalista. O capitalista mediante à compra da força de trabalho, incorporou o próprio trabalho, como fermento vivo aos elementos mortos constitutivos do produto, que lhe pertencem igualmente. Do seu ponto de vista o processo do trabalho é apenas o consumo da mercadoria, força de trabalho por ele comprada, que só pode, no entanto, consumir ao acrescentar-lhe meios de produção. O processo do trabalho é um processo entre coisas que o capitalista comprou, entre coisas que lhe pertencem. (MARX, 1985, Tomo I, p. 154 apud MORAES et al. 2010, p. 44)

Assim, em um sistema baseado na produção e comercialização de mercadorias, o trabalho também se torna uma mercadoria. Desprovido dos meios de produção (terras, matérias-primas, fábricas, ferramentas, capital) o trabalhador só poderia vender a única coisa que lhe restou, a força de seu trabalho. Assim como as mercadorias produzidas por ele, seu trabalho também está sujeito às variações do mercado e pode ser adquirido pelo capitalista pelo menor preço. Em Marx (2013, p. 210) podemos perceber que é do excedente do trabalho materializado no valor da mercadoria comercializada que o capitalista extrai seu lucro, em outras palavras, é a partir das horas de trabalho não pagas que o capitalista extrai a mais-valia, ou como nesta tradução de Rubens Enderle, o mais-valor.


Durante o processo de fabricação de mercadorias o trabalhador não tem acesso à totalidade do processo de produção, ao fim, o trabalhador não se reconhece no produto final, esse estranhamento faz parte do que Marx chamou de alienação. Esse distanciamento entre a mercadoria e o trabalhador colabora para a desvalorização do trabalho.


O trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais a sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador se torna uma mercadoria tão mais barata quanto mais mercadorias cria. Com a valorização do mundo das coisas aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens. O trabalho não produz somente mercadorias: Ele produz a si e ao trabalhador com uma mercadoria, e isso na medida em que produz, de fato, mercadorias em geral. (MARX, 2004, p. 80)

De modo sintético, podemos afirmar à partir das formulações teóricas de Marx que o trabalho é a base central da acumulação capitalista, é o trabalho que produz o valor ao transformar a matéria-prima em mercadoria, e que este valor é expropriado do trabalhador pelo capitalista que compra a força de trabalho do proletário com o salário pago, referente à uma pequena parcela do valor da mercadoria que ele produz e que o excedente do valor do produto sobre a soma dos seus elementos de produção é o que determina a valorização do valor do capital, o mais-valor.


Modelos de produção e a organização cientifica e sistêmica do trabalho


Das primeiras fábricas industriais do séc. XVIII até as modernas fábricas do séc. XXI, o capitalismo passou por diversos momentos de reestruturação e reinvenção de seus padrões de organização do trabalho e sua consequente divisão do trabalho com o objetivo de extrair um excedente cada vez maior de mais-valor. Neste período a organização do trabalho se cientificou com modelos que nortearam a evolução estrutural do trabalho fabril em diversos setores produtivos por todo o mundo. E destes padrões podemos destacar o Fordismo/Taylorismo e o Toyotismo.


Pensar na organização do trabalho se tornou tarefa fundamental diante da necessidade de atingir maiores excedentes de acumulação de capital, tarefa que foi desempenhada por diversos especialistas econômicos. Todavia, foi o engenheiro mecânico Frederick Winslow Taylor que, no início do séc. XX, desenvolveu a idéia de gerência científica do trabalho com seu livro: "Os Princípios da Administração Científica", publicado em 1911.


Taylor propôs a idéia de uma gerência que criasse, através de métodos de experimentação de trabalho, regras e maneiras padrões de executar o trabalho. Essas regras padrões seriam obtidas pela melhor equação possível entre tempo gerência. Assim, criava-se métodos padronizados de execução que deveriam otimizar a relação entre tempo e movimento. (RIBEIRO, 2015, p. 66)

Além de uma otimização da relação tempo/movimento, Taylor também propôs uma separação no processo produtivo: de um lado o trabalho intelectual ficando a cargo de uma gerência que também se encarregava de fiscalizar e de outro lado o trabalho braçal, pesado e repetitivo desempenhado pelos operários.


Tornar a execução e a concepção esferas separadas do trabalho e, para isso, reservar à gerência e obstar aos trabalhadores o estudo dos processos de trabalhos, tornando-os meros operadores de tarefas simplificadas, sem a compreensão dos raciocínios técnicos, é uma forma não só de assegurar o controle do processo de trabalho pela gerência como, também, de baratear a força de trabalho. (RIBEIRO, 2015, p. 67)


As ideias formuladas por Taylor foram implantadas pelo empresário norte-americano Henry Ford em suas fábricas de automóveis em 1914, acrescentando ao processo produtivo a esteira mecânica, desenvolvendo a primeira linha de montagem automatizada que proporcionaria uma produção em massa. Surge, então, o Fordismo - um padrão de produção em larga escala - que revolucionaria, não somente a forma de produzir, mas também a forma de consumir e o modo de vida dos operários. O Fordismo não representava uma ruptura, mas sim, uma continuidade do Taylorismo. Podemos assim dizer que, o padrão de produção que nortearia a produção fabril global das décadas seguintes seria baseado no modelo Taylorista/Fordista, proporcionando um enorme acumulo de capital resultante da intensificação da exploração do mais-valor para os donos dos meios de produção.


Para Gounet (1999, p. 18-19) o Fordismo apresentava as seguintes mudanças ao desenvolver seu modo de organização da produção: 1 – Uma produção em massa que reduziria o custo da produção e, consequentemente o preço da venda do carro; 2 – O parcelamento das tarefas segundo o modelo Taylorista; 3 – Uma linha de montagem regulada pela esteira rolante, controlando a distribuição das tarefas e o tempo de execução; 4 – A padronização das peças; 5 – A automatização das fábricas. Marcado pela rigidez imposta sob a força de trabalho condicionada ao ritmo maquínico da esteira, e a rigidez da padronização da produção que possibilitou uma fabricação em massa de mercadorias, o Fordismo reduziu o tempo de fabricação de seus veículos, produzindo um número maior de veículos em um período cada vez menor de tempo barateando o custo da produção. Contudo, suas transformações iam além do chão da fábrica, Ford sugeriu um conjunto de práticas domésticas (como a abstinência sexual por exemplo) à serem seguidas por seus operários com o objetivo de pouparem energia para o trabalho na fábrica, além de controle de gastos, evitando jogos de azar e bebidas alcoólicas para que o salário ganho movimentasse o mercado e o consumo de mercadorias, pois sua produção em massa necessitava, também, de um consumo em massa.


[...] produção de massa significava consumo de massa, um novo sistema de reprodução da força de trabalho, uma nova estética e uma nova psicologia, em suma, um novo tipo de sociedade democrática [...]. O Fordismo equivaleu ao maior esforço coletivo para criar, com velocidade sem precedentes, e com uma consciência de propósito sem igual na história, um novo tipo de trabalhador e um novo tipo de homem. Os novos métodos de trabalho são inseparáveis de um modo especifico. (HARVEY, 2008, p. 121)

Para impulsionar o consumo em massa, Ford adotou a política de elevação dos salários, o que proporcionou ao trabalhador fordista o poder de compra que, segundo Ribeiro (2015, p. 70), estimularia uma ética do consumo, responsável por criar um novo estilo de vida, com padrões de consumo determinados, onde bens como a casa própria e o carro passam a fazer parte de um conjunto de bens objetos de desejo da população americana. Para garantir o sucesso e a manutenção desse padrão de produção e o modo de consumir, garantindo assim a manutenção do próprio sistema capitalista. O Estado passa a assumir uma postura intervencionista, assegurando direitos essenciais aos trabalhadores. A união de forças entre o trabalho organizado, o capitalismo corporativo e o Estado, o Fordismo se apresentou como um poder hegemônico de controle da classe trabalhadora não somente como um padrão de produção, mas também como o estabelecimento de um novo estilo de vida.


[...] é preciso que essa hegemonia extrapole os muros da fábrica e se torne uma hegemonia social. Aí entra o Estado como provedor de políticas públicas e sociais, com investimento na saúde, na educação e no lazer. O Estado de bem-estar social, enquanto provedor, configura-se, então como um emblema do padrão de produção fordista. (RIBEIRO, 2015, p 71)

A aliança entre padrão de produção, consumo em massa fordista e o Estado de bem-estar social ou Keynesianismo ficou conhecido como: “Compromisso Fordista”. Segundo Santos V. C. (2009, p. 2) o compromisso fordista foi uma forma de apaziguar as disputas anteriores entre as classes, incorporando as massas ao sistema de produção oferecendo aos trabalhadores estabilidade no emprego; redução do tempo de trabalho, direitos previdenciários, saúde e educação. Para os trabalhadores o Compromisso Fordista funcionava como uma barganha, sendo trocada a “luta revolucionaria” (a emancipação) pela seguridade social.


Para Antunes (2009, p. 40) a junção dos modelos taylorista e fordista representou a forma mais avançada da racionalização capitalista do processo de trabalho ao longo de várias décadas do século XX, apresentando um contínuo crescimento de ganhos de produtividade e lucro, principalmente durante o pós-guerra. Porém, este crescimento passa a apresentar sinais de desgaste e esgotamento no final dos anos 60 e início dos anos 70.


“O período de 1965 a 1973 tornou cada vez mais evidente a incapacidade do fordismo e do keynesianismo de conter as contradições inerentes ao capitalismo. Na superfície, essas dificuldades podem ser melhor apreendidas por uma palavra: rigidez.” (Harvey, 2008. p. 135)

A rigidez na forma de produção, na organização sistêmica do trabalho, nos fluxos de mercado e do capital financeiro fizeram do fordismo um modelo que atendia cada vez menos os interesses capitalistas. Entre os fatores que intensificaram a crise podemos destacar: a redução do poder de compra da classe trabalhadora que provocava a refração do comércio e o acúmulo de estoques; as cada vez mais frequentes manifestações lideradas pelos movimentos operários que exigiam melhores salários e melhores condições de trabalho, escancarando os conflitos entre patrões e funcionários e rompendo com o pacto fordista; a redução da arrecadação por parte do Estado diminuía a sua capacidade de manter o estado de bem-estar social. Nos anos 70 a crise do petróleo, o aumento da inflação; do desemprego, dos juros do capital financeiro, o arrocho salarial da classe trabalhadora e o período de recessão da economia, principalmente a norte-americana, fizeram com que as bases do modelo fordista/keynesiano passassem a ser questionadas.


A alternativa se desenvolvia no Japão pós-45, o modelo Toyotista ou Ohnista de produção trazia consigo soluções bastante eficientes para superação da crise e também para reestruturação do capital. Desenvolvido pelo engenheiro japonês Taiichi Ohno nas fábricas da empresa automobilística Toyota Motor Company, o modelo de produção Toyotista instaurou uma série de mudanças no sistema industrial e na forma de relacionamento entre o capital e o trabalho com o objetivo de reduzir os desperdícios e elevar o lucro da produção. Para Antunes (2009, p. 52) as mutações que estavam em curso eram “a expressão da reorganização do capital com vistas à retomada do seu patamar de acumulação e ao seu projeto de global de dominação”.


Em contraposição à rigidez Fordista, o padrão de produção Toyotista se fundamentava na flexibilidade - da produção, da comercialização, das relações de trabalho, do fluxo de capital. Para atingir estes objetivos o Toyotismo apresentou um conjunto de inovações que o diferenciava do Taylorismo/Fordismo. Antunes (2009, p 57) enumera estas inovações da seguinte maneira: 1 – Produção vinculada à demanda, buscando atender exigências mais individualizadas do mercado consumidor; 2 – Trabalho operário em equipe (team work), com multivariedade de funções; 3 – Processo produtivo flexível, possibilitando ao operário o manuseio de diversas máquinas ao mesmo tempo; 4 – O sistema Just in Time, buscando o melhor aproveitamento possível do tempo de produção; 5 – O sistema Kanban, a organização das etapas da produção, reposição de peças e estoques através de um sistema de placas ou senhas de comando; 6 – Estrutura produtiva horizontalizada estendendo uma grande parte do processo produtivo à uma rede de fornecedores, firmas terceirizadas e subcontratadas; 7 – Organização de Círculos de Controle de Qualidade (CCQs), instigando aos próprios trabalhadores a fiscalizar seu trabalho e desempenho com o objetivo de melhorar o desempenho produtivo das empresas; 8 – Implantação de emprego vitalício para uma pequeno grupo de funcionários e ganhos salariais vinculados ao aumento da produtividade. Assim, o novo modelo buscava, com suas novas técnicas, reduzir as despesas desnecessárias, reduzir o tempo de produção e da comercialização, dando maior fluidez e eliminando os estoques. Deste modo, sem grandes estoques, há a redução de custos e consequentemente o aumento do lucro, o que foi possível graças à informatização e a evolução dos meios de comunicação e transporte. (VIDAL, 2002. p. 61).


No Toyotismo, quase não há desperdício, pois só se produz o necessário. A produção é mais rápida e com mais qualidade, e há a necessidade de menos homens; pois quase todo o maquinário, é automático, robotizado; aumentando incrivelmente os lucros do empregador. É aumentado, também, no just in time, o desgaste da força do trabalho. [...] Temos também como desvantagem para o trabalhador, o fato de que ele deve se tornar mais flexível para continuar a ter um lugar na empresa. Isso significa ter uma jornada de trabalho flexível e direitos também flexíveis; o que representa rendas menores e menos direitos trabalhistas e sociais. (VIDAL, 2002. p. 58)

No padrão Toyotista, a fábrica eficiente é aquela que “enxuga” os gastos, tornando a produção mais barata, isso significa uma drástica redução do número de funcionários no chão da fábrica, direcionando parte da produção para firmas terceirizadas por um preço menor. Antunes (2009, p. 59) é enfático ao afirmar que quanto mais o trabalhador se distancia das empresas principais, maior tende ser a sua precarização. Ao trabalhador que permanece na fábrica recai a cobrança de uma elevada polivalência/qualificação e uma maior participação na empresa, o que não significa uma valorização de seu trabalho ou uma estabilidade, pois este convive com a constante ameaça da concorrência advinda da modernização mecânica da fábrica e de uma qualificada concorrência que aguarda na longa fila do desemprego estrutural.


Se no apogeu do taylorismo/fordismo a pujança de uma empresa mensurava-se pelo número de operários que nela exerciam sua atividade de trabalho, pode-se dizer que na era da acumulação flexível e da “empresa enxuta” merecem destaque, e que são citadas como exemplo a ser seguidos, aquelas empresas que dispõem de menor contingente de força de trabalho e que apesar disso têm maiores índices de produtividade. (ANTUNES, 2009, p. 55)

O modelo japonês além de se apropriar de forma mais intensa da força de trabalho através da flexibilização, buscou também alienar ainda mais a consciência da classe operária, reduzindo as greves, através do corporativismo vigilante das equipes de trabalho, instaurando o constante medo do desemprego, fragilizando os sindicatos, transformando-os em sindicatos de empresas, que são dóceis e integrados à política de gestão do trabalho, inviabilizando, assim, a capacidade de união e de luta da classe operária, o que possibilitou a intensificação da superexploração do trabalho e a superacumulação de mais-valor. Este processo tem contribuído perversamente com a desvalorização do trabalhador e a precarização de sua situação social.


Para garantir as novas formas de intensificação da exploração do trabalho o modelo Toyotista conta com o acelerado desmonte do estado de bem-estar social dos tempos de fordismo/taylorismo ao adotar a cartilha do modelo econômico neoliberal, reduzindo assim, o tamanho do Estado, promovendo privatizações, eliminando direitos trabalhistas e dando maior liberdade às empresas multinacionais para precarizar as condições de trabalho, sobretudo nos países subdesenvolvidos. Há então uma mundialização das fábricas, da produção e do Capital, se configurando como uma complexa rede de conexões com uma acelerada circulação de mercadorias e de informações. Tal formato de gestão do trabalho, da produção e de mercado só foi possível em razão da evolução das tecnologias de informação e de transporte advindas do período no pós 2ª Guerra Mundial, que proporcionou a base técnica necessária para o controle e a rápida circulação em nível global de informações e de mercadorias, tornando operacional a implantação dos sistemas just in time e kanban. Essa operacionalidade técnica faz com que o poder de atuação destas fábricas transcendam os limites das fronteiras dos Estados Nações, se instalando nos países que lhe oferecem maior liberdade de exploração dos recursos naturais e do trabalho através de leis ambientais e trabalhistas mais “flexíveis”. Sua nova forma de acumulação extrapola o chão da fábrica e através das diversas formas de terceirização se apoderam, também, da exploração do setor de serviços.


Sob a mundialização, ocorre um deslocamento da base material e institucional do novo regime de acumulação que se torna predominantemente financeiro, rentista e parasitário, centrado não mais no setor industrial, mas, sim, nos mercados financeiros que “dão o tom” ao regime de acumulação, através do ritmo e da orientação que imprimem ao investimento, mas também à partilha das riquezas do trabalho. (VIDAL, 2002, p. 67)

O padrão de produção Toyotista transmite a ideia de fábrica global, suas filiais se espalham por todo o planeta em busca de reduzir o custo da produção, sua demanda é regulada pelo mercado financeiro, sua produção se desenvolve na forma de complexas redes de colaboradores, fornecedores, empresas terceirizadas e subcontratadas, tudo isso conectado e ajustado para que a produção ocorra de forma rápida, personalizada, na “hora certa” e com o menor custo possível. A evolução tecnológica que proporcionou a aplicabilidade deste modelo elevando as taxas de acumulação de capital atingiu a classe que vive do trabalho de forma perversa. A automatização das fábricas e a exigência de um trabalhador polivalente capaz de desempenhar várias funções provocou um crescimento exponencial do desemprego estrutural, obrigando aos desempregados a aceitarem as mais diversas formas de trabalhos precarizados, intermitentes, sem direitos e sem garantias para sobreviver. Assim, temos hoje uma classe proletária que segundo Antunes (2020, p. 36) oscila entre o desemprego completo e, na melhor das hipóteses, a disponibilidade para obter o privilégio da servidão.


No capitalismo avançado, a produção tende a ser cada vez mais invadida por robôs e máquinas digitais, encontrando nas TIC o suporte fundamental dessa nova fase de subsunção real do trabalho ao capital. Como consequência dessa nova empresa flexível e digital, os intermitentes globais tendem se expandir ainda mais, ao mesmo tempo que o processo tecnológico-organizacional-informal eliminará de forma crescente uma quantidade incalculável de força de trabalho que se tornará supérflua e sobrante, sem empregos, sem seguridade social e sem nenhuma perspectiva de futuro. (ANTUNES, 2020, p. 40)

Às massas de proletários sobrantes renegados pelo trabalho fabril restam a informalidade, o desespero e a aceitação do que há de mais atual na superexploração do setor de serviços, o trabalho terceirizado e intermitente regido por aplicativos de grandes empresas digitais. Abílio (2017, p. 20) nos alerta para a necessidade de compreender a economia digital como um campo poderoso de reorganização do trabalho, ligada fortemente ao desenvolvimento tecnológico, mas que também age reconfigurando o papel do Estado, eliminando direitos trabalhistas, reduzindo as barreiras ao fluxo de capital e possibilitando mudanças nas formas de trabalho e na sua subjetividade. É neste contexto que surge o novo modelo de organização e exploração do trabalho: a Uberização. O modelo de gestão do trabalho implantado pela empresa de aplicativo de veículos tem se apropriado da massa de trabalhadores desempregados, através da alienação de sua condição fragilizada e da construção discursiva do empreendedorismo, buscando obscurecer a exploração e tornando ainda mais precária a condição do trabalhador.


Primeiramente, a questão da eliminação do vínculo empregatício. O trabalhador é um nanoempreendedor, e a empresa não é uma empregadora, mas uma parceira, não há qualquer tipo de contrato de trabalho, nem mesmo de prestação de serviços. Este trabalhador passa a ser definido como um microempreendedor, que tem liberdade sobre seu próprio trabalho, que não tem patrão, que administra sua própria vida para sobrevive. Um trabalhador que arca ele próprio com os riscos, com uma série de custos, e não conta com os direitos que vinham associados à exploração de seu trabalho. (ABÍLIO, 2017, p. 20 – 21)

Em Antunes (2020, p. 39) podemos constatar que “o capitalismo informacional e digital vem aprimorando sua engenharia de dominação”, superando a antiga lógica da rigidez Taylorista e Fordista através das novas técnicas flexíveis do Toyotismo, impondo sobre o mundo do trabalho sua trípode destrutiva: a terceirização, a informalidade e a flexibilidade. Estas capturadas em última instância pela mais atual forma de desregulação trabalhista: a uberização do trabalho.


Considerações Finais:


O trabalho é uma categoria vital para a realização do homem perante a sociedade, porém, ao ser capturado pelo sistema capitalista o trabalho é apropriado pelos detentores dos meios de produção e se torna um elemento alienante e não mais parte da realização humana, mas da reprodução do Capital. Para garantir seus elevados índices de acumulação o Capital se reinventa e se reestrutura promovendo inovações na gestão do trabalho. Como consequência temos: de um lado a ampliação da produção e da acumulação de capital e de outro a intensificação da exploração da força de trabalho e a precarização cada vez mais violenta de suas condições de existência.




Bibliografia:

ABÍLIO, Ludmila C. Uberização traz ao debate a relação entre precarização do trabalho e tecnologia. Revista do Instituto Humanitas Unisinos – On-line, São Leopoldo – RS, Ano XVII, n503, p. 20-27, abr. 2017.

ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. 2ª edição. São Paulo: Boitempo, 2020.

ANTUNES, Ricardo. Os Sentidos do Trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 2ª edição, 10ª reimpr. rev. e ampl. São Paulo: Boitempo, 2009.

ENGELS, Friedrich. Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem. 1ª Edição: Neue Zeit, 1896.

GOUNET, T. Fordismo e toyotismo na civilização do automóvel. São Paulo: Boitempo, 1999.

HARVEY, D. Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 17ª edição. São Paulo: Loyola, 2008.

MARX, Karl. O Capital. Crítica da economia política: Livro I: O processo de produção do capital. Tradução Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013.

MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004.

MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro I, Tomo I. São Paulo: Nova Cultural, 1985. Apud MORAES, Betânia et al. A categoria trabalho em Marx e Engels: Uma análise introdutória de sua legalidade onto-histórica. Revista Eletrônica Arma da Crítica. Fortaleza – CE, Ano 2, n.2, p.36-47, março. 2010.

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RIBEIRO. Andressa de F. Taylorismo, Fordismo e toyotismo. Lutas Sociais, São Paulo, Vol. 19, n.35, p. 65-79, jul./dez. 2015.

SANTOS, Vinicius Corrêa. Da era fordista ao desemprego estrutural da força de trabalho: Mudanças na organização da produção e do trabalho e seus reflexos. In Colóquio Internacional Marx e Engels, nº XV. Campinas – SP. Anais. UNICAMP, 2009. GT 9 Mesa 1, p. 1 - 9.






*O presente texto faz parte do Artigo de TCC do programa de pós-graduação em Filosofia e Sociologia da FAVENI, apresentado pelo acadêmico Swelington de Lima Fonseca em julho de 2020.

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