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Síria: Um território em disputa

Do noticiário da manhã com fotos e vídeos de crianças desesperadas até a missa de domingo com profecias apocalípticas e os pedidos de oração nas redes sociais todo mundo já ouviu falar um pouco sobre a Síria. Mas será que estas informações fragmentadas que estamos recebendo de tão diferentes veículos de comunicação nos oferece reais condições de compreender as complexas relações que se desenrolam neste país tão conturbado? No texto anterior falamos como a categoria "Lugar" é importante para compreendermos a brincadeira do "diz que é da cidade x", hoje tentaremos entender parte do que envolve a Síria através de outra categoria: O Território.


O Território é entendido pela geografia como o espaço apropriado por uma relação de poder que se desenvolve através dos diversos níveis de relações sociais (Raffestin, 1993). Assim, podemos entender que territórios não são imutáveis, mas sim objetos de constantes disputas. A distribuição dos países como conhecemos hoje é um resultado milhares de disputas travadas ao longo da história, assim como no futuro tudo que hoje conhecemos pode mudar em consequência das disputas que ocorrem hoje e que ainda ocorrerão.


Para entender a Síria precisamos ter como ponto de partida que esta possui uma localização estratégica. Localizada próxima ao mar mediterrâneo a Síria é um importante ponto de encontro entre a Europa e a Ásia, é o caminho mais rápido e barato para o transporte do petróleo e gás natural extraídos dos países vizinhos como Iraque, Irá, Paquistão e Emirados Árabes, em direção a Europa. Mas essa posição estratégica não é algo recente. A região hoje conhecida como Síria se localizava próximo ao berço das primeiras civilizações, Mesopotâmia, Suméria e Egito, ao longo da história a região foi invadida por diversos povos, como Persas, Gregos, Romanos, Árabes, Turcos(Otomanos) estes últimos se estabelecem na região por mais de 600 anos, sendo destituídos somente após o fim da Primeira Guerra Mundial.



A região da Síria foi também um espaço comum no surgimento das grandes religiões monoteístas o Cristianismo, o Judaísmo e posteriormente o Islamismo, a região possui importância sagrada para todas as religiões. Tudo isso, nos revela o quanto essa região é complexa, e palco de constantes conflitos. Nas últimas semanas viralizaram nas redes sociais versículos bíblicos descrevendo guerras na Síria como se fossem mensagens de profecias apocalípticas, caro leitor, estes conflitos acontecem desde que a Bíblia foi escrita.


Com o fim da Primeira Guerra Mundial o antigo Império Otomano é fragmentado e dividido entre os países vencedores do conflito (França e Inglaterra), estes por sua vez, dividiram a região em diferentes países sem levar em conta seus povos, crenças ou costumes, diferenças estas que são determinantes para os conflitos de agora. A Síria surge enquanto país, mas permanece sob o domínio da França que coloca o país sob o controle de grandes empresas estrangeiras do ramo do Petróleo. Este domínio Francês permanece até o fim da Segunda Guerra Mundial quando são expulsos e finalmente a Síria se tornam uma nação independente, mas isso não significa paz ou o fim dos conflitos, após a independência o país passa a conviver com constantes golpes de estado até a tomada do poder por líderes do movimento BAAZ, um movimento crescente entre as nações de origens árabes cuja ideologia era uma mistura do antigo sonho do povo árabe de uma unificação na forma de uma grande nação, juntamente com conceitos socialistas que cresciam na Europa e na Ásia após o fim da Segunda Guerra Mundial. Juntamente com o crescimento deste movimento diversos ditadores tomavam o poder nesta região como Saddam Hussein no Iraque e Hafez al-Assad na Síria. Durante a Guerra Fria esses dois países eram rivais, Saddam ao lado dos Estados Unidos e Al-Assad do lado da União das Republicas Socialistas Soviéticas (URSS).


O governo de Hafez al-Assad é controverso e conflituoso até mesmo entre o povo Sírio que apesar de predominantemente formado por árabes mulçumanos ainda convive com correntes de pensamentos religiosos divergentes. É preciso lembrar que os árabes são um povo e não uma religião, um árabe pode ser muçulmano, cristão ou judeu. E entre os muçulmanos que são a maioria entre o povo árabe há também a separação entre os Xiitas, Alauitas e Sunitas, correntes que divergem quanto a legitimidade da ordem de sucessão de poder dos descendentes do profeta Maomé. A família do ditador Hafez al-Assad representa os Xiitas/Alauitas que fazem parte de apenas 13% da população, assim, os Xiitas controlam o Governo, o exército e as leis, contrariando uma maioria Sunita de 70% da população e outros 10% de cristãos, a Síria conta também com uma pequena parcela de Curdos, um povo sem nação que vive em diversos países do oriente médio em busca de conquistarem seu próprio espaço.


A insatisfação e a revolta do grupo majoritário é apropriada por Mulçumanos Jihadistas (Extremistas Islâmicos armados) que são radicais Sunitas partindo para o conflito armado. Os primeiros conflitos se tornam verdadeiros massacres onde milhares de Sunitas militares e civis são assassinados e presos pelo governo.


No ano 2000 Hafez al-Assad morre e Bashar al-Assad assume o poder permanecendo até os dias atuais, em seus primeiros atos Bashar libera presos políticos e traz internet para sua população, porém as mudanças duram pouco e os anos seguintes Bashar volta a reprimir os opositores com prisões. A insatisfação com os governos repressores de ditadores no mundo árabe se torna um sentimento comum em vários países além da Síria como Egito, Tunísia, Líbia, Iêmem e Barein, eclodindo em 2011 o evento que ficou conhecido mundialmente como a “Primavera Árabe”, um movimento político popular que anunciava uma luta por mais democracia. A Primavera Árabe resultou na derrubada de diversos ditadores como Muammar Kadafi, da Líbia, morto por uma rebelião popular com apoio militar da Otan.


Entre os ditadores depostos durante a Primavera Árabe, Bashar al-Assad da Síria foi o único que resistiu as manifestações, e através de ofensivas militares, armas químicas e apoio de poderosos aliados internacionais permanece no poder até hoje. Em 2012 o número de mortos no conflito ultrapassou o número de mil mortes, atualmente (2018) este número já está em 353 mil mortos e 56 mil desaparecidos.


É preciso estar bem claro que uma guerra civil é uma guerra entre um mesmo povo de um mesmo país, sendo assim, uma guerra fundamentalmente interna. Esta guerra tem de um lado os apoiadores de Bashar al-Assad que são xiitas (moderados que apoiam um estado laico) e do outro lado os opositores, os sunitas (Islamistas que apoiam um estado teocrático) e são divididos em: Islamistas moderados que compõem o “Exército livre da Síria” e a Frente Islâmica, e os Islamistas radicais que dominam maior parte do território Sírio, estes são formados pela Al-NUSRA que é a versão Síria da Al-Qaeda e pelo ISIS (Estado Islâmico do Iraque e Síria) estes dois últimos possuem métodos de extremamente violentos como por exemplo a decapitação de prisioneiros. Os Curdos também fazem parte dos opositores e representam um domínio militar da região norte da Síria.


Apesar de todos os motivos internos que provocam a guerra civil na Síria, seu território não fica isento dos interesses geopolíticos internacionais. Assim, cada um dos lados recebe apoio de países estrangeiros que possuem interesses próprios sobre o território Sírio. Entre os apoiadores do Governo de Bashar al-Assad está a Rússia que já possuía uma base militar em solo Sírio desde os tempos de Guerra Fria e o Irã. Do lado dos rebeldes estão: Estados Unidos, Reino Unido, França, estes fornecem apoio aos chamados rebeldes moderados (Mais uma vez os Estados Unidos com o discurso de promover a “democracia” atua em um solo de importante influência para o fluxo do comercial mundial de petróleo, já que os EUA já possuem domínio sob o petróleo do Iraque e do Paquistão). Apesar de apoiar as forças rebeldes moderadas estes países representam também uma ofensiva contraria aos rebeldes radicais do ISIS.


Além de provocar milhares de mortes a guerra já desabrigou e mutilou milhões de pessoas incluindo mulheres e crianças. Todo esse cenário de guerra tem provocado uma migração em larga escala de Sírios em busca de um local seguro. Estima-se que mais de 5 milhões de sírios já tenham deixado o país e outros 6 milhões estejam desabrigados em solo Sírio. Em uma população que antes da Guerra era de 22 milhões de pessoas estima-se que metade dessa população esteja em situação de calamidade.


Grande parte dos refugiados (92%) buscam abrigo nos países vizinhos como Líbano, Jordânia e Turquia, que enfrentam dificuldades estruturais para receber este grande contingente de pessoas. O restante tem buscado abrigo nos países europeus onde enfrentam uma forte resistência xenofóbica, onde parte dos moradores europeus não aceitam a presença dos imigrantes refugiados. No Brasil nos últimos anos começam a chegar alguns refugiados, e a resistência xenofóbica, também começa a aparecer em discursos de candidatos políticos, fundamentados pelo ódio e pela ignorância a respeito da real situação vivenciada pelos Sírios.


Toda essa destruição, e sofrimento são resultados de uma disputa de poder por um espaço, uma disputa pelo domínio de um território e seus potenciais recursos naturais e humanos. Não há como saber até quando irá durar esta guerra, ou quantos milhões de mortes ainda ocorrerão, cabe a nós conhecer, nos sensibilizar e solidarizar com os que sofrem, e tentar fazer o que estiver ao nosso alcance para tornar a vida destes refugiados um pouco menos dolorosa.


Boa semana a todos!

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