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Sejamos Todos Feministas


Este texto é fruto das leituras e discussões de um grupo de estudos que se estruturou a partir de conversas informais entre amigos. Inicialmente começamos a conversar por meio de um grupo de aplicativo de mensagens. Logo, decidimos sistematizar o que discutíamos sobre textos diversos, livros e autores por meio de encontros que são marcados esporadicamente. A cada encontro, debatemos e expomos nossos pontos de vista sobre algum texto previamente definido para leitura. O grupo é basicamente constituído por estudantes e acadêmicos universitários. A motivação para a formação do grupo se deve em razão da afinidade entre os assuntos acordados nas conversas que realizamos.


Desta feita, o texto selecionado para a leitura foi Sejamos Todos Feministas, de Chimamanda Ngozi Adichie. Trata-se de uma palestra proferida pela autora em dezembro de 2012 no TEDxEuston, uma conferência que acontece anualmente nos EUA com temáticas que envolvem a África. O livro foi publicado no Brasil pela Companhia das Letras em 2015, tendo expressiva vendagem de exemplares. Além desse título, Chimamanda possui outros livros com a temática voltada quase sempre para o feminismo. Dentre eles se destacam Hibisco Roxo (2003), Meio Sol Amarelo (2006), Americanah (2013) e Para Educar Crianças Feministas: um manifesto (2017).


Chimamanda nasceu na Nigéria em 15 de setembro de 1977. Já na adolescência se destacara como exímia escritora, percorrendo os trilhos de uma escrita engajada na causa feminista. Na juventude escrevera e tivera publicado seu primeiro romance e iniciava sua tarefa de viajar o mundo divulgando o que escrevia e o que acreditava. Foi e continua sendo exemplo para muitas mulheres africanas e do mundo a lutarem por seus direitos.


Quando decidimos por realizar a leitura deste texto, em particular, logo pensamos que seria algo como que uma reflexão importante e necessária. Na sugestão dada por um dos componentes do grupo de leitura sobre o livro de Chimamanda, estava toda uma questão política e social pela qual estamos perpassando cotidianamente. Ora, não vimos leitura que viesse tão bem a calhar para o momento atual. Isto é, momento em que a mulher ainda continua, em pleno século XXI, a receber menores salários que os homens, mesmo ocupando as mesmas posições e os mesmos cargos; momento em que os índices de feminicídio aumentam espantosamente; momento este que continua a reforçar, por diversas formas e estratégias, meios de impor à mulher normas, padrões, estereótipos e regras baseadas em uma cultura machista, não raro derivativa de uma cosmovisão assentada no patriarcalismo historicamente constituído.


Ao nos encontrarmos para debater o livro, percebemos o tamanho de sua importância como denúncia. Isto é, não apenas como um livro expressamente relegado à literatura feminista, mas como um opúsculo que carrega uma denúncia do abuso masculino e do machismo impregnado na sociedade. É também um, porque não dizer, manual de ‘consciência de gênero’. Isto é, pode-se tomar este livro como um manual no sentido da palavra; um manual para todos aqueles, tanto mulheres, quanto homens, que procuram entender e lutar contra os preconceitos contra a mulher. O livro suscita também um propósito de embate contra tudo isso que já mencionamos, além de evocar uma nova forma de leitura da sociedade para além dos valores tradicionais e conservadores que nos rodeia.


Destacamos, ao longo dos comentários feitos pelo grupo, algumas questões proeminentes abordadas no livro em questão. Em primeiro lugar, levantou-se a seguinte observação: o livro de Chimamanda evoca três perspectivas, ao nosso ver, complementares. Isto é, a questão de gênero (pela condição de ser mulher); o preconceito racial (por ser uma mulher e uma mulher negra) e uma cosmovisão decolonial (por ser mulher, mulher negra e de origem africana). Essa reflexão, como se nota, parte do pressuposto da biografia da própria autora. Dito de outro modo, como mulher, Chimamanda consegue superar toda carga de preconceitos e estereótipos que lhes são postos sobre os ombros, ao se dedicar em denunciar e contradizer estes mesmos estereótipos e preconceitos. Ao escrever sobre ser mulher, e ser mulher negra africana, Chimamanda realiza um movimento de contradiscurso ao discurso dominante, que naturalmente é o discurso majoritariamente feito e elaborado por homens. E esse contradiscurso está assentado, sobretudo, na identificação e na explicitação, como mulher, a essas três condições de subalternidade às quais já nos referimos. Essa é, sem dúvida, uma marca indelével do texto de Chimamanda.


Um debate emergiu no desenrolar das postulações feitas sobre o texto no interior do grupo, a saber, o fato genuíno e/ou apenas metafórico acerca da expressão sejamos todos feministas. Neste segundo momento, tentamos responder a algumas indagações por nós mesmos elaboradas. Seria correto, tanto do ponto de vista etimológico, quanto do ponto de vista conceitual, creditar a todos, inclusive aos homens (gênero masculino) a alcunha de ‘feministas’? É claro que neste caso, o termo, em uma resposta afirmativa, recairia aos homens que, negando sua própria condição historicamente determinada, seriam afeitos e defensores da causa feminista. Ou então, negando a questão anterior e sua hipotética resolução, o termo feminista(s) recairia apenas às mulheres, pois é delas que se trata e tão somente delas que emana o direito e o dever de fala, de reivindicação, de luta? Numa outra hipótese, poderíamos sugerir que, neste caso, aos homens com um pensamento progressista em direção à causa das mulheres, caberia o

lugar de, somente, apoiadores, defensores, sendo, portanto, lhes negado a taxativa de ‘feministas’. Entre as questões postas e os comentários por meio delas tecidos, não chegamos a uma conclusão precisa, o que parece ser interessante. Tivemos divergências quanto à defesa da primeira questão e sua resolução, bem como também do mesmo modo quanto à segunda. O que de fato podemos concluir desse debate, que é um debate que escapa ao texto ora analisado, é o aspecto mesmo de pensarmos a respeito de uma perspectiva que possa dar ênfase no seguinte princípio: não importa se você é homem ou é mulher; se você defende, apoia e acredita na igualdade de gênero, você pode sim ser um(a) ‘feminista’. Em resumo, a luta pelos direitos da mulher é uma luta de todos nós e não apenas das mulheres.


A autora consegue explicar que o feminismo e/ou o movimento feminista não procura a superação da mulher em relação ao homem. Busca, sim, a igualdade de direitos e condições. Essa noção pré-concebida e equivocada que afirma ser o feminismo inexistente, porque em tese seria produto de uma vitimização e mimimi das mulheres, não passa de uma tentativa esdrúxula de deslegitimar e desmerecer o movimento. Nesse conjunto de explicações, a autora deixa evidente que parte de um “achismo” capenga a ideia de que o feminismo, ou mais ainda, quem encampa e se identifica com a causa, é contra os homens, numa espécie de “vingança de gênero”. Essa é uma verdade sobre o feminismo que precisar ser melhor abordada e mais do que isso, precisa ser melhor e mais explicada nos diferentes espaços sociais. Dessa forma, é necessário maior vasão e abertura do próprio movimento aos diferentes segmentos sociais, aos inúmeros lugares de fala.


Como é perceptível, o livro Sejamos Todos Feministas é um texto com um objetivo único, podemos assim dizer: o de romper com estereótipos. E estereótipos dos dois lados. Em primeiro, rompe com a perspectiva do próprio patriarcalismo, do machismo e dos padrões normativos que recaem sobre a mulher (inferioridade biológica, desvalorização profissional, preconceito de gênero, violência física e psicológica, entre outros). Em segundo, rompe com a própria noção do que se entende por feminismo. Isto é, no que este conceito realmente significa, não no sentido de que muito se evoca a respeito de modo inteiramente diverso e deturpado. Muitas pessoas acreditam – algumas de forma intencional e outras por falta de conhecimento mesmo – que ser feminista (ou que o feminismo) consiste basicamente em deixar de se relacionar com homens e, por conseguinte, manter relacionamentos afetivos com pessoas do mesmo gênero (neste caso, apenas com mulheres); deixar de ter filhos; deixar de cuidar da higiene corporal (abandonar ou diminuir o hábito de tomar banho, de se depilar, de cuidar do cabelo e etc.); de tornarem-se pessoas com elevada rebeldia e desobediência.

O que Chimamanda deixa muito claro a respeito desses estereótipos, especialmente aqueles que se referem ao aspecto individual, de hábitos e costumes, e tomando por base sua experiência pessoal, é que se pode ser feminista e ser ‘feminina’. O mais importante é sabermos identificar qual é o nosso (homens e mulheres) lugar de fala na questão de gênero. Chimamanda não é uma teórica do feminismo, e não está preocupada em elaborações teóricas a respeito. É uma mulher que constrói uma narrativa decolonial e de gênero e que almeja desconstruir estereótipos e paradigmas do que se entende por feminismo.


Uma outra questão importante a mencionar, é o fato de como a educação, entendida aqui não apenas por meio da escolarização, mas todo processo formativo de um indivíduo (escola, família, trabalho, amizades etc.), contribui para a perpetuação dos estereótipos e preconceitos de gênero. As diversas de relações de submissão e superioridade na relação entre homens e mulheres é resultado na forma e nos meios com os quais educamos nossos filhos e filhas. Em grande parte, as mulheres são educadas, lhes são inculcadas desde mais cedo a se comportarem, a agirem conforme uma cultura da submissão, da indiferença consigo mesmo; de naturalizar sua condição de dependência ao homens; de se conformarem e se ajustarem ao que socialmente e historicamente lhes foram determinadas. Aos homens, temos o oposto. Lhes são ensinados a serem ‘cabeça’, a liderarem o ambiente doméstico e a vida nele; lhes são também inculcados a cultura da superioridade, da imponência, do direito de voz em última instância; de agir, inclusive, com frivolidades e violências.


Não podemos imaginar em construir uma sociedade mais justa e igualitária sem resolvermos a questão de gênero, em todos os sentidos. Essa é uma questão humana e que deve ser posta como tal. Nesse sentido, a educação é, talvez, a única forma de conseguirmos diminuir tamanha desigualdade e injustiça. É, talvez, a única possibilidade real e concreta de superarmos os nefastos quadros de preconceitos, violências e mortes que atingem as mulheres. E o Feminismo é sim um movimento sério, que deve ser considerado na sua essência como movimento que busca lutar por uma sociedade melhor, em que homens e mulheres possam conviver em pé de igualdade.


Parafraseando Chimamanda ao final de seu texto, “feminista é o homem ou a mulher que diz: “sim, existe um problema de gênero ainda hoje e temos que resolvê-lo, temos que melhorar”. Todos nós, mulheres e homens temos que melhorar”. Sejamos todos feministas.


Integrantes do grupo: Jean Carlos (redator do texto), Ramon Portilho, Elisama Cristina, Márcio Filho

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