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Foto do escritorLucas Pires

Sobre mimimi


É provável que você já tenha lido, ouvido, ou pronunciado a palavra/expressão mimimi. Nos últimos anos a expressão se tornou popular, estando presente nos mais diferentes diálogos, passando desde as “inocentes” rivalidades futebolísticas, até questões mais arraigadas socialmente, como racismo, misoginia, fundamentalismo, homofobia e outros. Em consonância com a consolidação das redes sociais, entendida por parte da sociedade como baliza para e das reflexões, a popularização do mimimi, como não poderia ser diferente, assusta.


A expressão parece ser recente, mas não é, surgiu no início do século por meio do desenho animado, politicamente incorreto, Fudêncio e seus amigos. No contexto do seu surgimento, o desenho era veiculado pela MTV Brasil, hoje é possível encontrar a maioria dos episódios no YouTube. Fudêncio se valia da expressão mimimi para instigar e, ao mesmo tempo, provocar o irritado Conrado, sempre apto à reclamar de alguma situação, e diante da reclamação, lá estava o Fudêncio minimizando as angústias do jovem revoltado.


Porém, demorou praticamente uma década, desde que apareceu o primeiro mimimi, para que o termo se popularizasse. Geralmente, a expressão está associada a tentativa rápida e “descolada” de se distanciar dos argumentos de alguém, e para não dar continuidade na conversação, por entendê-la sem sentido, o sujeito se sente autorizado a utilizar mimimi.


Mimimi, de acordo com quem utiliza, significa chororô de outrem, e diante da leitura de que o contraditório se vale de argumentos “infantis”, se recusa a gastar saliva para tentar convencê-lo, ou expor seu posicionamento sobre aquele assunto específico. Além do mimimi, é muito comum a utilização da frase “aceita que dói menos”, pertencente ao mesmo objetivo, ou seja, indisposição para o diálogo.


Diante de uma sociedade caracterizada por preconceito racial, fundamentalismo, práticas autoritárias, inúmeras formas de violência, desigualdade social, e outros problemas históricos, se colocar indisposto para o diálogo contribui, diretamente, para a interrupção de processos de transformação social em curso no país. Por exemplo, por mais que na última década tenha ocorrido a implementação de políticas públicas que possibilitaram melhores condições de vida para às minorias, essas políticas somente conseguiram resultados práticos por meio da conscientização da sociedade.


Um conjunto deseducado, entenda o conceito muito além da escolarização, mesmo que padeça diante de mecanismos impeditivos, não aceita transformações que venham ao encontro de suas angústias. No entanto, mesmo que relute sobre determinado posicionamento, pessoas educadas podem modificar suas concepções por meio de diálogos, e outras formas de leitura que divergem da sua concepção inicial.


Afinal, parece obvio, mas não é, nossa forma de pensar não nos pertence, circula no imaginário social, e por diferentes motivos nós acabamos nos apropriando de ideias, e acrescentamos às ideias capitaneadas experiências das nossas vivências e percepções sobre o mundo. Talvez, pensamento original esteja somente no momento do nascimento, porque depois do primeiro tapa, parafraseando Rousseau, somos “corrompidos” pela sociedade.


É interessante observar, geralmente àqueles/as que utilizam o mimimi, entendo-o como exemplo de sofisticação, de esperteza, e de lacração, se colocam no patamar de superioridade, no campo cognitivo, aos que apresentam argumentos contrários. Nesse sentido, entendendo seu posicionamento como verdade absoluta, recusa e menospreza qualquer outro argumento que não seja o seu, que é, na verdade, argumentos de mitos das redes.


Talvez as ideias de quem se vale do mimimi, como expressão de posicionamento, tenha condições de modificar a leitura do contrário, no entanto, quando se vale do mencionado termo, além de retirar a oportunidade de fala do outro/a, não consegue atingir o objetivo central de qualquer conversação, a saber, a exposição articulada do pensamento.


Expressões como mimimi, ou “aceita que dói menos”, não pertence ao campo do conhecimento, pelo contrário, representa a faceta violenta de parte da sociedade brasileira, porque violência não é somente física, está presente em variadas formas, e a desqualificação do posicionamento de outrem, como se fosse nada, é um exemplo notório de opressão.


Termos como destronar, ou destruir vão ao encontro do fértil fascismo que reluta em nos abandonar, porque vê o contraditório como inimigo, e como tal, para os defensores do mimimi, merece ser destruído. Não é fortuito que reflexões sobre racismo, machismo, homofobia, ditadura, fundamentalismo, e outras que versam para a construção de uma sociedade pautada nos direitos humanos, sejam entendidos pelos lacradores de plantão como mimimi, ou seja, choro de perdedor.


O argumento, a reflexão, a escrita de textos longos, o debate, o ato de escutar e ler o contraditório não é choro, muito menos mimimi, é argumento, é reflexão, é posicionamento crítico, construído, na maioria das vezes, por meio de anos e anos com a nádega grudada na cadeira, lendo e refletindo sobre a sociedade que foi construída para acomodação dos privilegiados.


Apesar de tudo, é necessário acreditar na (re)humanização de parte da sociedade, porque quem hoje se vale do mimimi, em tempos recentes, já foi adepto e receptivo para com o contraditório, quando compreendia o interlocutor como ser humano, e não como inimigo. É justamente no ser humano escondido nos recôncavos daqueles que seguem os lacradores da internet, que se encontra parte da esperança.


Alguns argumentam que o processo de (re)humanização é mais difícil, porque demanda tempo, mas é justamente de tempo que estamos precisando.

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2 Comments


Lucas Pires
Lucas Pires
Jul 24, 2018

Oi Aline, agradeço pela leitura do texto. Sinta-se convidada para publicar suas reflexões. Abraço.

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Aline Marques
Jul 24, 2018

Excelente reflexão professor, parabéns a equipe além dos muros pelo trabalho desenvolvido. Abraços

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