Os tempos atuais têm sido difíceis para a esquerda brasileira. Diante da crise em torno da corrente de pensamento, os caminhos, momentâneos, parecem apontar para um beco sem saída. Talvez, os sentimentos de impotência estejam, diretamente, relacionados com a década de plena governabilidade do PT no poder, quando inúmeros atores sociais acreditaram que os problemas estruturais seriam solucionados pelo primeiro partido de esquerda que assumira o mais alto escalão da política nacional depois de décadas de ditadura, seguido de quase uma década de governo neoliberal, conduzido pelo PSDB de Fernando Henrique Cardoso.
A esquerda não estava preparada para as consequências após a ruptura institucional. Em um país sem tradição democrática, como é o Brasil, as rupturas e os desvios constitucionais podem acontecer à qualquer momento, e é necessário estar preparado para o dia seguinte, para a contraproposta, para a propositura de alternativas. O baque foi difícil e ainda não totalmente assimilado depois do golpe parlamentar, que demonstrou ser uma das primeiras etapas de criminalização do principal expoente da esquerda nacional.
Depois de relativa normalidade constitucional, os diferentes atores sociais que lutaram pela democratização do país, no final da década de 1980, juntamente com os descendentes ideológicos, se viram sem condições para reagirem ao golpe parlamentar. Quando perceberam, o que há de mais retrógrado na política nacional havia chegado novamente ao poder, sem grandes dificuldades, desestabilizando uma das bandeiras da corrente ideológica de esquerda, a saber, o respeito ao voto popular.
No entanto, as feridas que já pareciam ser grandes demais, estavam somente no estágio inicial. As dificuldades continuaram e continuam, passando pela criminalização da esquerda no imaginário social, antipatia da mídia, prisão da principal liderança política, culminando na redução da possibilidade de a esquerda alcançar novamente o pleito presidencial, via voto democrático, já que quem lidera a corrida para presidente/a, Lula, está impossibilitado de concorrer às eleições do ano de 2018.
Diante da conjuntura que se desenrola, somente a utopia faz acreditar na possibilidade de Lula concorrer às eleições, porque à razão diz claramente que a ruptura institucional foi orquestrada para durar, e não para devolver o poder a esquerda depois de pouco mais de dois anos de tê-la apeado do poder.
Todo esse cenário descrito é do conhecimento coletivo, porém, é necessário reconhecer que a esquerda, envolvendo todos os atores, desde lideranças políticas, movimentos sociais, sindicatos, intelectuais, e outros, são protagonistas para o ocaso que chegou a corrente ideológica no Brasil. É necessário reconhecer os equívocos para ter condições de, não avançar, mas recomeçar.
Recentemente, em entrevista para o jornal Folha de São Paulo, o linguista norte-americano Noam Chomsky fez importante análise sobre a conjuntura sociopolítica do Brasil, analisando desde a perseguição judiciária e elitista ao ex-presidente Lula, em virtude dos avanços sociais proporcionados em seu governo, assim como teceu críticas ao envolvimento do PT com atores sociais, no mínimo, suspeitos. Diante da leitura, Chomsky acredita ser necessário que a esquerda faça uma autocrítica e recomece, no sentido mais literal do termo.
Em muitas ocasiões a autocrítica é dolorida, assim como é desconfortável, porque reconhecer, nas ações, equívocos, retira qualquer sujeito do espaço cômodo. O lugar comum, geralmente, é muito confortável, não dói nenhum pouco, acalentando as possíveis crises de consciência. Na antítese dessa leitura está a autocrítica, porque leva à reflexão, e refletir dói consideravelmente.
No entanto, o ato da reflexão não pode ser apenas do Partido dos Trabalhadores, porque o partido não é a esquerda brasileira, mas sim um significativo expoente desse seguimento. É necessário que todos/as que se identificam com as bandeiras do bem estar social, e todo os meandros que esse conceito carrega, possam refletir sobre as ações desenvolvidas nas últimas décadas, e os passos que poderiam ser implementados e que, por uma série de fatores, não foram.
Somente depois dessa dura tarefa da autocrítica, a esquerda terá condições de propor algo. Nesse momento, está sem propostas, e a ausência de propositura está, diretamente, relacionada com a não realização das reflexões. No contexto em que os tempos estão e são difíceis, é necessário pensar, para depois agir, caso contrário, corre-se o risco de não ter nada o que dizer no momento mais crucial que o país enfrenta, se comparado for, os últimos trinta anos.
O tempo é curto, reservando poucas esperanças até o período eleitoral, mas, quiçá, as catástrofes possam reservar momentos de aprendizagem. Mais do que uma falsa e inocente ilusão, a aprendizagem é uma hipótese. Em tempos difíceis, hipóteses, por mais singelas que sejam, não podem ser descartadas.
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