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Território, uma categoria geográfica


O termo território é muitas vezes usado de forma descuidada por boa parte da população, no senso comum, é muitas vezes concebido como “uma grande extensão de terras” ou como “a área de um município, de um estado, de um país”. Aliás, estas são as duas primeiras definições que aparecem no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Muitas vezes confundido como área estas definições ignoram o principal elemento para a definição do conceito de território, a saber: As relações de poder. Segundo Souza (2018) o território é fundamentalmente um espaço definido e delimitado por e a partir das relações de poder.


O Território é uma importante categoria para se compreender as disputas de poder entre os agentes sociais no espaço, a relação de poder se manifesta e se materializa no espaço, o que Souza (2018) chama de espaço territorializando. Não existe relações de poder que se concretizem sem a existência de um limite espacial, mesmo que este poder possa ser exercido a distância por meio das tecnologias da informação, a influência e o poder jamais serão exercidos sobre um grupo social “flutuando no ar”, mas sempre um grupo em conexão com um espaço.


O território pode se manifestar como um instrumento de poder dos Estados Nações, mas jamais devem ser entendidos apenas como isso. Para Souza o conceito de território deve abarcar infinitamente mais que o território do Estado – Nação. É preciso entender que as relações de poder podem ser exercidas em diversos níveis, por diversos atores sociais e também podem ser manifestadas de diferentes formas, seja materialmente ou imaterialmente em diferentes escalas espaciais ou temporais.


A construção do território é sempre o resultado e resultante da disputa pelo poder sobre o espaço. Souza nos chama a atenção para perceber que o território será um campo de forças, uma teia ou rede de relações sociais que a partir de uma complexidade interna, define ao mesmo tempo, um limite, uma alteridade: as diferenças entre o “nós” e os “outros”, em outras palavras, os agentes sociais presente nesta conflituosa disputa pelo espaço. O papel do geografo é identificar quem domina, governa ou influencia e como domina, governa ou influencia esse espaço? (Souza 2018). Os agentes humanos que exercem seu domínio sobre o território o fazem para atender seus interesses e suas necessidades construindo um sistema territorial, ou uma configuração territorial.


Ampliando a percepção para além do poder institucional dos Estados Raffestin (1993) diz que o sistema territorial, é resultado das relações de poder do Estado, das empresas e outras organizações e dos indivíduos, estes produzem no espaço uma construção material (estradas, cidades, bairros, industrias, campos e etc) e imaterial (leis, normas, regras, costumes, hierarquias, influências e etc). Para complementar esta percepção podemos usar o que diz Saquet (2008) ao afirmar que território é organizado historicamente por agentes humanos, politica, jurídica e economicamente; há relações sociais de domínio e controle e o território tem um caráter concreto, material e político – ideológico. Muda o significado do território conforme se re-organiza a sociedade.


A partir destas definições podemos perceber a influência dos grupos sociais na produção e reprodução das relações de poder, e também seu caráter transitório, pois este se encontra em constante transformação por se tratar de uma incessante disputa de interesses conflitantes. Na medida que esta queda de braços pende para um lado ou para outro os territórios se transformam materialmente e simbolicamente. Souza (2018) é taxativo ao dizer que: “territórios existem e são (des)construídos nas mais diversas escalas e espaciais e temporais.”


A ocupação e a forma de uso do espaço ocorrem de formas diferentes conforme o nível de técnicas que dada sociedade ou grupo dispõe. A ocupação de uma dada área por povos camponeses produz uma configuração material e relacional completamente diferente de uma ocupação realizada por uma grande multinacional do ramo de minerações. Esta transformação no espaço é exposta por Raffestin (1993) ao dizer que: o território é um espaço modificado pelo trabalho e revela relações de poder. O território é objetivado por relações sociais de poder e dominação.” Esta definição é confirmada e ampliada por Saquet (2008) ao afirmar que “o território é apropriado e construído socialmente, resultado e condição do processo de territorialização, é produto e processo de apropriação e domínio social, cotidianamente, inscrevendo-se num campo de poder de relações socioespaciais, nas quais, a natureza exterior ao homem está presente de diferentes maneiras.” Na mediada que estas relações sociais de poder se materializam no espaço ocorre a cristalização de uma territorialidade.


Para Souza (2018) a territorialidade é a interação entre os seres humanos mediatizadas pelo espaço. Ela, no singular se refere as relações de poder espacialmente delimitadas e operando sobre um substrato referencial. Já as territorialidades no plural: significam os tipos gerais em que podem ser classificados os territórios conforme suas propriedades e dinâmicas. Desta forma podemos perceber que o Território é múltiplo e relacional. Podemos perceber as relações de poder se manifestando sobre os espaços em diferentes temporalidades e em diferentes níveis de alcance, a exemplo temos os territórios móveis e os territórios em rede. Nos territórios móveis podemos observar a mudança de poder sobre um determinado espaço como uma rua ou um bairro em que durante o dia há a atuação de comerciantes e a noite pode ser ocupada por prostitutas ou por grupos punks. Já nos territórios em rede podemos perceber as conexões de poder entre diferentes espaços, e os diferentes grupos econômicos, políticos e sociais que exercem sua influência sobre o espaço. Souza (2018) nos diz que “é necessário construir uma ponte conceitual entre o território em seu sentido usual e rede (onde não há contiguidade espacial, o que há é em termos abstratos e para efeito de representação gráfica, um conjunto de pontos – nós – conectados entre-se por segmentos – arcos – que correspondem aos fluxos que interligam, costuram os nós – fluxos de bens, pessoas ou informações.” Esse modo de representação das conexões é trabalhada também por Saquet (2008) e Raffestin (1993) que demonstram como a construção material e imaterial das malhas, nós e redes delimitam os campos de ações e de poder presentes nas práticas espaciais.


Com isso temos muito mais do que apenas uma sobreposição de forças de diferentes grupos que exercem o poder sobre um espaço, o que existe é quase sempre como defende Souza (2018) “uma superposição de diversos territórios com formas variadas e limites não coincidentes, como ainda por cima, podem existir contradições entre as diversas territorialidades por conta dos atritos e contradições existentes entre os respectivos poderes.”


A territorialização “é um processo complexo por ser resultado das relações sociais, de perda e reconstrução das relações em uma abordagem relacional e transescalar” (Saquet, 2008). Esta perda e reconstrução das relações é apresentada por Raffestin (1993) através do que ele chamou de processo de territorialização, desterritorialização e reterritorialização (TDR).


Este processo pode ser observado por exemplo na disputas no campo no Brasil onde em um processo de territorialização povos tradicionais indígenas, camponeses e quilombolas ocupam determinada área exercendo seu poder sobre essa área, posteriormente através de processos conflituosos e violentos são expulsos de suas terras em um processo de desterritorialização para uma posterior ocupação de grupos poderosos do agronegócio, da mineração e de madeireiros que modificam o espaço fisicamente e simbolicamente para atender as suas novas exigências em um processo de reterritorialização. A noção de territorialidade significa materialidade e imaterialide em unidade, na(s) territorialidade(s) e no(s) território(s), no movimento de TDR. (Saquet, 2008)


Desta forma é preciso compreender o território como uma categoria geográfica extremamente complexa e necessária nas análises sobre os espaços e as relações que ali existem. Por fim, ficamos com a definição feita por Saquet (2008) que sintetiza a forma como precisamos compreender o território: “O território significa (i)materialidade; não é apenas substrato (palco) ou formas espaciais, nem apenas relações sociais. As próprias relações sociais têm uma (i)materialidade; são objetivas e subjetivas ao mesmo tempo. São plurais e coexistentes, mudam e permanecem na vida cotidiana. Há uma unidade concreto abstrata no e do território que precisa ser abstraída.”



Referências:

RAFFESTIN, Claude. Por uma Geografia do Poder. Tradução de Maria Cecília França. São Paulo (SP): Ática, 1993

SAQUET, Marcos Aurélio. Milton Santos: Concepções da geografia, espaço e território. Geo UERJ - Ano 10, v.2, n.18, 2º semestre de 2008. P. 24-42

SOUZA, Marcelo Lopes. Os conceitos fundamentais da pesquisa sócio-espacial. 4ª Ed. - Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 2018.

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