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Três anos depois do Impeachment

Foto do escritor: Lucas PiresLucas Pires

No último 17 de abril completou-se três anos que a Câmara dos Deputados, presidida, na época, pelo ex-deputado Eduardo Cunha, aprovou o processo de abertura de impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff. O fato, provavelmente o mais importante desde o processo de redemocratização no cenário político nacional, passou praticamente despercebido pelo grande público e, também, pelos grandes meios de comunicação que, hora ou outra, rememoravam o acontecimento, mas sem lhe conceder a devida atenção.


O silêncio, midiático, diante do acontecimento histórico diz muito, porque não restam mais dúvidas que a conjuntura atual está ancorada, diretamente, com o fatídico 17 de abril de 2016, quando o país demonstrou, para quem desejasse ver, o quanto às instituições que deveriam salvaguardar à Constituição de 1988 são frágeis.


No contexto de aceitação da abertura do processo, o governo Dilma Rousseff passava por inúmeros problemas, aumento da inflação, poder de compra cada vez mais diminuto, aumento significativo do desemprego, reação antidemocrática de parte da oposição, críticas da grande mídia perceptivelmente com intuito de destruição, tanto pessoal, quanto do projeto construído pelo Partido dos Trabalhadores que, importante rememorar, havia sido aceito e aprovado pela população brasileira durante, na época, as quatro últimas eleições.


Além desses problemas elencados, Dilma Rousseff contava com baixo índice de aprovação, concomitante com a despolitização das camadas populares ao longo da última década, quando o Partido dos Trabalhadores, historicamente ancorado por meio das bases sociais, esmoreceu o trabalho de base, optando por construir uma política de conciliação com os donos do poder, que, indubitavelmente demonstrou ser vitoriosa por mais de uma década, mas muito distante de ser ideal, porque quando o Partido dos Trabalhadores precisou do povo nas ruas para defender a validade do voto democrático, o povo se encontrava, talvez repetir o termo despolitizado seja muito forte, sem disposição para lutar.


Mesmo sendo insuflado por grandes meios de comunicação, impossível não se lembrar das coberturas do grupo Globo, as mobilizações para a retirada de Dilma Rousseff foram muito mais intensas do que as mobilizações para a sua permanência. Desde 2013, exceto no início das manifestações de junho, quando as pessoas pediam mais estado, quem está ocupando as ruas é a extrema-direita nacional, à esquerda, ora ou outra, nesse interim, conseguiu fazer algumas manifestações, como, por exemplo, manifestações contrárias a Reforma da Previdência apresentada pelo governo Temer durante os anos de 2017 e 2018.


Mesmo com a repressão policial, presente em praticamente todas as manifestações que possuem pautas humanitárias, tendo como representação maior, no ano de 2017, o atentado a cassetete contra Matheus Ferreira da Silva, na época estudante de Ciências Sociais da UFG, que teve traumatismo craniano, no qual conseguiu sobreviver graças a eficiência da equipe médica que o atendeu, é visível que a esquerda está com muita dificuldade de mobilização social.


Os importantes atos do #elenão, organizados e conduzidos por centenas de milhares de mulheres por todo o país, na véspera da eleição presidencial de 2018, não possuíam uma pauta, necessariamente de esquerda, mas teve como consequência principal a repulsa, indignação, e resistência à figura de Jair Bolsonaro. O #elenão foi um movimento, histórico, contrário a Jair Bolsonaro, mas não necessariamente favorável à candidatura de Fernando Haddad, teoricamente, o candidato da esquerda.


Essa breve digressão é importante para apresentar o distanciamento da esquerda partidária, principalmente do Partido dos Trabalhadores, das bases sociais. A resistência, no sentido institucional, ao impeachment só poderia ter sido construída se a população ocupasse as ruas para defender a legitimidade do governo de Dilma Rousseff, no entanto, o cenário social e econômico não era favorável para isso acontecer, além do já mencionado distanciamento entre “povo” e Partido, assim como a fragilidade dos órgãos institucionais e o clima de otimismo que foi construído no imaginário social, quando inúmeras pessoas foram induzidas a acreditarem que a retirada de Dilma e a atividade política de Temer, a saber, representado pelo neoliberalismo nu e cru, seria a solução para todos os problemas que o país enfrentava.

Sobre o clima de otimismo, é inegável que os grandes meios de comunicação foram os grandes artífices para gera-lo. No dia 17 de abril de 2016, quando o Brasil foi apresentado para os mais histriônicos representantes, no qual teve de tudo, de voto favorável ao impeachment como meio para aplacar as dores de barriga de animais domésticos, homenagem a torturador, e outras excentricidades que estão registradas nos anais da Câmara dos Deputados, o que parecia ser uma leitura exclusiva daquele espaço estava, na realidade, muito distante de ser.


No cotidiano social era perceptível que havia um otimismo muito grande na maioria da população, que percebeu em Temer uma esperança, diluída em pouco tempo, mas o simples fato de pessoas depositarem esperança em um impeachment demonstra ser algo sintomático. Evidentemente que quem acompanha(va) mais atentamente todo o cenário político, denunciando as arbitrariedades da ruptura democrática que o impeachment ocasionava, assim como da intensificação do neoliberalismo, entendia que a chegada de Temer seria um desastre para o país, principalmente para a população marginalizada.


O resultado é sabido por todos/as, o governo Temer foi um desastre, o neoliberalismo se fez presente sem nenhuma amarra, o desemprego aumentou, o aumento real do salário mínimo diminuiu, os preços dos itens básicos de alimentação e consumo dispararam, e àquele que foi envernizado como salvador da pátria viu seu nível de popularidade cair para míseros 2% de aprovação.


Aécio Neves, figura central de todo o processo, principalmente por não ter aceitado o resultado das eleições, diante de uma democracia frágil como a brasileira, reconhecer o resultado das urnas é fundamental para a manutenção democrática, viu todo o seu capital e potencial político se esfarelar com as revelações das suas ligações, escusas, com donos da JBS e outros escândalos.


Eduardo Cunha, que já foi tido como “somos todos Cunha”, deve ter percebido que foi utilizado pelos donos do poder para atender os seus interesses, porém na medida que assim o fez se viu descartado pelo sistema que ele mesmo ajudou a gestar. Enfim, os resultados são notórios, e de alguma forma eram previsíveis, mas o que não era previsível era a consolidação de poder por parte da extrema-direita, tendo chegado ao ápice com a eleição de seu representante mor, Jair Bolsonaro.


Sim, Bolsonaro não é um fenômeno do impeachment, mas é inegável que o nicho bolsonarista começou a crescer de forma mais consistente a partir do 17 de abril de 2016, tendo se intensificado com o desastre do governo Temer, dando margem para Bolsonoro, que está dentro do sistema por mais de trinta anos, construir uma imagem de alguém contrário ao establishment. Afinal, o atual presidente conseguiu construir uma imagem que todos são iguais, ou seja, ruins, menos ele. Esse fenômeno, soando inacreditável, não é de inteira responsabilidade do presidente, mas carrega consigo uma parcela considerável de atividade de parte da elite política do país, incluindo, é claro, o Partido dos Trabalhadores, que se envolveu em situações embaraçosas e viu sua capacidade de penetração junto às massas ser diminuída ao longo dos últimos anos.


É justamente sobre esse ponto que a esquerda partidária, além do Partido dos Trabalhadores, tem que se deter, afinal, para os simpatizantes da esquerda está, e sempre esteve evidente que o impeachment foi, na realidade, um golpe contra a frágil democracia brasileira. Essa assertiva é ponto pacífico, mas ficar somente na leitura dessa narrativa é desastroso para o espectro político que se identifica com as causas populares.


Isso não significa revisar o fato histórico dizendo, por exemplo, que o impeachment foi legal e que Dilma Rousseff cometeu crime de responsabilidade, mas compreender tanto as causas como as circunstâncias que propiciaram o impeachment. Existe uma narrativa em uníssono que assegura o caráter do golpe, mas é necessário se deslocar além dessa narrativa, o que não significa abandono, mas ter condições para apresentar outra, a saber, centrada na autocrítica do Partido dos Trabalhadores, da esquerda partidária, dos movimentos sociais e de outros seguimentos que se enclausuraram e deixaram a/o cidadão/ã do cotidiano à mercê de setores reacionários neopentecostais, oportunistas como MBL e Vem Pra Rua, e populistas de extrema-direita como Jair Bolsonaro que, sabiamente, perceberam o vácuo de poder, e consequentemente à oportunidade para conquistarem o poder.


Somente por meio da autocrítica, primeiro para nós mesmos, será possível superar os traumas que o impeachment ocasionou e ocasionara sabe se lá por quantos anos. Continuar apresentando a sanha do neoliberalismo, como fez recentemente a ex-presidente Dilma Rousseff em artigo publicado no jornal, online, Brasil de Fato, quando não apresentou a necessária autocrítica, mas preferiu se voltar somente para a narrativa vigente no campo da esquerda, reiterando a ideia de golpe. Como demonstrado, somente na medida em que houver uma compreensão de que o 17 de abril de 2016 representa mais do que um golpe, porque escancarou, na prática, o resultado de distanciamento social, e não enfrentamento perante o sistema, é que haverá condições de conquistar e reconquistar novos e velhos atores e atrizes sociais.

Reconhecer os equívocos, como à conciliação com os donos do poder, não é demérito, demonstra, acima de tudo, maturidade e capacidade de leitura introspectiva. Olhar para dentro, visando dialogar com os de fora deve ser a máxima, ou melhor, a outra narrativa que tem que ser construída, não para hoje, mas para ontem. Caso isso não aconteça, dificilmente algum espectro da política de esquerda partidária chegará ao poder nas próximas eleições.

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