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Um senhor chamado Rentismo



Ao longo da história da humanidade, os homens e mulheres elaboraram centenas de explicações metafisicas para explicar os fenômenos da natureza e do próprio homem, atribuíam a deuses as dinâmicas das chuvas, das marés, dos ventos, a determinação das divisões de classes e castas, e o destino de todos os seres. Ao longo da jornada humana na terra, a ciência explicou grande parte dos fenômenos e a filosofia matou quase todos os deuses. Mas uma análise da totalidade das relações espaciais de nosso tempo nos sugere que o mundo hoje se reconfigura em uma nova metafisica, um novo senhor onipresente que não pode ser visto, mas que a tudo controla, um senhor chamado Capitalismo, e que agora em sua forma mais evoluída atende pelo nome de Rentismo.


Com o fim da bipolaridade Socialismo X Capitalismo dos tempos de Guerra Fria, o Capitalismo emerge como o grande vencedor, se estabelece como o sistema hegemônico, reconstrói o mundo e estabelece um domínio sobre o espaço global maior que qualquer outro já conquistado pelos grandes impérios da história. Seu domínio alcança a tudo e a todos, reconfigura a relação homem x natureza e homem x homem, e interliga em uma grande rede, o poder produtivo, financeiro, ideológico, cientifico e técnico. Para alguns analistas, há quem diga que chegamos ao fim da história, tamanho o poder de unificação alcançado por este sistema.


Mas antes de continuarmos precisamos ter em mente claramente o que é capitalismo e o que é ser capitalista. No Capitalismo o dinheiro é aplicado como Capital a determinado material agregando a ele trabalho para transformá-lo em um novo produto que agrega valor para ser transformado em um novo material a ser comercializado visando a aquisição de lucro. Para que isso aconteça é preciso que o Capitalista tenha a posse dos meios de produção, e este encontra na propriedade privada, as bases necessárias para a execução deste processo, o capitalista então possui o Capital acumulado, a posse de grandes propriedades fundiárias, e dos equipamentos e ferramentas materiais e ideológicas do processo produtivo, ao trabalhador lhe resta apenas sua força de trabalho a ser comercializada como uma mercadoria dentro do processo produtivo, mercadoria esta que é adquiria pelo capitalista pelo menor valor de mercado. Se você se considera um capitalista por possuir poder de compra para adquirir um Iphone, ou por ter seu próprio dinheiro para comprar seu carro financiado, sinto lhe informar, mas está enganado. O Capitalista é aquele que possui o capital em larga escala, com poder para direcionar a seu favor as relações de poder de nosso tempo, ao trabalhador é atribuído uma quantia mínima para que este continue a consumir mantendo assim viva a engrenagem do consumo e produção. Dentro da sociedade capitalista é o Lucro o grande fundamentalista de nosso tempo, é a superação de seus índices que se sobrepõem as necessidades básicas de grande parte da humanidade.


Apesar de sua aparente força invulnerável, o capitalismo convive com inúmeras crises e rupturas, mas diante de suas fraquezas o capitalismo demonstra sua maior força, a capacidade de se reinventar sempre buscando superar suas margens de lucro (mas até quando ele será capaz de se reinventar? E até quando os seres humanos suportarão suas reinvenções?). Ao longo de sua história o capitalismo encontrou nas revoluções Industriais os seus maiores momentos de saltos e rupturas. A fábrica da primeira revolução Industrial reconfigura e revoluciona não apenas o processo produtivo, mas também toda a sociedade a sua volta, atrai a população do campo que é expulsa de suas propriedades rurais para se tornarem trabalhadores assalariados, remoldando o formato das cidades acelerando o processo de urbanização, alterando as formas de relacionamento pessoal, e dando início a cultura do consumo, necessária para o escoamento da produção em larga escala. A segunda revolução trouxe novo salto, principalmente na dinamização do fluxo produtivo graças ao advento das novas fontes de energia o petróleo, e da eletricidade, agilizando também os meios de transporte responsáveis pela escoação da produção para regiões cada vez mais distantes, a prazos ainda mais curtos. Com a segunda revolução Industrial vem também a cientificização do processo produtivo com os métodos taylorista e fordista que fragmenta o processo produtivo, aliena ainda mais o trabalhador fabril, reduzindo-o a um mero repetidor de movimentos em uma linha de montagem. Mais uma vez a produção alavanca índices gigantescos de lucro. A terceira revolução surge nos anos 70 com o avanço da tecnologia, da informática, da robótica e da genética, os métodos de produção se renovam para corrigir os problemas da rigidez fordista, substituindo-a pela flexibilidade das técnicas Toyotistas, o Kanban/Just in Time, otimizando a produção, eliminando os desperdícios de tempo e de material, ajustando a produção ao consumo. Consumo este que a essa altura já se encontra em seu nível mais avançado, consolidado na cultura do consumismo.


O capitalismo se reinventa e evolui em busca do constante crescimento dos lucros em um espaço de tempo cada vez menor. A evolução dos meios técnicos proporcionaram ao capital a capacidade de se tornar fluido a um nível global, como afirma Moreira (2016): “É a mundialização do dinheiro o fato econômico que totaliza o capitalismo pelos cantos do mundo, e tanto imperialismo quanto a globalização têm ai sua origem.” (p. 78). Encontram na Divisão Internacional do Trabalho (DIT), e no crédito/financiamento para desenvolvimento industrial de países periféricos as principais ferramentas de seu expansionismo, elevando o lucro tanto dentro do processo produtivo industrial quanto na acumulação financeira dos juros. Assim temos os dois pilares do Capitalismo moderno: “O imperialismo como o monopólio industrial-financeiro das inscrições territoriais demarcadas, e a globalização como o monopólio financeiro-rentista territorializando no horizonte sem limite de espaço mundial” (p. 81).


Assim, o Imperialismo atua dentro dos limites existentes físicos das nações e das fábricas, e a globalização atua livremente sem fronteiras através da técnica-informacional produzindo a metafisica ideológica de nosso tempo, ditando culturas, produção e consumo, dessa forma o Capitalismo em seu estágio avançado utiliza do Imperialismo enquanto forma e a globalização como escala de atuação. O “Senhor” Rentismo emerge então como o elo de ligação, “é o interesse da finança a força por trás dessa movimentação da indústria e o fundo da aventura real do imperialismo” (Moreira, 2016. p. 89)


Mas exatamente o que é esse rentismo? O rentismo surge como um estratagema do capital em busca de uma elevação dos lucros, para isso, o rentismo rompe com a estrutura inicial do Capitalismo tradicional baseada no processo Dinheiro-Mercadoria-Dinheiro (D-M-D’) onde se faz necessário que haja um processo produtivo em que, o dinheiro (capital) aplicado na transformação de matéria prima em uma mercadoria através da aplicação de trabalho retorna em um dinheiro acrescido de valor. No rentismo o processo se complexifica e se expande enquanto alcance, mas se simplifica enquanto forma, pois suprime a necessidade da produção fabril, e passa a produzir seu lucro a partir do dinheiro puro. Temos então o processo Dinheiro-Dinheiro’ (D-D’) onde o sistema financeiro de crédito de consumo passa a produzir lucro imediato, sem custo por uma produção, sem preocupações com lutas operarias, sem preocupações com escassez de matéria prima, ou com sobras de estoques. Assim, o capitalismo em seu estágio mais avançado encontra no rentismo o lucro na automatização e mundialização do sistema financeiro que promove um consumo constante e um endividamento perpétuo do consumidor, proporcionando aos rentistas a garantia de lucros elevados imediatos e a longo prazo.


Lembrando que o rentismo em nosso tempo é um senhor onipresente, e seu poder de influência transcende e flui sobre todos os espaços. Seu domínio sobre o espaço se materializa em conteúdo e informação interligando em redes de interesses, homogeneizando a sua própria imagem e semelhança todos os sistemas dos espaços físicos e humanos. Para atingir tão poder de homogeneização, o rentismo se apropriou de uma reestruturação da geografia humana, reestruturando os fluxos migratórios entre centro e periferia, remoldado modos de vida, adequando-os a um espaço de mercado – trabalho – consumo revitalizados, até mesmo nos países periféricos; Se apropriou também da geografia física, reestruturando uma mobilidade produtiva para além de seus habitats naturais de produção alargando internacionalmente as fronteiras agrícolas; Se apropriou da geografia do trabalho através das novas técnicas da divisão internacional do trabalho, e comprometendo os salários a intermináveis dívidas de financiamentos. E se apropriou da geografia do capital, ampliando sua mobilidade superando o capital produtivo por um capital volátil e automatizado que reproduz a si mesmo.


A apropriação das diversas frentes de reestruturação do espaço mundo ofereceu ao rentismo o poder de conduzir uma reestruturação do pensamento, das instituições e das esferas econômicas, atingindo ao status que Rui Moreira (2016) chamou de “Pós Tudo”. Atuando sob as esferas do pós-modernismo, como reconfiguração do pensamento coletivo, tanto do consumo, consolidando a cultura do consumismo, como da própria forma de relacionamentos, e grupos sociais, separando e individualizando os sujeitos, conduzindo-os a uma competitividade por um sucesso que se manifesta na ostentação do ter; Na esfera do pós-estadismo, rompendo com o poder dos estados nacionais reconfigurando uma superestrutura institucional de relações de poder chamada neoliberalismo, oferecendo de bandeja ao capital privado o domínio sobre as principais instituições nacionais; E o pós-fordismo na reconfiguração das relações de produção e do trabalho que por sua vez recaem sobre todo o processo de produção de bens e serviços necessários para uma acumulação de capital de onde o rentismo através de seu sistema de “financiamento e fornecimento de crédito e de consumo retira o grosso de seu retorno acumulativo” (Moreira, 2016 p. 109).


Assim como uma força metafisica sobrenatural o Capitalismo avançado na forma do rentismo recria o espaço-mundo a sua volta, para lhe atender a todos os seus desejos, conduz com sua mão e seu cajado invisível o modo de vida de milhões de pessoas, direciona seus desejos ao consumo desenfreado e a um endividamento eterno, derruba e alavanca governos de nações sem precisar de eleições, ou do apoio popular, usufrui da natureza e a manipula em nome de seu amor maior e incondicional ao dinheiro. Mesmo que você não saiba ou nunca tivesse ouvido falar do rentismo estamos todos de joelhos perante a ele, cabe a nós decidirmos se iremos permanecer de joelhos ou iremos levantar e lutar.


Boa Semana amigos!



Bibliografia sugerida:

MOREIRA, Ruy. A geografia do espaço-mundo: conflitos e superação no espaço do capital. 1ª ed. - Rio de Janeiro: Consequência Editora, 2016.

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