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Utopia da Manutenção: o “povo” está nas ruas

Nos dias atuais, uma das representações mais perceptíveis da heterogênea sociedade brasileira está ancorada na ideia de que é necessário ocupar as ruas para garantir, no primeiro momento, a manutenção das conquistas sociais, e depois para transformar, definitivamente, essa sociedade que esteve e continua permeada por desigualdades.


No final do século XX e início do século atual, a América Latina, como destaca James Petras (1999) passou pelo processo de consolidação do modelo neoliberal, no qual o fenômeno político e econômico não passou incólume pelo Brasil, pelo contrário, fixou-se com intensidade no território brasileiro. Nesse sentido, dependendo da política governamental dominante, o modelo neoliberal foi mais voraz, outrora atuou de maneira menos incisiva, com caráter mais de conciliação.


Porém, nos últimos anos, principalmente durante a gestão Temer (2016-2018), o modelo neoliberal tem encontrado terreno mais fértil para impor suas políticas de austeridade, contribuindo com o processo de precarização social, representado, principalmente, pelo número significativo de pessoas que voltaram ao patamar de extrema pobreza, aumento no número de desempregados, e fragilização das leis que garantiam direitos a classe trabalhadora, entre outras medidas que impactam, diretamente, o cotidiano das pessoas mais vulneráveis.

Parte da população tem percebido que caminhar debaixo das “hostes” neoliberais somente beneficia um seguimento específico, a saber, os neoliberais, que são representados pela elite dominante, de forma mais específica pelo mercado financeiro. Não é nenhum pouco fortuito acompanhar os programas jornalísticos, pautados em diálogos que versam sobre economia, falarem constantemente das reações do mercado diante de manifestações do governo federal, ou de leituras e posicionamentos do congresso nacional, em sua grande maioria favoráveis as medidas neoliberais, também conhecidas como políticas de austeridade.


Infelizmente o país, no sentido da política institucional, encontra-se refém do mercado financeiro, porém, o estado não pode ser considerado vítima do sequestro, porque ao longo dos últimos anos, como destacado, estado e mercado estabeleceram uma relação de cumplicidade. Embora, seja sempre importante ressaltar, embora tenha sido um governo neoliberal, o Partido dos Trabalhadores conseguiu conciliar os interesses dos grupos econômicos com uma política que visou, e de alguma forma conseguiu, minar as desigualdades sociais.


No entanto, o mercado financeiro, como representante máximo do sistema capitalista, é voraz, tendo aceitado por um espaço curto de tempo a prática da conciliação. Ao romper a estabilidade social que esteve em vigência por mais de uma década, o neoliberalismo, a moda brasileira, resolveu assumir o protagonismo das ações, não somente da Bolsa de Valores, mas da vida cotidiana dos atores e atrizes sociais que ocupam os mais diferentes rincões do país.


Percebendo a cumplicidade, incentivo e subserviência da política governamental para com os anseios incontroláveis de lucro e mais lucro do mercado, parte da população tem arregaçado as mangas para lutar por seus direitos básicos, entre eles viver com dignidade. Entre essas lutas, pela manutenção dos direitos, é possível destacar as manifestações que visam impedir o corte de investimento na área educacional, concomitantemente com ações que têm como intuito garantir uma aposentadoria, distante de ser digna, mas pelo menos que se mantenha o direito de se aposentar.


Diante da pauta contemporânea, os dois grandes fatores que levaram e que levarão, nesse momento, parte da sociedade às ruas é a defesa para com à educação pública e manutenção da seguridade social. Porém, não é demasiado presumir que, em breve, outras ações contrárias aos anseios da população estarão presentes no cotidiano social, demandando mais organização, mobilização e manifestação contrárias por parte da coletividade. As pessoas que estão saindo para as ruas já perceberam, muitos já a algum tempo, outros mais recentemente, que, nesse contexto, a única forma de manter as conquistas sociais será por meio da ocupação dos espaços, ou seja, fazer da rua um verdadeiro ambiente cotidiano.


O filósofo Jean Jacques Rousseu, na segunda metade do século XIX, ao escrever o seu mais conhecido livro, Do Contrato Social, assegurou que todo o poder emana do povo. Procurando pensar por meio das continuidades do processo histórico, por isso a licença hermenêutica para trazer Rousseu para a contemporaneidade, é possível assegurar que no Brasil atual o poder não emana do povo, mas do mercado financeiro. Porém, há, nitidamente, uma vontade popular de inverter o jogo, de assumir protagonismo diante das ações, tendo, com isso, poder de decisão.


As consequências do ato de ocupar as ruas são imprevisíveis, principalmente pelo contexto repressivo materializado pelo estado, porém, parte da população conseguiu compreender que é melhor lutar por um cenário, além do tempo presente, imprevisível, do que acompanhar e presenciar a certeza da destruição.


O desejo de ocupar as ruas traz, indubitavelmente, esperança para uma sociedade que está, infelizmente, se acostumando com o cotidiano da desesperança. Todo ato de ocupação apresenta utopias, entretanto, o cenário brasileiro é tão desolador que a utopia que se tem para hoje é a manutenção dos direitos mais elementares. Porém, quando o contexto/mercado se torna extremamente agressivo, a defesa passa a ser um ato revolucionário.

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