Na minha infância ouvia com frequência as histórias epopeicas do meu avô, das viagens e das pessoas que ele tinha conhecido pelas estradas, ouvia com fascínio e encantamento de criança as histórias de sofrimento e coragem, achava meu avô um herói, mais tarde, já adulto percebi que realmente ele era mesmo um herói chamado “retirante”, que enfrentou um inimigo mais difícil que qualquer outro apresentado nos quadrinhos ou no cinema, a vida real em sua face mais fria e cruel.
Meu avô era mais um de tantos outros que abandonaram suas terras em um “pau de arara” (caminhão com carroceria aberta, onde dezenas de pessoas viajavam dias seguidos sem o menor conforto ou segurança), fugindo da fome e da seca em busca de sobrevivência, não em busca de uma vida luxuosa, mas de uma vida digna, de um trabalho e um lugar tranquilo longe da opressão de poderosos “Coronéis”, que não possuíam títulos militares, mas um grande poder de influência e status graças ao acumulo de grandes porções de terras adquiridas com truculência e sangue camponês.
Eram relatos de um passado, uma história pessoal semelhante a tantas outras, que apesar do tempo, permanece. Em essência desde início de sua história na terra o ser humano migra em busca de melhores condições de vida, seja em busca de alimentos, trabalho ou fugindo de uma ameaça extrema como o Nazismo, ou a guerra civil na Síria, em suma o ser humano é um animal que MIGRA quando ameaçado em busca de sobrevivência, aqueles que partem de seu país natal em direção a uma nova terra é chamado de EMIGRANTE, e o mesmo ao chegar em seu novo país é chamado de IMIGRANTE. Tendo em vista este fato, façamos a seguinte indagação, como estes migrantes vem sendo recebidos em nosso tempo?
A resposta talvez não seja tão animadora, o mundo não tem sido um bom anfitrião, pelo menos não em sua maioria de países, graças a uma sociedade global cada vez mais individualista, competitiva e fria, aliadas a um período de profunda crise do capitalismo, uma crise tanto sistêmica quanto estrutural, com escassez de recursos naturais e monetários, índices de desemprego crescente, ineficiência dos serviços públicos fundamentais, medo do terrorismo e das mais variadas violências urbanas. Tudo isso tem provocado uma forte onda de nacionalismos radicais, que se apresentam na forma de xenofobia e na eleição de líderes políticos de posicionamentos extremos contra imigrantes.
Em nosso país até mesmo as migrações internas sofrem as consequências de uma sociedade pouco receptiva, os oriundos dos processos de êxodo rural e das migrações inter-regionais como o caso de meu avô, enfrentam o preconceito com os costumes e com os sotaques, se deparam com poucas oportunidades de trabalho e são obrigados a aceitar subempregos, na maioria das vezes sem nenhum direito trabalhista. O pouco salário aliado ao custo alto de vida das grandes cidades os forçam a buscar moradias irregulares nas periferias sem as mínimas condições de segurança ou salubridade, expandindo assim as favelas, provocando o que chamamos de macrocefalia urbana (Crescimento desordenado das cidades).
O mesmo ocorre com os que praticam migrações temporárias conhecidas como Sazonal ou transumânica, trabalhadores que migram para diferentes estados em períodos de colheita ou plantio de determinada monocultura, como o caso da cana-de-açúcar, que além de enfrentarem um trabalho pesado e perigoso, ainda enfrentam o preconceito dos moradores locais, e condições de trabalho muitas vezes análogas à escravidão. Por falar em condições análogas à escravidão, é exatamente assim que recepcionamos nossos vizinhos bolivianos, paraguaios, peruanos e haitianos, imigrantes estrangeiros, muitas vezes encarcerados em confecções clandestinas trabalhando em extensas jornadas de trabalho por centavos, gerando lucros para poderosas grifes internacionais.
O cenário internacional não é mais receptivo que o brasileiro, os recentes atentados terroristas, tem feito crescer um forte sentimento de ódio a estrangeiros de origens islâmicas na Europa e na América do Norte, intensificando discursos e atos xenofóbicos, fortalecendo partidos ultra conservadores e nacionalistas, e ressuscitando grupos neonazistas e antissemitas.
A crise econômica de 2008 se arrasta e se intensifica em diversos países provocando desemprego até mesmo nas grandes potencias internacionais, gerando uma insatisfação por parte dos locais em relação aos imigrantes que ocupam vagas de trabalho, mesmo que este trabalho seja precarizado, e o trabalhador imigrante receba dezenas de vezes menos que um trabalhador local. A insatisfação dos locais se intensifica à medida que os imigrantes passam ocupar cada vez mais postos de trabalho, vagas em colégios, leitos em hospitais, e espaços urbanos. Esta insatisfação faz com que políticos com propostas hostis aos imigrantes ganhem poder como o caso de Donald Trump nos Estados Unidos, com o forte discurso de intensificar as fiscalizações de fronteiras, e deportações em massa de imigrantes ilegais, além do veto de entrada de imigrantes de origem islâmicas (fora outros posicionamentos extremamente questionáveis, mas isso é assunto para outro texto). Medidas essas que prejudicam diretamente milhares de brasileiros que tentam o “sonho americano” em busca de oportunidades.
A humanidade tem caminhado no sentido contrário a uma convivência pacífica e harmoniosa entre povos, o ódio e o medo aumentam as tensões e as hostilidades entre as duas partes. A sede insaciável por lucros se aproveita dos necessitados aumentando a exploração do trabalho imigrante, os muros se levantam e dentro deles o frio, a indiferença, e o ódio crescem vertiginosamente, fora dos muros os cenários de miséria e guerra forçam uma fuga quase obrigatória.
Diante do exposto me recordo de uma velha frase de meu avô em seu sotaque “Donde tu rem, ponde tu rai?” (De onde tu vem, para onde tu vai?) Expressão utilizada quando viajantes se encontravam em um tempo de maior diálogo entre as pessoas. Hoje eu perguntaria: “De onde tu vem e para onde tu vai nesse mundo que não sabe amar?”
Sugiro que olhemos em outra direção que possamos aprender a receber bem os necessitados, os refugiados e os esperançosos pois eles estão apenas lutando para sobreviverem, que possamos aprender a estender a mão, a compreender suas motivações e ter empatia diante das inúmeras dificuldades que estes migrantes enfrentaram até este momento. Que as fronteiras se quebrem, pois, acima de qualquer nacionalidade ou regionalidade somos todos humanos portadores de um sonho comum LIBERDADE.