Para esta publicação, preparamos uma breve averiguação acerca dos mecanismos regionais e territoriais que envolvem a propagação e difusão da tradição cultural do povo goiano. Sem querer abusar da cientificidade, que neste texto é presente, refletimos como a cultura do povo goiano está intimamente ligada ao seu território especifico, bem como sua formação histórica.
Deste modo, os elementos definidores da formação histórica do território goiano, apresenta especificidades e nuances características da identidade e construção da cultura, ligada intrinsicamente com a ocupação dos espaços por diferentes sujeitos e saberes; que logo pressupõe costumes e hábitos, conhecimento e tradição, religião e mito.
Dênis Castilho (2008), assinala que não se pode compreender a “emancipação” da cultura e seus elementos definidores, se não houver uma leitura atenta aos métodos e formas de como se configura a ocupação de espaços, que logo se transforma em territórios.
Em livro intitulado Um Sertão Chamado Brasil (2014), Nísia Trindade Lima elabora com propriedade e vasta documentação, análise sobre as versões que se fizeram presentes – especialmente a partir de meados do século XIX – sobre “sertão”, como espaço do atraso, do arcaico; do indivíduo ignorante e rústico. Entretanto, o objetivo da autora não é reproduzir tais versões. Ao contrário, expõe com brilhantismo sua intenção de realizar uma leitura sobre o que fora produzido sobre a ideia de Sertão na ótica de cientistas, artistas, poetas e sanitaristas, principalmente no que toca ao período da Primeira República (1889).
Um dos aspectos definidores de Sertão, discussão a pouco elencada, é a noção de fronteira. Muito além das perspectivas que comumente se tem sobre fronteira: algo que delimita certo espaço como marco divisor que revela onde começa e termina, fronteira sobre o olhar de Oliveira (2014) se apresenta de modo transitório e impossível de delimitar. De acordo com a autora, fronteira deve ser pensada não apenas na questão geográfica ou espacial, mas em conjunto com os valores simbólicos, culturais e tradicionais de cada sujeito ao longo do processo histórico.
Assim sendo, a noção de fronteira ultrapassa o determinismo geográfico. Ela se constitui, ainda segundo Oliveira (2014), de uma transposição e fluxos de indivíduos num espaço indeterminado. Os sujeitos se interagem, se comunicam, dialogam. Ao acontecer este processo, ocorre a troca e assimilação de valores culturais, de experiência e saberes diversos.
Em discussão categórica, Valtuir Moreira da Silva (2008) identifica fatores essenciais para a compreensão concreta de espaço e território. Além de corroborar com as discussões de Sertão e fronteira, que foram levantadas, o autor esclarece que o espaço é um elemento, tanto concreto quanto abstrato, pois define aspectos geográficos, biológicos, geológicos, ambientais, mas também apresenta sentido e formas culturais, tradicionais, religiosas e etc.
Ainda segundo Silva (2008), o território é a caracterização e a representação da ocupação deste espaço dotado de concretude e abstração, por sujeitos e indivíduos de localidades e experiências culturais múltiplas.
Desse modo, o espaço é definidor das relações entre os sujeitos que dele se fazem presentes. O território é a “emancipação” deste processo, desta ocupação e de valores culturais que são estabelecidos por estes sujeitos.
Chaveiro (2013) discute a perspectiva deste processo de ocupação dos espaços, especialmente em Goiás e no início do período da mineração, sobre o aspecto das transformações que se fizeram sentir no cerrado goiano. Sua análise, tanto no sentido dos impactos ambientais e geográficos, quanto na própria ideia de cerrado compreendido como lugar das “arvores tortas”, do presente “inóspito”, e da “ignorância” reinante, são pertinentes na proposição da análise de espaços ocupados.
Em uma averiguação profícua dos festejos de padroeiros em Muquém, Abadiânia e Trindade, Maria Idelma Vieira D’Abadia (2004), destaca a importância de se pensar o espaço como espectro da potencialidade da experiência humana. Utilizando conceitos como “espacialidade”, “identidade religiosa” e “territorialidade” a autora procura explorar o espaço como representação da cultura, da tradição, da memória, do imaginário, do simbólico, da fé e da crença. O território seria o “ponto de referência”, o marco desta “espacialidade”, o mediador e o aspecto definidor de culturas experienciadas ao longo do tempo pela humanidade.
Sobre a leitura que a autora expõe dos festejos religiosos de Muquém, Abadiânia e Trindade, fica claro a ideia de que, determinados espaços e territórios se caracterizam como aspecto que define as “identidades”, quer sejam elas religiosas ou culturais.
São os “espaços sagrados”, carregados de simbolismos, memória, fé, cultura, tradição que se correlacionam com os “territórios” ou “espaços territoriais”, que delineiam elementos da identidade nacional.