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Não Compreendemos os Nossos Problemas

Recentemente, escrevi nesse espaço sobre os malefícios ocasionados pelo conservadorismo da sociedade brasileira. O caráter conservador se configura como um impeditivo sério e, perceptivelmente enraizado para avançarmos em questões importantes do nosso cotidiano, como por exemplo, a desmilitarização da Polícia Militar, a legalização da maconha, a regularização do aborto e outros temas candentes na atual conjuntura.



Infelizmente, não conseguimos caminhar no campo do diálogo, em decorrência do preconceito que nos assola. O aspecto conservador se materializa da seguinte maneira, quando não entendemos a importância de se discutir os temas aventados acima e, fingimos para nós mesmos que compreendemos. De acordo com esse fingimento acalentador para com a nossa incapacidade e não disponibilidade para o diálogo, acreditamos que temos respostas para os problemas que, definitivamente não conseguimos compreender.


Há alguns meses atrás, em conversa com um colega, eu disse o seguinte: “A descriminalização da maconha seria um grande passo para um avanço cultural no e do país”. Esse amigo, em tom de indignação respondeu da seguinte maneira: “Mas como pode ser, avanço cultural liberando o crime?”. Não entrarei no mérito da questão em si, porque esse não é o propósito. Porém, o que mais me chamou atenção em nossa conversa, foi o termo utilizado por ele, quando o conceito de legalizar, fora suplantado em sua fala pelo conceito de liberar. A ideia de liberar parece evidenciar que, tudo é possível e permitido. Porém, o sentido de legalizar se refere principalmente a uma característica de regulamentação.


O mencionado acontecimento, se configura como uma síntese demonstrativa de o quanto estamos distantes de compreendermos de fato algumas problemáticas nacionais, porém, não nos contentamos em admitir que, não temos condições naquele momento de compreender. Fator esse demonstrativo de humildade, mas, nosso ego nos impede de fazer isso e, para demonstrar um saber que ainda não temos, partimos para o óbvio, para o senso comum, para as respostas fáceis e simplistas, procurando assim, solucionar problemas complexos.


Por exemplo, esse colega poderia evidentemente não corroborar com os pressupostos levantados, algo extremamente salutar para a construção de um diálogo, entretanto, não foi isso que aconteceu, não houve necessariamente diálogo, houve uma recusa imediata para a construção dialógica de uma problemática importante do país. De acordo com o desenrolar da conversa, se a mesma evidentemente tivesse acontecido, esse colega poderia de acordo com sua capacidade de construção de e das ideias, me demover da premissa que, eu tentava em vão construir.


O filósofo francês, René Descartes em seu clássico livro, Discurso do Método (2010) defende que, de acordo com os preceitos da razão pode se compreender tudo, desde os problemas mais complexos, aos mais simples. No entanto, pelo método cartesiano, é necessário que, você comece por aquelas complicações que demonstram ser naquele momento mais fáceis, para gradativamente conseguir avançar para o campo das complexidades. Agindo dessa forma, o mencionado filósofo conseguiu provar racionalmente a existência de Deus.


No entanto, de acordo com o método de Descartes, para se chegar ao conhecimento, é necessário que o ser humano se despoje de todo o preconceito acumulado ao longo dos anos, no qual, esse preconceito sempre o impedira de conhecer, fazendo com que, tudo que chegasse de novo fosse rapidamente recusado na primeira reflexão cognitiva. Entretanto, à medida que o preconceito fosse suplantado, o novo passaria por várias etapas da razão, se valendo de muita maturação e reflexão por parte do sujeito e, depois desse método reflexivo, o indivíduo teria melhores condições para se chegar a uma definição coerente e racional sobre o problema.


Nesse interim de análise, o grande entrave do conservadorismo à moda brasileira, está nesse sentido, quando acreditamos candidamente que nosso preconceito se configura como campo do conhecimento. Há um distanciamento significativo entre esses dois polos, preconceito nunca foi e, provavelmente nunca será conhecimento. O preconceito se origina justamente da nossa ausência de conhecimento.


Assim, me valendo das reflexões elencadas por Paulo Freire, em seu livro, Pedagogia do Oprimido (2016), quando afirma que, o principal embate no Brasil para o avanço cultural e de humanização, está muito distante de ser um “enfrentamento” no sentido prático, mas, o “enfrentamento” para ontem, deve acontecer no campo das ideias, por que o preconceito impeditivo se encontra construído nesse espaço ideológico.


Caminhar para a conscientização, estabelecendo um diálogo sem preconceito para com os reticentes as conversações, demonstra ser uma tarefa difícil, porém, fundamental nesse momento. Caso contrário, sem o enfrentamento no campo das ideias, teremos dificuldades sociais para se compreender os problemas do conservadorismo e suas raízes e, se não houver essa compreensão, estaremos equidistantes das possíveis resoluções.

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